As mulheres são maioria nos jogos eletrônicos. Quem diria! Uma atividade de entretenimento aparentemente masculina, mas, hoje, elas têm forte predominância no cenário. Apesar disso, sofrem preconceito (veja depoimentos nesta e nas próximas páginas). No entanto, continuam no “ringue”.

No mercado publicitário, quando perguntado se tem alguma gamer no ambiente de trabalho, elas aparecem em grande número. Em algumas agências dá até para formar time. Segundo a Pesquisa Game Brasil, 51,5% das mulheres jogam, contra 48,5% de homens. Essa presença, ainda conforme análise da PGB, está ligada ao tamanho do mercado de smartphones, cujas mulheres também dominam o pedaço.

Uma das conclusões do estudo é que o hábito de jogar games não tem relação com sexo do jogador, pois há mercado e produtos para todos os perfis. A PGB existe desde 2013 e é realizada em parceria com a Blend New Research, ESPM, Go Games e Snoux Group.

Gabriella Pimentel, diretora de arte da AlmapBBDO, afirma que sempre teve interesse por jogos eletrônicos. Segundo ela, quando ainda criança, o pai dela trabalhava com manutenção de computadores e, por isso, sempre teve “algum PC em casa”. “Sempre fui conectada com esse universo desde muito nova. Jogos eletrônicos, no geral, eram meu passatempo e minha janela favorita para diferentes narrativas”, comenta. Mas, ela declara que com o passar dos anos surgiram novos hobbies e o game “acabou se tornando menos frequente”. Agora no contexto pandêmico, ele voltou com tudo: na impossibilidade de sair de casa, mergulhando mais nesse universo.

“Já ouvi que jogos não são para meninas porque elas ‘amadurecem’ mais rápido. Essa frase carrega inúmeras problemáticas. Além de invalidar o game como um esporte para todas as idades, o amadurecimento mental da menina – sendo uma verdade ou não – não deve ser justificativa pra fazer com que o território gamer não seja pra ela. Muitas vezes essa afirmação faz com que uma potencial gamer seja perdida.” Gabriella Pimentel, diretora de arte da AlmapBBDO (Divulgação)

A PGB aponta que durante a pandemia houve mudança de comportamento dos gamers e 75,8% afirmaram ter jogado mais, por questão óbvia, no isolamento social.

A colega de Gabriella na Almap, Marília Buragosque Spigariol, que atua no planejamento estratégico da agência, também conta que começou a jogar “vendo o pai”. “Eu o via jogando e fui pegando gosto. A partir disso comecei a jogar no próprio videogame, no computador e até no celular”.

“Mais assustador do que estranho foi saber que tem muitas meninas que jogam com nicks masculinos, para não serem importunadas. Além disso, em diversas partidas de jogos online eu tive de manter o microfone desligado para poder jogar em paz, já que assim que surge uma voz feminina fica insuportável continuar a partida, pelas piadinhas e pelo assédio.” Marília Buragosque Spigariol, planejamento estratégico da AlmapBBDO (Divulgação)

Thaísa Miyahara, analista de conteúdo da CBA B+G, conta que é uma atividade solitária. “E especialmente ameaçadora para as que participam ativamente da comunidade e se declaram abertamente feministas”, fala ela quando ouve a pergunta como é estar ligada a um entretenimento basicamente masculino. Ela conta que “cursou brevemente uma formação em desenvolvimento de jogos e se sentia um alien”. “Era a única mulher na minha turma e sentia que eu não pertencia àquele lugar. É essa a sensação geral, seja de quem joga ou trabalha com isso; parece que você não deveria estar ali”.

