Divulgação

Eu me esforcei muito para deixar essa coluna bem ruim.

Deixa eu explicar. Há anos eu pesquiso o que há de pior na música e na propaganda. Quando tentam fazer algo bom e acaba ficando muito, muito ruim.

Um comercial bizarro, uma nota desafinada, um acting absolutamente horrendo. Amo muito tudo isso.

Porque tão difícil quanto chegar numa peça brilhante, é chegar numa peça tosca. E isso é foda.

O tosco não pede desculpas. É original, imperfeito, impossível ficar indiferente. E é onde busco minha inspiração.

Já tive dois blogs no assunto, colecionei arte tosca, e o meu playslist de música ruim me rendeu até o meu emprego na Ogilvy. (Pergunte ao Anselmo Ramos. E, só pra constar, a minha pasta não era tão ruim assim).

Portanto, como inspiração, segue uma lista de algumas pérolas que já me deparei na minha busca pelo que há de pior por aí:

Shittyfluting – Shittyfluting é a arte de fazer um cover de uma música num instrumento que você mal sabe tocar, nesse caso, a flauta doce. E mesmo que soubesse, nada fica bom na flauta doce. Destaque para We are the Champions e 20th Century Fox.

Sonia Rocha e Ednaldo Pereira – Dois gênios da MTB (musica tosca brasileira). A habilidade de Sonia de não acertar uma nota sequer e a métrica do Ednaldo deveriam ser estudados por acadêmicos de música no mundo afora.

Romero Britto – Não o artista. Mas todos os artistas que imitam o Romero Britto. A ironia dupla do tosco imitando o tosco é incrível.

Dollyinho – Antes de ser cool. Já pensou que alguém, um dia, apresentou esse personagem para o cliente e o cara comprou? Que visão!

Kenny G. – Elevadores e salas de espera nunca serão as mesmas depois dele. Ele praticamente criou o próprio gênero de música. Kenny não toca sax. Kenny faz amor ao sax.

Stallone Cobra, dublado – Realmente não se fazem mais dublagens como antigamente. (“você é um cocô”)

Mearim Motos – Uma pequena concessionária de motos do Amapá criou uma campanha usando o que só pode ser descrito como o pior cosplay do mundo. Vale assistir.

Inri Cristo e as Inrizetes – Não basta ser um maluco vestido de Jesus. Tem de ser um maluco vestido de Jesus e ter as suas discípulas fazendo covers bizarros de músicas famosas. Sou devoto.

Memes – Fonte Impact branca com borda preta. É exatamente tudo que a gente aprendeu a não fazer. E fica foda. Queria que todo print fosse assim.

Comic Sans – Nenhuma fonte tem o poder de desvalorizar o texto tanto quanto essa. Adivinha o que eu usei pra escrever essa matéria?

Sonic 2000 – Esse comercial da Teleshop é um clássico. Você mesmo acha que ninguém usou esse troço para ouvir a conversa de terceiros?

Pochete – Se for rosa, melhor. Se for da Company, não tire nunca.

Banda Yahoo – Versões brasileiras de músicas internacionais são geniais. E você, com certeza, conhece a letra. (Obrigado, Gui Camargos)

Birds with arms – Prova que Deus errou quando fez os pássaros. Obrigado, internet.

Mas, independentemente da referência, o que dá pra tirar de toda essa tosqueira? Primeiro, coragem. Não tem talento, beleza, habilidade, bom senso, se mancol, ou um mínimo de senso de realidade? Dane-se. Pura originalidade. São todas peças únicas, não dá pra replicar. Como dizia o proverbio chinês que acabei de inventar. “nenhum vaso quebra igual”. Falta de intenção. Como quase tudo que é brilhante, o tosco é acidental, um conjunto de fatores e circunstâncias. Não adianta forçar e tentar fazer ruim. (Até porque se tentasse não ficaria tão ruim assim). Quem já sentou pra “pensar em prêmio” sabe do que estou falando.

E, por fim, fazem a gente rir. Quando que as pessoas começaram a se levar tão a sério? Um pouco de foda-se é bom de vez em quando. Assim como a criatividade, a capacidade de tosqueira das pessoas é sem fim.

Tenho certeza que existem coisas muito mais toscas do que essas que eu listei.

Então, na próxima vez que procurar inspiração e não encontrar, não esqueça de olhar no fundo do poço. Ele é mais fundo do que você pensa.

E lembre-se que não importa quão ruim você acha que é, sempre vai ter alguém muito, mas muito pior que você.

Como nunca disse David Ogilvy, “Não adianta ser ruim. Tem de ser muito muito muito muito muito ruim.”

Rafael Donato é vice-presidente de criação da David