Giancarlo Liguori/Divulgação

Buscava entender como se respira entre os pontos e vírgulas vertiginosos do Diário da Corte, de Paulo Francis, enquanto Jack Kerouac nos conduzia em modo frenético, On the Road, ao cinema.
Após três sessões seguidas de Asas do Desejo nos tornamos, definitivamente, Ícaros wenderianos. As Asas do Desejo em rasantes improváveis sobre o skyline da Rua Augusta.

Por essa época, começou a acontecer algo estranho: os grunhidos que rasgavam a garganta de Nick Cave, me incutindo desejos de bares, conhaques e atmosferas chiaroscuras, começaram a se mesclar com os sambas da tríade Alcione-Martinho da Vila-Clara Nunes, que minha mãe ouvia diuturnamente na vitrola de casa. Paisagens sonoras inesperadamente sedutoras se desprendiam desse curto-circuito.

E, então, quando a poesia realmente fez folia em minha vida, fomos tragados para uma exposição de fotografias. E de lá nunca mais saímos. Perceber naquelas imagens a possibilidade tão genuína de exercitar uma expressão pessoal, poética e política, foi como uma catarse.

A exposição era do mestre zen e filho legítimo de um tuiuiú, Araquém Alcântara. Ontem, meu mestre, hoje meu parceiro de uma profusão de projetos em que a luz e a sombra sempre assombram nossos dionísios.
Por essas derivas, a palavra poética de Rilke, João Cabral, Cummings, Manuel Bandeira, Italo Calvino e Manoel de Barros, fontes primárias de inspiração até hoje, tornaram-se o fogo a clarear labirintos de simbologias e caminhos nos quais o sensorial predomina onde falha a razão.

E assim chegamos ao Castelo dos Destinos Cruzados das imagens fotográficas de caráter autoral e ensaística, meu reino. Meu apaixonado reino.

E assim foi, está sendo, será. Vilém Flusser, um dos mais inspirados teóricos da imagem que devoramos e por ele fomos devorados, diz, em sua Filosofia da Caixa Preta, que imagens são palavras codificadas.
Eu digo que palavras são imagens que nos esperam no bar, ávidas por serem embriagadas. Toda polissemia, toda cacofonia, será fonte de inspiração.

O Ateliê Fotô, espaço de estudos e criação de fotografia contemporânea que criei em 2011, atende cerca de 65 fotógrafos que querem expandir seus limites na busca de uma expressão legítima, sanguínea, transcendente se possível. O estudo multidisciplinar, percebemos após essa trajetória que vai do samba à lógica da formação das constelações, pode e deve ser o agente libertador das percepções.

Hoje, minha grande fonte de inspiração segue sendo um acervo de fotografias e as histórias ali enclausuradas à espera de alguém que as decifre. A fonte de inspiração, logo, é a centelha criativa que move um autor na sua obsessão de moldar a linguagem, seja ela qual for.

E a resultante do que somos, formada por tudo que lemos, assistimos, conversamos, beijamos, experienciamos em profundidade, é o leme a nos guiar nesse mar que não possui caminhos pré-desenhados.

Navegar é preciso!

Eder Chiodetto é jornalista, curador de fotografia e diretor do Ateliê Fotô