Moda e publicidade são primas-irmãs. As duas se baseiam em contar histórias, construindo sentido sobre nossos corpos, identidades e desejos. Ambas partem de anseios individuais para serem reinterpretadas no coletivo. Enquanto vestir-se é tomar posse de si mesmo e do mundo, produzir moda é tomar partido. Assim como a publicidade, a moda cria posicionamento. Se roupa é necessidade quase que instintiva, moda é vocabulário, é consistência de mensagem.

São muitos os paralelos entre os dois mundos, que vivem do ciclo da informação, materializada em “campanha” de um lado ou “coleção” do outro. A força da propaganda, assim como da moda mais autêntica, nasce nas ruas, subverte limites e coloca questões – para só então influenciar as passarelas e toda a cadeia do consumo. Nesse sentido, passarela é que nem festival: lugar onde os especialistas se encontram para entrar em acordo sobre o que é novo, novamente. Até o ano seguinte.

Quando estive na plateia do incrível Theatro São Pedro para a apresentação da coleção El día que me quieras, de Ronaldo Fraga, na SP Fashion Week, vivi um dos momentos mais emocionantes da minha carreira. O estilista fez um desfile-manifesto com um casting exclusivamente de mulheres trans. A coleção apresentava uma única peça, o vestido, customizado e personalizado individualmente sobre cada modelo, para celebrar o que temos em comum sem desrespeitar o que nos faz diferentes.

Conceito e coerência perfeitos. O genial Ronaldo chamava, assim, a atenção para a violência de gênero e para a invisibilidade trans, usando os corpos como mídia. Moda e publicidade estavam juntas ali, naquele palco, compartilhando o mesmo assunto que levantamos meses antes com a L’Oréal na campanha Meu Primeiro Dia da Mulher. Quando lançamos Valentina Sampaio como a primeira porta-voz trans da marca no mundo, atualizamos seu discurso sobre a compreensão mais ampla da beleza feminina e suas causas visíveis e invisíveis.

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A iniciativa brasileira ganhou tanta força que foi replicada globalmente pela marca, com Hari Nef dando voz ao movimento nos EUA. Mais uma vez, moda e propaganda partiram da empatia humana para fazer seus produtos dialogarem sobre questões universais. Terminamos o desfile (com a própria Valentina presente na passarela) não só otimistas, como também agradecidos por sermos atores no teatro da criação.

Outra troca entre moda e publicidade é o biquíni da WMcCann, ideia do Washington para fazer os corpos falarem bem da agência no espaço mais popular e democrático que existe: a areia da praia. Cada peça tem o detalhe de um tag em metal dourado vazado na lateral, que, com a exposição ao sol, imprime na pele o nosso logo. Branded content na carne. Já estamos na quarta temporada e o biquíni continua um sucesso, desejado e elogiado por gente do calibre de Diane von Furstenberg, Gloria Kalil, Lilian Pacce, Grazi Massafera, Juliana Paes e Taís Araújo. Menor dúvida de que estar nessa ficha técnica é uma honra que devo aos dois mundos, ao da moda e ao publicitário.

A verdade é que, como criativa em constante relação com o universo fashion, seja por ossos do ofício, seja mesmo por vício, não sou fashionista, nunca quis ser estilista e de ser blogueira não tenho a menor ambição. Nem pra fazer selfie de #lookdodia tenho envergadura. Eu gosto, sim, de quem gosta de fazer o corpo todo falar por meio da vestimenta. Da gentileza de gente que usa o figurino pra participar da encenação da rotina. Da capacidade de se revelar mais humano através do pano que cobre a pele. E é aí que entra a publicitária de volta nessa trama.

Vivi Pepe é diretora de criação da unidade da WMcCann no Rio