Eu vivo em um ambiente controlado. Escritório de agência bonito, ar-condicionado em temperatura amena, água mineral (com gás, se você preferir) e com gente descolada. Também vivo em um ambiente descontrolado: ritmo de trabalho intenso, prazos apertados e um esforço enorme para manter a qualidade. Essa dinâmica cria um efeito bolha que, certamente, todo publicitário já experimentou. Consome nosso tempo e energia e gera uma sensação de distanciamento de uma verdade que está “lá fora” e tanto precisamos capturar para o nosso trabalho. 

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Mas houve um tempo em que eu chegava em casa todos os dias com o rosto coberto de fuligem, a camiseta suada e a cabeça cheia de ideias para escrever um texto. Eram assim meus dias de jornalista na revista Trip, na Folha de S.Paulo, na Rádio Bandeirantes AM e em tantos outros veículos para os quais eu escrevi.

Chegar da rua era vir de um dia de garimpo, de coleta de histórias maravilhosas que ganhariam forma em palavras e fotografias. É por isso que as ruas me atraem tanto e ainda são o maior celeiro de inspiração para o meu trabalho como publicitário. As ruas te amolecem, no bom sentido. Elas te fazem ser mais empático, sentir mais o que o outro sente. Você se torna mais socialmente orgânico e compreende melhor outras realidades. E é daí que surgem as ideias que podem mobilizar verdadeiramente as pessoas.

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Como jornalista de rua, eu dormi sob a ponte com desabrigados, para ver como uma família se mantém sem ter uma casa. Já passei uma semana no Capão Redondo, para retratar a vida de um trabalhador da região. Ouvi menores de rua sobre viver sem pai nem mãe numa cidade como São Paulo ou ainda as histórias de vida de prostitutas de 60 anos de idade, na Estação da Luz. Eu vi muita coisa nas ruas antes de me tornar publicitário e aprendi muito com isso. Hoje, meu dia a dia está muito ligado à gestão de carreira de cerca de 60 profissionais que trabalham comigo e do trabalho de estratégia, mídia e conteúdo que fazemos para nossos clientes.

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Mas as ruas continuam vivas dentro de mim e, sempre que possível, estouro a bolha que se formou em torno de nós saindo a campo com minha máquina fotográfica na mão e ensaiando pequenas histórias em um perfil no Instagram, chamado @contosdeinstante. Como o próprio perfil se define, a proposta do @contosdeinstante é capturar “uma imagem de relance e uma ideia de instante”. Fotografou, escreveu. Rápido assim, no mesmo momento. Sem pensar ou elaborar muito a ideia.

Encaro mais como um registro: um exercício sobre a experiência na rua, que me aproxima de outras realidades e me ajuda a não engessar. São conversas e imagens que me fazem repensar o meu cotidiano, os meus conceitos e o próprio trabalho que tenho feito para os clientes.
Por isso, incentivo a minha equipe a fazer o mesmo em cada projeto que realizamos. Por mais dados e pesquisas que uma agência possa ter, é nas ruas, é no olho no olho que captamos a verdade da nossa sociedade. Porque é nas ruas que a vida acontece.

 Fernando Diniz é Chief Strategy Officer da DPZ&T