“Acho que o caso que melhor representa a misoginia nesse meio é o GamerGate, uma polêmica surgida em 2014 que acabou se desdobrando em um enorme movimento de assédio online e propagação de ódio a mulheres, com nomes importantes da indústria recebendo ataques raivosos e até ameaças de morte. Hoje em dia o movimento é visto como um polo de resistência ao progressismo, diversidade e crítica social.” Thaísa Miyahara, analista de conteúdo da CBA B+G (Divulgação)

FAMÍLIA
Bruna Pastorini, diretora de planejamento e dados da Druid, também não fugiu à regra e fala que joga videogame desde criança por influência do pai. Para ela, num primeiro momento, a família tem esse papel de desconstruir o que é coisa de menino ou de menina, mas entende que essa ainda não é a realidade do Brasil. “Mas, além disso, o mais legal foi o que me fez voltar a jogar videogame. Depois de muito tempo longe dos games, voltei a jogar graças a Last of Us, que tem uma personagem feminina que é uma das protagonistas no jogo e, mais recentemente, vimos que ela é lésbica. Eu como mulher, gamer e lésbica, amei ter visto esse tipo de representatividade em um game”, confessa.

“Acredito que para transformar esse cenário, todos os atuantes desse universo têm o seu papel: as agências podem ressaltar em suas campanhas gamers a quantidade de diversidade que já existe nesse cenário: mulheres pro players incríveis, heroínas fantásticas dentro dos games (como em Valorant, LOL ou nas skins de Fortnite) e criadoras de conteúdo de peso.” Bruna Pastorini, Diretora de planejamento
e dados da Druid (Divulgação)

Já Fernanda Mosca, coordenadora de conteúdo da Execution, acredita que jogar videogame ou trabalhar com games deixou de ser uma atividade basicamente masculina. “Hoje, mulheres são uma parte considerável da comunidade gamer e diversas empresas do mercado têm profissionais mulheres atuando nos mais diversos cargos”, analisa.

Bruna também acredita que para transformar o cenário masculino dos games depende de todos os atuantes desse universo, cada um deve cumprir o seu papel: “as agências podem ressaltar em suas campanhas gamers a quantidade de diversidade que já existe nesse cenário: mulheres pro players incríveis, heroínas fantásticas dentro dos games (como em Valorant, LOL ou nas skins de Fortnite) e criadoras de conteúdo de peso”, afirma, acrescentando: “Elas precisam protagonizar as campanhas para levar as mulheres ao mainstream do cenário. Aliás, recentemente, a Druid criou para Buscofem, por exemplo, o projeto Todas as dores das gamers importam, em que patrocinamos o Valorant Game Changers e apadrinhamos influenciadoras gamers em nossa campanha”, conta.

Ela fala ainda de outro exemplo: “Foi a campanha de Mentos – Dá um Refresh no Game -, que ajudamos a mostrar para todos o refresh que já acontece no cenário, trazendo para a marca rostos femininos importantes do cenário gamer, como a Voltan, a Maellen e a Babi”.
Gabriella, da AlmapBBDO, fala que no contexto dos games online já sofreu preconceito por parte de outros participantes, porque jogos competitivos e coletivos são os mais desafiadores. “Não tive a felicidade ainda de encontrar um grupo fixo de mulheres para participar desse tipo de game e, a realidade não é exatamente a mais doce. Num contexto competitivo as ofensas e a rage são muito comuns e, infelizmente, o gênero ainda é visto como um problema. Ser mulher dentro de um jogo competitivo é um tipo de ofensa. Se a sua performance não está boa e você tiver um nickname feminino, ela é associada ao seu gênero da pior maneira possível. Mais de uma vez presenciei isso nos games que joguei este ano”, desabafa.

JOGO FÁCIL
Marília também lembra que sempre sofre preconceito. “Meu pai sempre me deixava jogar, mas quando falava sobre jogos com meninos na escola, por exemplo, era o clássico: ‘você deve jogar no fácil’ ou ‘isso não é jogo pra meninas’. Até hoje, principalmente quando falamos sobre jogos de tiro, surgem comentários com desdém, além do fato de acharem que as meninas só jogam para ‘impressionar os caras’”, diz.

Sandy Serrano, gaming creative na Cheil, declara que games, às vezes, são confundidos com atividade masculina por conta de fatores históricos.

