O homem é por natureza um animal político dotado de razão e poder de discurso. A máxima de Aristóteles também se aplica ao brasileiro, sobretudo, em tempos de redes sociais. Levantamento do Facebook feito em abril deste ano sobre engajamento cívico revelou que mais de 64 milhões de pessoas geraram quase um bilhão de interações sobre assuntos ligados a política no Brasil durante o mês. Tema como saúde, por exemplo, rendeu mais de 96 milhões de comentários, curtidas e compartilhamentos. Já educação, quase 120 milhões. Segurança encabeça o ranking, com mais de 260 milhões de interações.
Às vésperas das eleições que definirão, entre outros governantes, o próximo presidente, em 7 de outubro, os dados são bons indicadores para candidatos que pensam ampliar o seu alcance por meio de comunicação na internet. Pela primeira vez na história política brasileira, as campanhas eleitorais poderão ser feitas também nas redes sociais, via impulsionamento de conteúdo.
Facebook e Instagram disponibilizarão formatos pagos e gratuitos, enquanto o Google e outros serviços de buscas, como o Bing e o Yahoo, poderão oferecer serviço de compra de palavras-chave para que as propagandas dos candidatos tenham prioridade nos resultados de buscas da companhia.
As novidades colocam em prática as alterações promovidas pela Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017, que modifica radicalmente o marketing político na internet. As mudanças tiveram como base a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas eleitorais no país.
Em seu site oficial, a Justiça Eleitoral ressalta que a cada eleição amplia as possibilidades de uso das plataformas digitais para divulgação de candidatos, partidos e campanhas, e com a crescente popularização das mídias sociais, as campanhas online tendem a ser cada vez mais decisivas. Ciente dessa responsabilidade, sobretudo, diante de recentes escândalos envolvendo vazamentos de dados privados de usuários e possível envolvimento com a disseminação de notícias falsas, que podem ter contribuído para a eleição de Donald Trump como presidente nos Estados Unidos, em 2016, o Facebook tem reforçado o discurso de transparência.
Durante evento na semana passada, em São Paulo, anunciou alguns produtos disponíveis aos candidatos para que impulsionem o seu conteúdo, bem como políticas que prometem, se não eliminar ruídos, ao menos tornar o processo de compartilhamento de informações na rede mais transparente e confiável. Também foi anunciada a abertura da “caixa-preta” das campanhas políticas, com um recurso que reúne por sete anos todas as campanhas veiculadas em páginas de personalidades políticas. Esse histórico trará a qualquer cidadão o detalhamento de valor investido e informações demográficas do público alcançado com a campanha.
“Somos 125 milhões de brasileiros ativos mensalmente na plataforma, dos quais 120 milhões acessam via dispositivo móvel. Diante desses números, podemos pensar no Facebook como uma grande praça pública virtual”, destaca Deborah Delbart, gerente da área de políticas públicas do Facebook Brasil. “As pessoas também estão com a gente para falar sobre assuntos cívicos e políticos. O nosso objetivo principal para as eleições é tornar mais fácil as pessoas serem ouvidas e ao mesmo tempo tornar mais difícil qualquer forma de interferência”.
Eleitor no centro
Com as novas resoluções sobre propaganda na internet, uma série de mudanças estarão previstas aos candidatos. A ideia é que o alcance das redes sociais faça com que as propostas dos políticos sejam conhecidas por mais pessoas. Nesse sentido, a transparência passa a ser requisito principal. Fica liberada, então, a campanha paga nas mídias sociais a partir do próximo dia 16 de agosto, contanto que seja feita apenas por candidatos, partidos e coligações, bem como seus representantes. Também é exigência que as campanhas sejam identificadas como tal, a fim de não gerar confusão ao eleitor. Vale lembrar ainda que esse impulsionamento deve ter somente a finalidade de promoção ou benefício dos próprios candidatos ou suas agremiações. Ou seja, fica proibido o uso de pagamento para propagandas que tenham objetivo denegrir a imagem de outros concorrente. A multa para o descumprimento de qualquer uma das exigências vai de R$ 5 mil a 30 mil, dependendo do caso.
Com tantos detalhes, os profissionais envolvidos em campanhas no digital devem estar atentos. O Facebook, por exemplo, anunciou que vai disponibilizar o recurso que identifica anúncios como propaganda eleitoral política, como pede a Justiça Eleitoral, porém o formato é opcional, ou seja, a plataforma não vai bloquear propagandas que não estejam dentro da lei. Caberá ao candidato o conhecimento do que é permido, bem como seu cumprimento. O mesmo serviço também estará disponível no Instagram, rede social que pertence ao Facebook.
Outra informação sensível que deve ser observada é que, a exemplo do que ocorre na propaganda eleitoral fora da internet, é considerado crime eleitoral a publicidade online inserida ou o seu impulsionamento na data da eleição (7 de outubro). A lei, entretanto, estabelece que podem permanecer online os impulsionamentos e os conteúdos já contratados antes dessa data.
