Nos últimos dias ganhou corpo, principalmente na web, o movimento “Yes, She Cannes – Queremos uma mina criativa no Young Lions 2018″. Em linha com a inquietação que hoje existe sobre a participação das mulheres nos diversos cargos e departamentos no mercado, a organização do Young  Lions publicou, na última terça-feira (5), uma nota com sugestões para melhorias do projeto nas próximas edições. Nesta quarta-feira (6), um novo comunicado sobre o assunto foi emitido, desta vez em nome do júri e criação da premiação no Brasil. 

Confira abaixo o texto na íntegra:

Nós, do júri de criação do Young Lions 2018, fomos contatados pelo movimento Yes, She Cannes, que busca financiar a ida de uma criativa ao Festival de Cannes como Young Lion, junto com a delegação brasileira. Para isso, pede que apontemos a mulher vencedora dentre as 5 finalistas da competição, para que seja reconhecida como Young Lion.

Primeiramente, gostaríamos de dizer que consideramos benéfico e necessário o aparecimento de iniciativas e questionamentos tão essenciais.

Dito isso, há de se levar em conta o seguinte ponto: como júri de uma competição, estamos regidos por um regulamento que é soberano a nós, que nos impede de revelar o nome da candidata mais bem colocada na classificação final, bem como não fica a nosso critério reconhecê-la oficialmente como Young Lion, algo que só poderia ser feito pela organização da competição.

Isso, por outro lado, não significa que nos eximimos da questão. Por isso, gostaríamos de discorrer sobre o ponto da falta de mulheres na delegação de 2018.

Historicamente, como se sabe, pouquíssimas são as mulheres premiadas na categoria Criação no Young Lions no Brasil. Este problema começa bem antes de seu ingresso no mercado de trabalho. Continua com sua passagem pela faculdade, onde muitas são desencorajadas a seguir a área de criação, “um espaço mais amigável aos homens”. Passando pela dificuldade de ingressar nas agências; pela falta de informação sobre vagas, que muitas vezes só circula entre os grupos que já estão bem colocados (e que, em sua esmagadora maioria, são compostos por homens); pelos desafios enfrentados pelas mulheres dentro das agências, como a seríssima questão do assédio e por estigmas como “mulher não sabe criar tão bem para carros, cervejas, etc”, assim como homens não sabem fazer campanhas para “perfumaria, cosméticos, moda, etc” – chances desiguais. Tudo isso e muito mais resulta numa presença feminina de cerca de 20% no departamento criativo segundo as últimas pesquisas sobre o tema, sendo que nem mesmo essas podem ter as mesmas oportunidades garantidas. Esse número culmina em cenas já conhecidas, como júris totalmente masculinos, fichas técnicas e palcos de premiação sem a presença de uma mulher, e no resultado de uma competição como o Young Lions.

Diante desse cenário, reconhecido por todos os membros do júri e de maneira pessoal pelas 4 mulheres que o compõe, deu-se o julgamento do Young Lions Brasil 2018. O regulamento e o critério não mudaram com relação aos anos anteriores, sendo que a escolha dos vencedores foi baseada nos trabalhos apresentados em cada pasta por cada participante. Discutiu-se a necessidade da representatividade feminina e também de outras minorias; dentro do critério apresentado, porém, variáveis como gênero, idade, etnia ou agência não foram considerados, ao menos no julgamento do shortlist; o foco foi somente no trabalho, pastas abertas sobre a mesa, videocases passando nas telas, sem mesmo nos atentarmos para o nome de seus autores.

Tivemos de deixar muitas pastas boas para trás. Incluindo pastas de mulheres extremamente competitivas e, certamente, de outras minorias no mercado. Não foi fácil. Em um júri composto por quatro mulheres, o critério de escolha também não deveria ser desconsiderado. Já é uma vitória, ainda mais se compararmos a outros júris predominantemente masculinos de outros festivais nacionais e internacionais.

Neste ponto, cabe esclarecer que não achamos que o júri ou o Young Lions deve simplesmente cruzar os braços diante desse cenário e lamentar. Achamos, sim, que mudanças são necessárias em todas as etapas desse processo – inclusive na parte de julgamento do Young conforme colocamos em nossa proposta abaixo. A grande questão é: como promover mudanças no Young, que realmente ajudem a mudar o mercado, em vez de mascarar um problema? Como criar uma solução que de fato valorize o trabalho da mulher vencedora diante de tantos desafios, sem abrir espaço a questionamentos absurdos e infundados sobre a real razão de sua escolha? Há muitas possibilidades de mudança, e todas elas devem ser debatidas com muito cuidado e atenção.

Acreditamos que toda essa questão levantada no Young Lions traz uma ótima reflexão para as agências de criação. A não ida de uma mulher mostra a enorme falta de oportunidade para elas que ainda acontece na grande maioria das agências. Assim como o problema de outras “minorias” – que na verdade são maioria na sociedade, mas não no mercado –, que não têm a mesma oportunidade de fazer parte do departamento criativo. Acreditamos que todos devemos lutar por isso. É bom lembrar que praticamente todas as (ainda muito poucas) mulheres que já conquistaram uma posição de liderança ou relevância na criação de agências já lutam por essa questão. Mas esse não é apenas um problema das mulheres, mas dos homens em cargos de liderança também. Essa é uma questão de TODOS.

Que tal cada gestor de criação em suas agências olhasse para dentro de suas criações e visse como as oportunidades de inclusão ainda são muito poucas? Se TODOS tomarmos consciência da raiz do problema e focarmos em mudar isso também, certamente essa desigualdade enorme finalmente acabará mais rapidamente.

Como júri de 2018, estas são algumas de nossas propostas iniciais que serão apresentadas à organização para debate e análise:

1.    Votação às cegas desde o longlist para evitar vieses inconscientes ou mesmo favorecimentos conscientes – pastas sem nomes ou fotos.

2.    O mesmo tipo de votação às cegas no shortlist.

3.    A formação de uma equipe de coordenação composta por mulheres e  homens, que se comprometem dar mentoria para a formação das pastas a partir do ano que vem.

Acreditamos que com tudo isso, a cultura arcaica do machismo desde os primórdios dos tempos, será finalmente combatida até o dia em que ser mulher não será uma “questão”, e sim uma naturalidade tanto na criação das agências como em todas as outras áreas das agências.

Contamos com a compreensão de todas e todos.

Ass: O Júri