Este texto começa como qualquer outro trabalho: uma folha em branco e um frio na barriga. Sensação terrível, inquietante e diária na vida de qualquer profissional de criação. Talvez isso seja o que mais nos move. O receio da vergonha e da derrota é provavelmente o combustível mais cruel, e menos nobre, que me motiva a buscar novas ideias, novas soluções, novos caminhos. Por isso pensei em considerar esse pavor do iminente fracasso como o tema deste texto. Mas isso não é inspiração. Isso é medo.
Então, começo a pensar em trabalhos que me inspiram. E são muitos. Se tem uma coisa que a propaganda faz com você é te provar que tem muita gente fazendo bons trabalhos por aí. Eles estão longe de ser maioria, mas, quando você menos esperar, vai ver que alguém chegou num insight, numa ideia, numa execução que, Deus do céu, por que você não pensou nisso antes?
E isso é só o começo. E aquele clipe, aquela série fotográfica, aquele layout, aquela trilha? Coisas que ficariam perfeitas e fariam toda a diferença num job que estava na sua mesa exatamente ontem. Isso também me empurra. É como ir a uma festa, ver os outros se divertindo e pensar: “Eu é que não vou ficar aqui sentado”. Com certeza, ver trabalhos que você gostaria de ter feito é uma grande fonte de inspiração.
Mas não… isso não é inspiração. Isso é inveja mesmo. E se inspiração for mesmo aquele elemento mágico, aquele click? A inspiração do artista, a epifania, a “eureka”? Do jeito que seus amigos imaginam, do jeito que até mesmo outras pessoas na agência às vezes falam. Não, isso não existe. Em minha humilde opinião, as ideias são fruto de suor e tempo investido.
Para as ideias nascerem é preciso dedicação, repertório, insistência. E tudo isso leva tempo. Para quem tem a propaganda como ofício, de nada serve a melhor ideia do mundo se o prazo já era. E, para a ideia sair no tempo certo, é preciso método, não apenas talento. Enfim, eu acredito que aquela ideia que apareceu no meio do banho não veio de um momento único da conjunção de astros, portanto isso também não é inspiração. Isso é simplesmente trabalho.
Então, talvez a inspiração venha de outras pessoas, por que não? Existem muitos que eu admiro pelas mais diversas razões. A começar por Marcel Bleustein-Blanchet, fundador da Publicis. Com uma trajetória épica, ele fundou a primeira agência de propaganda da França. Lutou contra os nazistas na II Guerra, teve seus negócios confiscados, mas voltou ao trabalho anos depois. Mais tarde, viu sua agência arder em chamas e construiu tudo novamente. Uma história de insistência e de mudanças como poucas que já vi.
Também posso lembrar de Ed Catmull, presidente da Pixar, contando quantas vezes se desesperou ao acompanhar prévias horríveis daqueles que viriam a se tornar os maiores sucessos de animação do cinema. Foi preciso mudar processos, às vezes trocar o time, criar um jeito novo de trabalhar. Talvez, de fato, pessoas como eles me inspirem. Mas falando assim, parece-me meio frio, calculado. Isso tá mais pra admiração, respeito, não inspiração.
Chego à conclusão que, para mim, inspiração é aquilo que acontece na hora, sem perceber. Não dá tempo de formular, é um arrepio. Inspiração não se pensa. É curta, breve, volátil. Inspiração é aquele silêncio quando o filme no cinema acaba. É puxar o ar nos pulmões e, por alguns segundos, sentir ele preso em você. É o desconhecido. Inspiração é uma vontade descontrolada de sair correndo pra fazer algo que você nem sabe o que é. Mas saiba que, em algum momento, essa energia toda estará sendo usada para tentar fazer alguém sentir exatamente isso. Aí, sim, é possível entender o que é inspiração.
Kevin Zung é diretor–executivo de criação da Publicis Brasil