Mas que porra, já estamos no Natal! Já escrevi na semana passada que Graças a Deus não preciso mais criar anúncios de Natal. Nem cartões. Mas continuo achando que é de bom tom escrever sobre a data magna da cristandade, como diziam antigamente. Então me permitam repetir uma linda historinha de Natal já publicada aqui na minha coluna há tempos. Poético, sentimental e esperançoso, como devem ser todos os contos de Natal. Ouçam. Mário Vianna foi um juiz de futebol, locutor esportivo e soldado da Polícia Especial. Era um brutamontes com alminha de criança. Imortalizou-se nas transmissões de futebol como crítico de arbitragem, utilizando um vocabulário que não devia chegar a 20 palavras. Mas foi responsável por bordões repetidos pelas ruas e identificados por todos os torcedores.
Entre eles, sua assinatura sonora: “Mário Vianna – com dois enes”. Como se vê, simples e criativo. Como juiz, foi responsável por histórias fantásticas, como o dia em que recusou uma escolta para sair do estádio onde os torcedores locais queriam linchá-lo, após uma derrota graças a um pênalti marcado nos últimos minutos da partida. “Vim dar proteção ao senhor da multidão lá fora”, disse um delegado de polícia se apresentando a Mário. “O senhor saia e vá lá para fora dar proteção à multidão – respondeu Mário Vianna – porque eu vou sair agora!” Outra vez ele parou um jogo numa cidade do interior porque a charanga do time local estava tocando alto demais (provavelmente mal demais).
Segundo a interpretação do árbitro, a música estava atrapalhando o bom andamento do espetáculo. O sargento da polícia o aconselhou a esquecer o assunto, já que o líder da corporação musical era um ferrabrás conhecido e temido na cidade, um tal de Zeca das Candongas. Mário saiu de campo, subiu até a bancada e perguntou: “quem é o senhor José?” Um armário imenso se apresentou, todo folgado: “Está falando com ele. Por quê?” Mário pegou o bombo, vestiu no tal Zeca, aproveitou e amassou a tuba com um murro e tranquilamente voltou para o campo, sob um silêncio de catedral. Mas, mesmo numa vida cheia de incríveis histórias, o episódio que mais me encanta é ligado ao Natal, por isso é o momento de relembrá-lo. Acontece que Mário Vianna morava na Urca, um bairro bastante bucólico do Rio de Janeiro, e no Natal costumava vestir-se de Papai Noel e percorrer as ruas do bairro, numa carroça puxada por um cavalinho, distribuindo presentes para as crianças.
Era uma tradição que Mário mantinha e o fazia de alma leve, cheia de amor. Imagine um enorme Papai Noel, numa carroça chinfrim com um cavalo esquálido andando pelas ruas. Um quadro que – dependendo do ponto de vista – poderíamos considerar poético ou engraçado. Pois bem, um dia Mário cumpria seu ritual, seguido por uma verdadeira multidão de crianças, quando passou por um botequim e lá de dentro ouviu-se um grito: “Ô palhaço!” Mário parou a carroça, desceu, foi até a porta e perguntou para dentro, isto é, para todo mundo e para ninguém: “Quem foi que gritou?” Diante do silêncio acovardado, berrou: “Quem foi o porra que me chamou de palhaço?” Evidentemente não houve macho suficiente para responder. Mário Vianna, então, encheu os pulmões e quase derrubou a espelunca com seu bordão radiofônico famoso “Sarrafoooo!”
E, em seguida, arrebentou o botequim, os fregueses, as mesinhas do lado de fora, a geladeira da Kibon e a máquina de chope.
Uma verdadeira festa, aplaudida com entusiasmo pelas crianças, inteiramente fascinadas por aquele Papai Noel muito menos babaca que o tio velho que elas estavam acostumadas a ver. Depois de consumada a destruição, Mário arrumou a roupa vermelha, ajeitou a barba e voltou para a carroça. Distribuindo lembrancinhas. Desejando a todos, com seu coração mais puro, um verdadeiramente feliz Natal.
Lula Vieira é sócio da Mesa Consultoria