“Há vários casos de mulheres que são perseguidas em transmissões ou têm sua experiência de jogo completamente arruinadas quando descobrem seu gênero. Além disso, no mercado de trabalho ainda há resistência em ver mulheres ocupando cargos relacionados aos games, sinto que, às vezes, somos subestimadas como se não tivéssemos capacidade de estar ali”. Sandy Serrano, gaming creative na Cheil

“Um deles é a história de que meninas devem cuidar de tarefas domésticas e brincar de bonecas, meninos podem se divertir e jogar videogame. Isso influencia diretamente em outro fator, que é essas meninas terem acesso aos jogos, o que foi meu caso”. Para ela, o interesse dela por videogame é muito grande e sempre assistia os amigos jogando, mas acreditava que esse mundo não pertencia a ela. “Por isso não jogava. Depois, mais velha, com 16 anos, ganhei um notebook em competição na escola e entrei no mundo de jogos. A minha paixão surgiu quando, num MOBA que jogava, lançaram a primeira personagem que tinha um corpo totalmente fora do padrão até então e me identifiquei muito. A partir disso comecei a pesquisar sobre as histórias do jogo e competições e foi quando percebi que trabalhar com isso era onde eu deveria estar”.

Paty Landim, gerente de projetos da Outplay, também começou a jogar em casa, com a família, para se divertir, se distrair, compartilhar momentos com a família e talvez, por isso, não via interesse sendo uma questão de gênero. “O fato é que o universo gamer tem um público majoritariamente masculino e talvez não seja apenas uma questão de interesse, mas sim de disponibilidade e de construção social, já que o videogame é um brinquedo oferecido geralmente para os meninos. Entretanto, lá em casa menina também brincava de game e foi assim que eu me interessei e comecei a jogar”.

“Já me xingaram, já saíram da partida quando perceberam que eu era uma ‘mina’ na jogada, já fui sexualidade in game, já passei por cada situação constrangedora, e algumas eu prefiro nem lembrar. E a coisa mais estranha que já ouvi foi: ‘Manda uma foto nua da sua boneca 3D’.” Paty Landim, gerente de projetos da Outplay (Divulgação)

INICIATIVAS
As gamers têm palpites do que deve ou não mudar nesse cenário. Gabriella Pimentel, por exemplo, sugere que devem ser criadas iniciativas que incluam mais mulheres nesse universo, bem como incentivar o desenvolvimento de novas e-atletas são um caminho. “Parece-me que educar os novos pais para olhar o game como profissão para a menina é imprescindível também. Do lado de cá, e dos desenvolvedores, a inclusão de mais mulheres gamers no mercado é importante para fomentar ideias pertinentes que tragam e reconheçam elas como parte desse universo, independentemente da idade. Afinal, o game também deve ser para elas”.

Para Marília Buragosque Spigariol, uma solução seria jogos com maior protagonismo feminino, com personagens fortes e corajosas, “não sensualizadas”. “Além disso, seria legal se as marcas dessem mais visibilidade para mulheres desse meio, como streamers e para o players mulheres, com patrocínio e campanhas com a cara delas”, comenta.

Já Sandy Serrano acredita que seja muito importante ter cada vez mais iniciativas de marcas e grandes nomes que incentivem a participação de mulheres no mundo dos jogos. “E isso não só em competições como também ter mulheres ocupando cargos elevados. A representatividade feminina é essencial”, afirma. Para ela, só a partir daí se pode suprir algumas necessidades, como a inspiração, “porque é nesse momento que outras mulheres olham para cima e vislumbram também poder um dia ocupar lugares assim. Ter mulheres nas equipes de criação também é outro fator importante, já que a pluralidade é indispensável para trazer diferentes pontos de vista à discussão de projetos e assim atender a necessidade de diferentes públicos”, contextualiza. Segundo Sandy, ter mulheres ativas na comunidade gamer faz com que outras mulheres se sintam confortáveis e pertencentes, crescendo cada vez mais o alcance dos games”.

