Na era da autenticidade, nada mais “out” do que imagens excessivamente retocadas com o recurso de ferramentas como o photoshop. A discussão não é nova, anda em pauta faz tempo, e gerou o artigo L2133-2 do Código de Saúde Pública na França e que a partir de outubro passou a valer como lei: fotografias retocadas usadas em ações comerciais agora precisam conter avisos – algo como “fotografia retocada”. Caso contrário, a multa é de 30% do investimento na campanha, ou um mínimo de US$ 45 mil se a verba não for muito alta.
As indústrias da moda e da beleza, que mais trabalham com retoques, possivelmente adotarão os avisos sem grandes polêmicas, e eles tendem a se tornar lugar comum.
“Usamos muitas imagens retocadas, tiramos muitas fotos e é quase impossível conseguir uma imagem 100% real. Até a campanha de Dove pela real beleza não é real”, declarou Stephane Soussan, diretora de criaçõ da Sid Lee em Paris, agência do grupo Hakuhodo, em um artigo publicado em Adage.com.
A lei só vale na França, e sem dúvida acompanha o zeitgeist global das discussões em torno de autenticidade de pessoas, marcas e suas mensagens colocadas no mundo. Muitas mudanças têm sido consequência de pressões da sociedade.
Em Israel, regra semelhante passou a valer em 2013, e na Austrália há uma espécie de autoregulamentação para a questão sendo aplicada desde 2010. Uma entidade britânica chamada Advertising Standards Authority vem banindo anúncios excessivamente retocados faz alguns anos, e nos EUA a discussão também se acirra em algumas frentes como o Congresso e a Federal Trade Commission.
Recentemente, a fotógrafa Lena Dunham teve um ensaio fortemente retocado na revista Vogue, e anunciou publicamente que não mais permitirá que suas fotos sejam modificadas. Outro exemplo foi a polêmica em torno do perfil nas redes sociais – com imagens fortemente retocadas – da modelo Kim Kardashian, que acabou levando cerca de 100 mil fãs a deixarem de segui-la no Instagram.
Acompanhando a tendência, a Getty Images anunciou que não vai mais aceitar em seu portfolio imagens criativas que mostrem modelos cujo corpo foi retocado. A atitude é pioneira e, a empresa divulgou em um comunicado que defende a representação visual precisa e autêntica.
“Nossas percepções sobre o que é possível são muitas vezes moldadas pelo que vemos: imagens positivas podem ter impacto direto contra estereótipos, criando tolerância e capacitando as comunidades para se sentirem representadas na sociedade”, afirmou o comunicado da empresa, que nos últimos anos vem buscando contribuir para a mudança na forma como mulheres e outros grupos são representados na mídia e na publicidade, criando parcerias com grupos como MuslimGirl, Global Goals, SANE Australia, leanIn.org, Refinery29, entre outros.
Alguns profissionais aplaudem o corte aos excessos, no entanto temem que leis e regras tomem conta, no lugar de deixar que agências, anunciantes, produtoras e fotógrafos cuidem do tema, o que sempre funciona de forma mais natural.
“O estímulo ao uso de pessoas reais é muito bom, tira as pessoas da busca da beleza impossível e traz a vida real para a propaganda. Mas ao mesmo tempo acho que a intervenção de uma lei para isso flerta com o paternalismo. Nessas horas a autorregulamentação funciona sempre melhor”, opina Gustavo Bastos, sócio e diretor de criação da agência 11:21.
Luciana Haguiara, diretora de criação digital da AlmapBBDO, diz que falta bom senso no mundo, e por causa de pessoas que cometem excessos, medidas radicais – como a lei francesa – acabam sendo tomadas.
“Uma coisa é você diminuir uma cintura para padrões impossíveis. Outra coisa é o craft, deixar uma foto boa, ainda melhor. São coisas diferentes, quase tudo tem um mínimo retoque. Considero uma lei para tratar disso um certo exagero”, conclui.
Michel Lent, sócio e chief product officer da Lent/AG, concorda que dificilmente uma foto não é retocada. Mas o movimento se torna válido se seu objetivo é combater a questão da projeção de imagens fabricadas e seu efeito sobre a autoestima das pessoas.
Marcello Noronha, diretor de criação da NBS no Rio, acredita que o ideal seria que as regras valessem não só para a publicidade, mas para editoriais em geral.
A lei é uma atitude corajosa e alinhada com os novos tempos. Mas tem que valer para editoriais também. É uma maneira de reduzir a pressão por padrões inalcançáveis de beleza. A perfeição é cafona.”, conclui.