A fiscalização da atividade dos candidatos em ambiente digital segue sob responsabilidade dos tribunais regionais eleitorais sob coordenação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Denúncias sobre possíveis excessos devem ser encaminhadas aos órgãos, que atuarão em parceria com a Polícia Federal para apurar principalmente em questões ligadas a perfis falsos, robôs e a disseminação de fake news. “A Justiça Eleitoral está preparada para esse monitoramento. Essa área tem olhado com afinco para a tecnologia e, em conjunto com as polícias, haverá investigação eletrônica eficaz. A própria Polícia Federal tem uma área especializada em crimes eletrônicos, então pode contribuir muito nesse novo cenário”, ressalta Rodrigo Rebouças, coordenador do Insper Direito.
Diante dessas diversas especificações, entidades do setor de propaganda e marketing digital têm se organizado a fim de oferecer informações e treinamentos aos profissionais da área, não só na parte técnica, mas também em questões éticas. Em junho deste ano a Associação Brasileira dos Agentes Digitais (Abradi) lançou seu Código de Conduta Para Agentes Digitais em Campanhas Eleitorais. O documento traz recomendações, sobretudo sobre transparência e sigilo de dados, além de atenção para a disseminação de fotos, declarações ou dados falsos, bem como o uso de perfis falsos. Mais recentemente, o IAB, em parceria com a Patri Affairs, também trouxe o guia Novas Diretrizes para a Propaganda Eleitoral na Internet, destrinchando os principais pontos da nova legislação. Segundo Cris Camargo, diretora-executiva da entidade, o IAB tem globalmente a missão de desenvolver o senso crítico do mercado por meio da promoção de boas práticas, principalmente em determinadas sazonalidades. “Acompanhamos essas datas sazonais por causa do movimento acentuado de campanhas. No caso das eleições, essa publicidade passará por impulsionamento de conteúdo, e nossa preocupação não é opinar, nem fazer juizo de valor, mas fazer com que os profissionais envolvidos saibam o que é publicidade digital, que ele entenda qual deve ser o target adequado, que ele invista o dinheiro justo e seja transparente”.
Fake news
Ponto sensível na internet globalmente, a disseminação de notícias falsas ganhou tópico específico na nova legislação. Durante Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que aprovou dez resoluções sobre as regras das Eleições de 2018, em dezembro passado, o ministro Luiz Fux, atual presidente do TSE, destacou a necessidade de a Justiça Eleitoral coibir “comportamentos deletérios, ilegítimos, de players que se valem da ambiência da internet e de suas principais plataformas de acesso e de conteúdo para violentar a legitimidade das eleições e a higidez do prélio eleitoral, mediante a utitização de fake news”.
Nesse sentido, as plataformas de tecnologia têm assumido parte da responsabilidade, com novas políticas e parcerias com agências de fact checking. O Facebook, por exemplo, atua com a Lupa, Aos Fatos e France Presse. Identificado que o conteúdo é falso, o Facebook informa os usuários que tentarem compartilhar a notícia que se trata de algo inverídico e reduz o alcance do conteúdo em até 80%. Maira Carvalho, gerente de parcerias para notícias do Facebook Brasil, explica por que o conteúdo não é excluído totalmente da plataforma; “A gente trabalha com agências de checagem porque entendemos que o papel do Facebook não é fazer esse discernimento, produzir conteúdo ou avaliá-lo. Ninguém espera e nem gostaria que o Facbook fosse quem diz o que é certo ou errado, então para isso a gente faz parcerias com agências certificadas pela Poynter”.
O Twitter, que não fornecerá formatos de propaganda eleitoral, informa que o tema eleições tem grande relevância para seus usuários e, nesse sentido, criou um canal que funcionará durante o período eleitoral para recebimento de eventuais ofícios da Justiça Eleitoral. Também tem reforçado o desenvolvimento de ferramentas de ‘machine learning’ que identificam e agem automaticamente em redes de contas automatizadas mal-intencionadas e/ou que disseminam spam.
Mídia tradicional
Fora da internet, a campanha eleitoral segue com poucas mudanças. A partir de 31 de agosto terá início o Horário Eleitoral Gratuito no rádio e na televisão, até 4 de outubro. Em caso de segundo turno, os candidatos terão menos tempo. Antes tinham dois blocos diários de 20 minutos para cada eleição (presidente da República e governador), mas agora passam a apenas dez minutos por bloco. Também continua a proibição de efeitos especiais tais como montagens, edições, desenhos animados e efeitos de computação gráfica.
Os candidatos também devem ficar atentos às restrições para ações com o público nas ruas. Pela resolução, só serão permitidos carros de som e trios elétricos menores em carreatas, além de caminhadas e passeatas, reuniões ou comícios. A propaganda por outdoors continua proibida. Será possível o uso de bandeiras e mesas para distribuição de material de campanha, desde que sejam móveis e não atrapalhem os pedestres nem interfiram no trânsito.
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