Thaísa Miyahara vai além e afirma que, atualmente, o mercado de jogos abrange muito mais do que o típico estereótipo do gamer hardcore (homem, jovem, nerd). “E o mobile teve um papel fundamental na democratização e diversificação desse ambiente. Eu penso que a resposta está aí: na diversidade”. Para ela, o ideal é apostar num público que “vai do gamer hardcore à tia do zap”. “Criar jogos voltados para essas pessoas também, que são uma fatia de mercado que não pode mais ser ignorada: mulheres, pessoas mais velhas e LGBTQIA+. Especialmente neste momento em que o mercado deixa de ser um nicho e se torna uma atividade lucrativa para diversas marcas que queiram apostar na gamificação de suas experiências”.

Fernanda Mosca acredita que a mudança já está acontecendo, porque cada vez mais as mulheres estão ocupando espaço dentro da comunidade gamer, e dentro da indústria também. “Um passo importante é trocar o discurso de que ‘o ambiente gamer é feito para homens’ e entendermos que o ambiente gamer é feito para quem gostar e se interessar, e isso inclui mulheres também”, analisa.

Para Paty Landim a resposta é simples: “Deixem as meninas e mulheres jogarem, desenvolvam jogos, trabalhem com jogos, apenas deem oportunidade às mulheres e verão que somos capazes. Ao perceber uma menina na call ou jogando, apenas a respeite e a deixe jogar”, sugere.

Mesmo com muitas mulheres competindo, o preconceito ainda é latente nos cenários dos jogos eletrônicos. Gabriella Pimentel, por exemplo, fala que já ouviu que jogos não são para meninas porque elas “amadurecem” mais rápido. “Essa frase carrega inúmeras problemáticas. Além de invalidar o game como um esporte para todas as idades, o amadurecimento mental da menina – sendo uma verdade ou não – não deve ser justificativa para fazer com que o território gamer não seja para ela. Muitas vezes essa afirmação faz com que uma potencial gamer seja perdida”.

NICKS
Já Marília Buragosque Spigariol fala que mais do que estranho foi assustador saber que têm muitas meninas que jogam com nicks masculinos, para não serem importunadas. “Além disso, em diversas partidas de jogos online eu tive de manter o microfone desligado para poder jogar em paz, já que assim que surge uma voz feminina fica insuportável continuar a partida, pelas piadinhas e pelo assédio”, conta.

Thaísa Miyahara declara não se recordar de nenhuma situação em que tenha se sentido atingida, mas sempre joga majoritariamente single-players de consoles. “Então, não tive muito contato com o ambiente mais tóxico, que engloba principalmente MMOs (Massively Multiplayer Online) e streaming. Nesses ambientes, as situações de hostilidade às mulheres são abundantes, especialmente porque concentram um público não somente masculino, mas bastante retrógrado na visão sobre papéis de gênero e empoderamento feminino”, conclui.
Diferentemente de Thaísa, Paty Landim diz já ter enfrentado vários tipos de preconceito. “Já me xingaram, já saíram da partida quando perceberam que eu era uma ‘mina’ na jogada, já fui sexualidade in game, já passei por muita situação constrangedora, e algumas eu prefiro nem lembrar”, diz.

MARCAS
Os games, conforme dados da PGB, se relacionam principalmente com marcas de tênis, snacks e salgadinhos, cosméticos, APP carona e transporte, cartões de crédito, TVs, refrigerantes, automóveis, bancos, energéticos, telecomunicações e vestuário. Mas as marcas, em geral, ainda não têm estratégia definida para lidar com quem joga. Gabriella Pimentel fala que, no geral, conhece iniciativas dentro do universo de comunicação por trabalhar na área, mas ainda acha que “há muita coisa para ser explorada pelas marcas e com um investimento mais efetivo”.

Marília Buragosque Spigariol concorda com Gabriella e acrescenta que ainda falta mais frequência das marcas para impactar nesse ambiente. “Acho muito bom quando algumas marcas entram nos jogos, pois faz com que eu me sinta próxima daquela marca por estar no mesmo ‘ambiente’ que eu costumo estar virtualmente”, comenta.

