Filipe Cubero/Divulgação

Avenida Paulista. Essa foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando me perguntaram sobre inspiração.

Claro, poderia falar de alguns dos milhares de filmes que já assisti. O último, por exemplo: Truman. Um filme imperdível – nem que seja apenas para ver um ator ser capaz de fazer sombra ao grande Ricardo Darín. No caso, falo de um ator espanhol chamado Javier Cámara.

Ou poderia falar de qualquer livro de Stephen King, o mestre em contar histórias absurdas de forma absolutamente plausível.

Cujo, o cão raivoso? Sim, plausível.
Christine, um carro assassino? Claro, plausível.

Poderia ainda voltar no tempo e citar algumas letras do The Who, minha banda de cabeceira – todas elas criadas pelo gênio Pete Townshend.

Mas não. A primeira coisa que lembrei ao ouvir a palavra inspiração foi Avenida Paulista. Explico: um amigo, jornalista e escritor, me contou um truque que usava durante o processo de criação de um livro. Ele sentava-se aleatoriamente em praças e cafés e observava as pessoas. E tentava descobrir as histórias por trás de cada pessoa observada.

Após algum tempo, a “história” mais interessante fazia com que ele, o escritor, seguisse a pessoa por quase todo o dia – claro, sem ser notado. Acompanhava os passos, os lugares, os encontros dessa pessoa, sempre mantendo uma segura distância. Apenas para aprender com ela, viajar em sua vida cotidiana.

Claro, nunca cheguei a tanto. Mas confesso que morri de inveja desse amigo escritor. Porque não foram poucas as vezes que fiquei andando por ruas e praças apenas pelo prazer de observar as pessoas. E tentar descobrir as histórias que existem por trás de cada uma delas, tentar captar seus sentimentos e adivinhar suas angústias.

Alê Oliveira

De todos os lugares em que fiz isso, aqui ou no exterior, um deles é especial para mim: a Avenida Paulista. Um verdadeiro livro de antropologia a céu aberto. Um grande estudo de sociologia, ali, na minha frente.

São milhares de “dados” desfilando pelas calçadas. “Dados” a serem arquivados na memória e um dia utilizados para um insight ou uma campanha.

Por exemplo: aquela velhinha, sentada na galeria do Conjunto Nacional, vestindo um elegante casaco de lã xadrez, com cheiro de armário. Quem ela está esperando? Seria o filho, que nunca aparece?

Aquele casal de garotas, andando pela calçada de mãos dadas, apaixonadas. E aliviadas, sem se preocupar com algum idiota de plantão, o tipo de idiota que existe aos montes em seu bairro distante – inclusive dentro de suas famílias.

Aquele velho lutador de boxe, um brasileiro duas vezes campeão mundial, atravessando ao meu lado a Paulista no cruzamento com a Augusta, atordoado com a multidão que passa por ele sem sequer o reconhecer. O que passa pela cabeça confusa desse senhor, uma das maiores glórias do seu esporte?

O rapaz tocando sax no primeiro degrau da escadaria do Gazeta, lançando notas ao ar, como bolhas de sabão. Onde ele teria aprendido a tocar dessa forma tão sublime? E por que um sax? Se fosse um violão, será que seu chapéu ali na calçada não teria mais dinheiro?

Vejo tudo isso andando, imaginando.

Caminho por entre essas histórias. Sento a uma mesinha na calçada. Tomo café com cada um desses personagens, mesmo sem eles perceberem. E sorrio. Porque, para mim, a vida real é sempre mais criativa e apaixonante do que a ficção.

Mario D’Andrea é presidente e CCO da Dentsu