Um consumidor com a atenção dividida entre muitas telas está levando operadoras de televisão a pensar em soluções para dar a ele o poder de escolha sobre o que assistir, na hora em que desejar e, assim, mantê-lo como um cliente de TV. Depois de décadas acostumado a uma grade montada pelas grandes emissoras de TV aberta, o telespectador tem agora serviços que o permitem rever atrações perdidas, gravar o conteúdo da novela e, de fato, escolher quando deseja ver um programa específico.
Na base das operadoras que oferecem serviços chamados over-the-top, que permitem maior interatividade e controle por parte do usuário, os números mostram o interesse pelas soluções. Entre os assinantes da GVT, que oferece plataforma mista entre grade linear e não linear – além de acesso ao YouTube, a streaming de música e a redes sociais –, 66% dos seus assinantes acessam o site de vídeos pelo GVT TV e 42% utilizam o serviço de música regularmente. Por mês, são 45 milhões de vídeos por streaming, segundo dados do Teletime.
O número de clientes da operadora cresce mês a mês, desde que lançou comercialmente seu serviço por assinatura, em janeiro de 2012. Hoje, a empresa tem 468 mil usuários de TV no Brasil – exceto na região Norte e na capital paulista, onde não tem rede instalada. Estimativa da consultoria Frost & Sullivan é de que a operadora deva alcançar um milhão de assinantes até o fim do ano. Oferecer os serviços chamados over-the-top ainda é uma opção pouco rentável no momento, mas prepara o terreno dessas companhias para um futuro não tão distante, analisa Renato Pasquini, gerente de telecom da consultoria para a América Latina. “Esses são serviços com baixa receita ainda, mas ajudarão prestadoras a se diferenciarem”, pondera.
Previsão da consultoria aponta que, em 2017, 35% da receita da TV por assinatura será composta por serviços não lineares – ou seja, aqueles escolhidos pelo telespectador. “Pela história da nossa TV, de ter uma programação montada, o cliente é passivo. Mas há diversas iniciativas recentes de oferecer a ele um maior controle sobre a programação. Com o aumento da oferta de produtos, vinculada à melhoria da nossa banda larga, com grandes investimentos de todas as empresas do setor, há o mundo da internet com série de serviços”, afirma Fábio Freire, gerente sênior de marketing do setor de TV por assinatura da GVT.
Em dezembro do ano passado, foi a vez da Oi lançar o seu serviço de TV por assinatura via protocolo de internet. O produto só está disponível na cidade do Rio de Janeiro e, em breve, será levado para Belo Horizonte. Em seu pacote, há opções como o Outra Vez, que permite ao assinante assistir a um programa até sete dias depois de sua transmissão, além de gravar o conteúdo que deseja para ver depois. “A grade linear continua sendo o método de assistir televisão mais comum no mundo. Mas novas formas de interagir com a programação e a possibilidade de acessar o conteúdo na hora em que quiser, como o sob demanda, completa a forma de assistir televisão”, analisa Marco Dyodi, diretor de fibra da Oi.
Para Flavio Ferrari, ex-CEO do Ibope Media e hoje sócio da recém-lançada Qual Canal, que mede a audiência casada de TV e de redes sociais, o modelo de grade ainda é valioso e durará por um bom tempo. “Ninguém quer apertar botão e construir programação”, afirma. “O conceito de grade é ultrapassado, mas é o que permite a inclusão de ser ouvido na rede, de ter todas as pessoas assistindo a um mesmo programa e falando sobre ele”.
Multitela
Consumidores ligados em muitas telas levaram a Sony a lançar, no ano passado, um serviço gratuito, o Crackle, para que as pessoas possam assistir a filmes de qualquer dispositivo. As produções podem ser vistas no smartphone, tablet, na TV conectada, no computador ou no Playstation 3, um dos produtos da Sony, e o serviço é rentabilizado com publicidade. “O comportamento do consumidor está gerando mudanças. Há um novo modelo de negócio. A sala de estar hoje é qualquer lugar. Os hábitos do consumidor multitarefa está mudando as coisas”, afirma Jose Rivera-Font, vice-presidente de Digital Networks da Sony para Brasil e América Latina. O serviço está disponível nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e em 18 países da América Latina, onde a empresa tem 3,2 milhões de usuários. Só o Brasil representa mais da metade desse volume, 1,5 milhão. Entre os anunciantes estão Visa, Samsung, BMW, Correios e Heineken.
A Sony estima que, atualmente, 25% de todo o tráfego da internet passa por conteúdo roubado. A empresa não revela dados oficiais, mas considera que dezenas de milhões de dólares sejam ganhos por companhias que se aproveitam desse tráfego ilegal. Com o seu serviço gratuito de filmes disponível em qualquer tela, ela acredita que pode arregimentar essa audiência para a sua plataforma “grátis e segura”. “Oferecemos conteúdo de qualidade, monetizando com publicidade feita por grandes marcas. É um jogo onde todos ganham”, aponta.
E é lucrativo? “É extremamente lucrativo pela escala do negócio. As pessoas consomem muito conteúdo pirata e há milhões de dólares sendo gerados nesse mercado paralelo”, analisa. O objetivo da empresa é aumentar o número de usuários que acessam sua plataforma, ao mesmo tempo que negocia com grandes estúdios novos títulos para sua biblioteca, hoje com 200 filmes. “Estamos construindo um mercado”, explica Font. “Vamos encontrar mais tráfego. Estamos indo muito bem”, garante.
Web e TV
O consumidor está menos atento a um meio específico, mas nunca consumiu tanta mídia como agora. Pesquisa do Terra em parceria com o Instituto Ipsos, divulgada na semana passada, mostra que o consumo de web e televisão acontece simultaneamente – e não se canibalizam, como a indústria já considerou no passado. O levantamento mostra que, no Brasil, 63% dos telespectadores estão navegando na internet enquanto assistem TV. Quando perguntados sobre qual era o meio que detinha sua atenção, metade dos entrevistados revelou estar atento aos dois. O levantamento foi realizado no final do ano passado com 6,6 mil entrevistas online na América Latina e divulgado durante o Congresso TV 2.0, realizado na semana passada, em São Paulo.
De acordo com Marcelo Coutinho, diretor de inteligência de mercado do Terra, o foco da indústria deve ser em como tirar oportunidade do bolo de audiência. “O desafio agora é conseguir identificar corretamente o share de atenção e de disseminação de cada tela”, apontou. “A atenção virou o recurso mais escasso da economia contemporânea e isso é um problema para a indústria que construiu seu negócio na venda de atenção das pessoas a uma grade horária”, concluiu.