Carolina Caravana, vice-presidente da Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos), e sócia e produtora da Aiyra, com sede em Niterói (RJ), fala que joga desde pequena e não imaginava ser possível trilhar carreira nessa área. Mas está aí, além de produtora, atua na organização que quer colocar ordem na casa. Quando questionada sobre quanto movimenta esse mercado, ela simplesmente responde: “Bilhões. É um mercado bilionário”. Os jogos no mobile, segundo o Sensor Tower, ao qual Carolina também se pauta, devem gerar US$ 89,6 bilhões este ano. E os gastos dos gamers com os jogos vão resultar em outros tantos bilhões. “O mobile trouxe isso para a gente. Tem uma grande base de celulares instalados. A digitalização influenciou e o brasileiro usa mais o celular. É como se tivéssemos uma base instalada de consoles”, compara.

Ela lembra ainda que a mulher usa muito o celular e a maioria das mulheres tem smartphones e, por isso, elas lideram nos jogos eletrônicos.

Mesmo em um mercado desse porte, os gamers afirmam que não se sentem representados na publicidade. Para Carolina, instituições e empresas têm mostrado grande interesse em estar junto aos gamers. “O jogo virou uma forma de comunicação. Por isso, desperta muito a atenção de muitas marcas”.

MERCADO BILIONÁRIO
Maíne Gurzoni, CBO & Growth da BBL – empresa one-stop-shop especializada em games e eSports, revela que o setor no Brasil movimentou em 2021 US$ 2,3 bilhões até setembro. O dado é da Newzoo, plataforma que ela diz utilizar para acompanhar o segmento. Ela revela ainda que esse montante aponta para um crescimento de 7% no comparativo ano a ano. “Desses US$ 2 bi, o mercado de mobile é responsável por quase 50% do faturamento. O mercado global é de aproximadamente US$ 180 bilhões em 2021. O Brasil hoje está em 10º lugar em revenue, em 5º lugar em número de jogadores e em 3º lugar em número de fãs de eSports. Somos uma das praças mais importantes do mundo para o setor”, diz Maíne.

Maíne Gurzoni, CBO & Growth da BBL (Divulgação)

E a pandemia favoreceu esse crescimento, sem dúvida nenhuma. Para Maíne, “os números dizem que sim”. “Em 2019 éramos 81,9 milhões de jogadores. Chegamos ao fim de 2021 com 92,4 milhões. O crescimento do ano de 2020 para 2021 foi na casa dos 2%. O faturamento em 2019 era de US$ 1,7 bilhão e chegamos a US$ 2,3 bilhões em 2021, com um crescimento de 7% no comparativo ao ano passado. Nós entendemos que a pandemia veio, sim, para fortalecer e impulsionar o crescimento do mercado, mas ainda existe muito mais por vir”, acredita.

Segundo a executiva, a tendência é crescer ainda mais, pois o mercado de games tem dois lados: o lado do hobby e o entretenimento doméstico, que foi potencializado e fortalecido pelo isolamento social, e o lado de eSports, que é muito parecido com os esportes tradicionais e foi prejudicado por conta do encerramento dos eventos presenciais. “Jogamos muito enquanto estivemos isolados em casa, e isso serviu para que alguns adquirissem uma nova paixão, para que outros se reconectassem com uma paixão antiga e os que sempre jogaram puderam reforçar a sua paixão”, analisa, acrescentando: “Esses hábitos não serão perdidos. Mais do que isso: com a reabertura, serão compartilhados e divididos. O retorno dos eventos e ações presenciais tem o potencial de impactar ainda mais o mercado, trazendo números ainda maiores de engajamento e de investimento. O mercado de gaming está só começando a florescer e a mostrar o seu verdadeiro potencial”.

Maíne conta que as marcas tem entendido cada vez mais o papel dos games como ferramenta de construção estratégica de posicionamento, veículo de comunicação, relacionamento e engajamento do seu público.

“Embora ainda estejamos nas primeiras fases desse relacionamento, o potencial do universo de games não pode e não deve ser ignorado nas estratégias dos anunciantes. Hoje conversamos com 92 milhões de pessoas no Brasil, uma boa parte delas que não consome anúncios e publicidade tradicional – são 92 milhões de potenciais consumidores com um passion point em comum que possuem números maiores do que os universos da música e do cinema, e um faturamento anual muitas vezes superior”, descreve.

