No Cannes Lions 2018, o Festival Internacional de Criatividade, falou-se muito sobre tecnologia. Blockchain, Inteligência Artificial (AI), machine learning, Realidade Virtual (VR), Realidade Aumentada, High Performance Computing (HCP), entre tantos outros termos. No Innovation Stage uma palestra em especial me chamou a atenção: “Alexa, what is creativity?”, ministrada pela Alicia Hatch, da Deloitte Digital; e Anthony Reeves, da Amazon. Na apresentação, eles compartilharam a experiência feita com dois grupos de criativos – um recebendo um briefing padrão de agência e outro grupo trabalhando a partir de um briefing criado por inteligência artificial. O grupo criativo que trabalhou a partir do briefing AI teve maior número e diversidade de ideias, aumento de aproximadamente 57%. É um número que não pode passar em branco.
O assunto Tecnologia x Criatividade permeou diversos palcos do festival e em todas as palestras houve um certo consenso, de que o lado humano ainda é o fator decisivo – e que nós humanos ainda não somos obsoletos, muito pelo contrário. Diante de um cenário em que vemos cada vez mais pessoas interagindo com plataformas em que não podemos comprar mídia, diante da falta de confiança dos consumidores, contamos com a tecnologia para aumentar as performances e diminuir as margens de erro. Porém, errar é humano. E se o fator humano ainda é o diferencial, aqui se revela uma dissonância.
Na palestra “Technology is at the heart of Beauty”, fiquei encantada com a paixão de Lubomira Rochet, Chief Digital Officer da L’Oreal. Uma pessoa que tem uma função totalmente associada à tecnologia, falando com tamanho entusiasmo, sobre realidade aumentada e tantos outros assuntos que parecem grego, e destacando o quanto essas tecnologias faziam diferença na vida das pessoas.
“Test and learn, test and learn”, disse Lubomira. “Teste e aprenda”. Um método bastante humano, por assim dizer. Porque, no fim, é sobre pessoas! E não apenas sobre as pessoas/consumidores. É sobre as pessoas que compõem as empresas, que cuidam e gerenciam marcas. Pessoas entusiasmadas, com propósitos maiores, apaixonadas. E que transferem esses valores para as marcas em que trabalham.
“Taking Risks and Building Brands” contou com a participação de Stephanie McMahon, Chief Brand Officer da WWE (World Wrestling Entertainment), que falou sobre a importância de errar, de como assumir os erros e aprender com eles fez diferença em sua vida. E para quem não sabe, Stephanie chegou a ser uma lutadora do WWE. Toda essa força se manifestou no palco – e não tenho dúvidas do quanto deve se transferir para a marca WWE.
Bozoma St. John, colega de palco, que deixou o Uber, recentemente, acrescentou sobre a importância de ser verdadeiro com você mesmo. É importante dizer não para tudo aquilo que não constrói sua marca.
Jane Wurwand, Co-Founder e Chief Visionary da Dermalogica, colocou: “Você conhece seu produto, você conhece a si mesmo”, e finalizou com o que costuma dizer em sua empresa: “Dermalogica, perfect for some, not for everyone”. O Gelato man Guido Martinetti, fundador da Grom, colega de palco de Jane, também se manifestou de forma semelhante: “O maior erro é não aprender com o erro”.
Já em outro palco, Antonio Lucio, Chief Marketing Officer at HP Inc., afirmou que todos falam do propósito das marcas, mas isso só acontece de fato quando a missão da companhia interage com os valores da sociedade.
E para minha surpresa, na palestra da Publicis, “Marcel. One Year Later: AI, Creativity and the future of our industry”, em que eu esperava uma grande revelação da tecnologia sobre o ser humano, Nick Law, Global Chief Creative Officer, foi visceral: “Somos muito difíceis de administrar, sintetizamos toda a dor e a agonia, toda a tristeza e inveja da criatividade. É o que fazemos, temos esse combustível humano. A razão porque um humano é criativo é por causa disso”. Uau!
Angela Ahrendts, Apple Senior Vice President, valorizou o legado. “Look back before you look forward”. “Technology married with humanities”, “humanize technology” foram frases frequentes em seu discurso. Na Apple, funcionários são contratados para enriquecer vidas, pois criatividade está no coração da ideia da marca. No futuro, só vão abrir lojas com tamanho suficiente para as atividades humanas, com espaço para interação e criatividade.
Finalizei o festival com chave de ouro assistindo à palestra da Patagonia, marca superativista e envolvida na defesa do meio ambiente, onde o Diretor de Marketing da Europa apresentou vários cases impressionantes (e radicais), como “Don’t Buy this Jacket” e “Worn Wear”, reforçando o profundo comprometimento da marca com seus propósitos. E enfatizou: “To DO well, you have TO DO something”.
Esse compromisso com a verdade e de admitir nossa fragilidade diante dos desafios, características que nos tornam humanos, foi o que mais me chamou a atenção no festival. Evidentemente, que a tecnologia existe e é uma ferramenta importante para o futuro de todos os tipos de negócios e serviços, mas a verdade, a capacidade de criar algo com propósito, relevante, diferente, que se conecta com as pessoas, ainda tem no material humano o grande diferencial. Simples, se não fôssemos humanos.
Grace Meurer é Head Design & Comunicação do GAD. Publicitária há mais de 20 anos, formada pela FAMECOS/PUCRS, com mestrado em Design Gráfico pela University of the Arts London, Camberwell College é responsável pela comunicação e ativação de marcas no Gad’. Já trabalhou na DCS e Ogilvy atendendo marcas como Claro, Olympikus, Azaleia, Tramontina, Stihl, Coca-Cola, Royal, Fila, Umbro, TryOn, Vivo, B3, entre outras.