Segundo ela, as marcas que entendem este momento têm iniciado seus primeiros passos, grandes ou pequenos, no diálogo com essa audiência. No entanto, é preciso entender as peculiaridades desse território: os games por muitos anos foram colocados como algo prejudicial para o desenvolvimento dos jovens e seus jogadores sofreram inúmeros preconceitos. “Por ser um passion point por muitos anos colocado para escanteio ou marginalizado acabou por gerar uma comunidade que é aberta e sedenta por diálogo com suas marcas favoritas, mas que ao mesmo tempo não perdoa aventuras oportunistas e campanhas fora de contexto. A frase ‘a internet não perdoa’ nasceu aqui. Por isso é importante, como publicitários e marqueteiros, sermos sempre verdadeiros”, cutuca.

Na visão dela, os gamers procuram nas marcas um player 2 – aquele amigo que vai sentar do lado deles, segurar o segundo controle e topar embarcar numa aventura. “Esse é o DNA do universo e já foi compreendido por diversas empresas que hoje lideram os principais movimentos e investimentos no território”.

Quando o assunto é a gamer, a executiva da BBL é taxativa: “As mulheres estão presentes desde o desenvolvimento, passando pela parte de produção e backstage até chegar nas jogadoras profissionais ou talentos, casters e influenciadoras, existem mulheres extremamente competentes. Os games nas gerações anteriores foram segmentados como um universo majoritariamente masculino, mas essa não é mais uma verdade, principalmente quando olhamos para os recortes das gerações Y e Z – tanto por uma mudança óbvia no cenário macrocultural e social, quanto pelo fato de termos cada vez mais pais e mães gamers, que rompem as barreiras dos estereótipos de gênero para deixarem seus filhos e filhas livres para curtirem o que quiserem. Cada vez fica mais claro que game também é lugar de mulher”, decreta.

DENÚNCIAS
A opinião de Mahara Zamban, data analyst da Hogarth Brasil, vai ao encontro, em parte, à de Maíne, pois ela afirma que a comunidade gamer deve ser vista como um todo, pois muitas mulheres também podem ter atitudes “de homem” e corroboram com o machismo que existe na área, sem saber que isso só as prejudica. “Existe um crescente apoio do cenário – vindo de empresas, patrocinadores, apresentadores, influenciadores e jogadores – que está ajudando a mudar essa visão, dando mais destaque às garotas e colocando-as em lugares de maior visibilidade, o que vem se apresentando extremamente positivo nesses últimos anos”.
Mahara lembra que a exposição e a denúncia de diversas mulheres em relação aos abusadores dentro do cenário também vem trazendo muito awareness para comportamentos antes vistos como normais ou de pouca importância, sendo agora também expostos até por homens e “apoiadores da causa”.

“Já ouvi de tudo, mas o que eu mais escutava era que eu fazia ‘Elojob’, ou seja, pagava alguém ‘bom’ para entrar e jogar na minha conta como se fosse eu, pois eu tinha um nível muito alto e não poderia realmente ter sido um mérito meu (inclusive, já usei diversas contas e ganhei uma boa grana com isso na época kkk).”
Mahara Zamban, data analyst da Hogarth Brasil (Divulgação)

“A resposta para essa pergunta é a mesma pra qualquer outra área dominada por homens (como a de TI, a política e os esportes), onde existe uma ideia de clubismo e camaradagens entre amigos somada a uma cultura extremamente machista, que não enxerga a mulher como um igual, fazendo com que ela seja vítima de ataques gratuitos sobre a sua capacidade e tendo sempre sua opinião posta em xeque somente pelo fato de ser uma mulher – assim como acontece com outras minorias”.

Para ela, é necessário normalizar a ideia de mulheres em jogos e de que mulheres possuem habilidades e competências iguais – e muitas vezes superiores – aos adversários homens, podendo produzir, criar e programar games tão bons quanto qualquer outro que hoje exista.

TIME
A RG/A é uma das agências que podem montar um time feminino de gamers. Entre tantas, três delas falam como é ser jogadora em um ambiente tão masculino e competitivo.
Daniele Masuda, analista de recrutamento e seleção júnior da R/GA, afirma que ser mulher no mundo dos games ainda é ter de lidar com muito preconceito, principalmente quando o assunto é jogos online.

“Acontece todo tipo de xingamento possível e, no geral, sempre que falamos que gostamos de jogar, escutamos: ‘Mas você não joga tão bem, né?’.” Daniele Masuda, analista de recrutamento e seleção Jr da R/GA (Divulgação)

“Só quem já jogou CS, LOL e Dota sabe o quanto as ofensas são explícitas e o quão tóxico pode ser para o público feminino. Porém, muita coisa está mudando, cada vez mais mulheres estão entrando no universo dos games e ganhando espaços importantes”.

No entanto, ela acredita que, com o aumento do número de mulheres nos games, aos poucos as coisas vão melhorando. “É óbvio que falta muito respeito e empatia do público masculino, mas quanto mais equilibrado o cenário fica, mais ele amadurece. Infelizmente, ainda existe uma ideia de que videogame é algo do universo masculino. Em propagandas dos anos 1990, por exemplo, nas peças publicitárias da Nintendo e Atari só haviam meninos, pois eram o público-alvo. Então meninas dessa geração não tiveram a oportunidade de acesso aos consoles e, por isso, o público feminino ainda é menor. Quanto mais acesso e oportunidade é dado à mulher, mais ela mostra que pode ser tão boa quanto qualquer pessoa do cenário”, argumenta Daniele.

Mariana Kuper, produtora sênior também da R/GA, diz sofrer preconceito porque os homens acham que a mulher não joga bem, não aceitam perder para as moças e, por isso, as xingam. “Basicamente, temos dois perfis de homens ao jogar com mulheres: os que xingam e os que assediam”. Para ela, a única saída é a educação.

“É muito comum ouvir ‘Make me a sandwich’ (‘vá fazer um lanche para mim’). Os americanos gritam bastante isso, além dos xingamentos usuais, como ‘volta para a cozinha’.” Mariana Kuper, produtora sênior da R/GA (Divulgação)

“Na minha opinião, a educação, a penalização e o incentivo são o caminho. Nos jogos, quando tento denunciar um usuário, machismo não é uma opção, ou seja, é como se as próprias desenvolvedoras de jogos não ligassem para esse problema, mesmo mulheres sendo uma grande parte das usuárias. Além disso, incentivar meninas a jogarem no online e ensinar os meninos a respeitarem as meninas é a solução. Eu sempre acreditei na educação”.
Nathalia Ehl, designer visual também da R/GA, afirma que constantemente enfrenta preconceito. Ela lembra que as plataformas têm canais de denúncia, porém nunca vê “nada acontecer”.

“Xingamentos durante o jogo, me diminuir, vir no privado me insultar acontece constantemente.” Nathalia Ehl, designer visual da R/GA (Divulgação)


“Algumas poucas empresas patrocinam ‘minas’ gamers, mas não vejo uma atitude genuína dessas companhias que querem investir nelas de verdade”. Segundo ela, as empresas também são machistas e os patrocínios são diferentes para homens e mulheres.

“Os valores são bem menores e os equipamentos de baixa qualidade. Acredito que dar mais evidência, mais voz para as mulheres, transformá-las em protagonistas, e acabar com a divisão entre campeonato masculino e feminino (sim, isso existe) seria um começo bem significativo”, sugere Nathalia.

Primeiro projeto de games da Heineken no mundo foi desenvolvido pela BBL com o objetivo de ativar a Heineken 0.0, patrocinadora global da Fórmula 1, tendo como premissa proporcionar experiência em todas as suas ações. A BBL desenvolveu junto com a marca o torneio virtual do jogo de Fórmula 1 2021 entre pilotos profissionais, influenciadores e fãs da marca, com superpalcos montados em diversos pontos da capital paulista, culminando na grande final em Interlagos no dia do GP. O projeto garantiu a imersão de diferentes públicos no universo dos gamers e contou ainda com a participação de diversas mulheres (foto). (Divulgação)