Há 20 anos, em junho de 1993, o Brasil conquistou seu primeiro Grand Prix em Cannes, com uma campanha de mídia impressa para o Guaraná Antarctica. Com forte impacto visual e fugindo de regras e clichês, o trabalho, criado pela DM9DDB, tem em sua ficha técnica a participação de Marcello Serpa, um dos mais importantes e premiados diretores de arte da publicidade mundial, hoje sócio e diretor-geral de criação da AlmapBBDO, agência brasileira mais premiada em Cannes e em todos os outros festivais nacionais e internacionais dos últimos tempos. Com as credenciais de mais de 135 Leões conquistados pela Almap, além de três títulos de Agência do Ano do maior festival de criatividade do mundo — em 2000, 2010 e 2011 —, Serpa é o único brasileiro entre os 16 presidentes dos júris das competições de Cannes em 2013. Ele vai comandar as avaliações da competição Press durante a 60º edição do festival, que será realizada entre 16 e 22 de junho. É a segunda vez que Serpa preside um júri em Cannes. A primeira foi em 2000. Nesta entrevista, o sócio da Almap avalia a evolução da publicidade brasileira nos últimos 20 anos e conta sobre suas impressões diante das várias transformações da propaganda. Nos critérios do júri, ressalta que vai evitar prêmio ao que é clichê e lugar-comum, características que, segundo ele, impedem a valorização da atividade publicitária.
Em 93, o Brasil conquistou seu primeiro Grand Prix em Cannes com um anúncio de mídia impressa criado, com a sua participação, para o Guaraná Antarctica. Quais as principais mudanças na publicidade brasileira nesses últimos 20 anos?
Hoje, acho que o Brasil de 20 anos pra cá amadureceu muito. Deixou de ser um mercado fechado onde o trabalho era feito apenas pelo Brasil. Começou a se internacionalizar e a influir lentamente nesses últimos 20 anos. Essa é a maior mudança. O Brasil se tornou mais global, mais internacional, mais Brasil. Acho que a publicidade acompanhou o próprio desenvolvimento e crescimento do país. Esse GP do Guaraná acabou mostrando uma visualização maior do mercado brasileiro, gerou um acompanhamento maior por parte de lideranças internacionais. O Brasil sempre teve grandes diretores de arte, teve uma escola publicitária, principalmente com a DPZ, formada por diretores de arte. Internacionalmente, os diretores de arte brasileiros vêm sendo cada vez mais considerados e respeitados.
Desde a época do GP do guaraná, a qualidade de mídia impressa, principalmente em revistas, se destaca pela estética, pelo impacto visual. Essa tendência deve predominar diante de outros conceitos como o humor ou o próprio texto, a narrativa em si?
Em minha opinião, a mídia impressa tende a ser algo muito visual. A indústria da moda sempre trabalhou com essa sedução através da imagem. É um trabalho feito no mundo todo, com menos apelo racional. A indústria da publicidade acaba seguindo a moda. O emocional se torna mais importante quando os produtos se tornam mais semelhantes. Já sobre o humor, eu acho que ele faz parte da alma e da cultura brasileiras. Acho também que ele pode ser expresso tanto por texto como por imagens.
Você presidiu o júri de Cannes em 2000, quando havia quatro competições: filmes, Press, Outdoor e Cyber. Hoje há 16 áreas no festival. Como você vê o aumento dessa multidisciplinaridade e como isso facilita ou dificulta o trabalho dos jurados?
Antigamente, a propaganda se restringia a poucas mídias. Antes, a web englobava absolutamente tudo que é digital. Havia mídia impressa e a tevê. Hoje virou uma salada. Acho que dificulta porque algumas ideias são cross-border. Elas podem trabalhar em web, celular e em ativação (de marcas). Fica difícil definir, colocar uma régua ou um limite para uma ideia estar em apenas uma disciplina. Há repetições e muitas discussões dentro do júri para saber se uma determinada ideia pertence a um determinado júri. Gasta-se muito tempo tentando avaliar se é web, marketing direto ou one-to-one. Acho que essa multidisciplinaridade gera certa confusão. A propaganda ficou muito orgânica. As peças viajam com uma facilidade enorme.
Em sua opinião, o que representa um Leão de Cannes?
Representa aquele trabalho que foi feito, criado e desenvolvido desde a definição do briefing junto com o cliente. É aquele trabalho que se destaca da média daquela categoria. É um trabalho bem feito, criativo, um trendsetter. Um Leão é um reconhecimento aos profissionais que estão acima da média. É o reconhecimento de um trabalho diferente. Em propaganda, fazer ou repetir clichês pode ser eficiente porque as pessoas, os consumidores, acostumam-se com a linguagem comum. Mas o Leão é a quebra do clichê, é sair do que é fácil.
Como a tecnologia, toda a new media tem afetado a publicidade de mídia impressa?
Acho que vários anúncios acabam sendo complementares com alguma ação da internet. Há vários que trabalham com o celular, que pode continuar a história de um anúncio. Já fizemos estratégias assim para O Boticário, para carros… Temos várias opções de mídia impressa. Hoje você vê pessoas folheando um iPad como se fosse uma revista. Os programas de maior sucesso para tablets, que são os flipcharts, reproduzem o hábito de virar uma página, seja no jornal ou na revista. A mídia impressa não depende mais só da tinta. A tecnologia é amiga da mídia impressa. É, na verdade, uma extensão.
Qual sua opinião sobre trabalhos fantasmas?
Na publicidade, a palavra fantasma já morreu há pelo menos cinco ou seis anos. Você pode fazer uma ativação de marca fantasma. Faz um filme numa prainha, põe no YouTube e a peça deixa de ser fantasma porque 100 mil pessoas viram. Antigamente, era fantasma porque não havia veiculação. Hoje, a veiculação é muito fácil e aí começa um juízo de valor absurdo. A verdadeira publicidade deve ter o consentimento do cliente, que deve estar de acordo com o que foi produzido. Ela deve ser pedida pelo cliente. Se o cliente assina, ela não pode ser chamada de fantasma. Agora, há peças que são feitas, criadas especialmente para festival. Isso é difícil de ser checado – se foi feito ou não só para o festival – porque com o YouTube tudo pode ser visto. Foi-se o tempo em que eram criadas peças para clientes que não existiam porque a veiculação era muito cara. Hoje tudo se resolve com o YouTube.
Como você tem acompanhado a publicidade mundial? Quais as regiões que mais lhe chamam a atenção?
Continuam sendo os Estados Unidos, onde há o maior foco de inovação. A inovação acontece com mais frequência em outros países. Alemanha faz publicidade muito bem e excelentes trabalhos continuam vindo da Inglaterra. Mas está mais misturado. Há bons trabalhos da China, do Oriente Médio, da Patagônia ou da Colômbia. É difícil definir países com uma vantagem publicitária como há 20 anos, quando você tinha Estados Unidos, Inglaterra e uma grande diferença para Holanda, França, Brasil ou África do Sul. Hoje, um Grand Prix, um Titanium pode vir de qualquer país. É difícil criar vantagens de percepção. Mas os Estados Unidos, pelo volume e pelo domínio de tecnologia, mantêm uma diferença em relação ao resto. Ganham os que têm tradição e o Brasil está entre eles.
Quais critérios você pretende estabelecer para a definição de Leões neste ano?
Com certeza menos a piada pela piada e mais o produto como centro da mensagem. Muitas vezes é muito fácil o júri ser carregado pela ideia fácil, pela piada, pelo engraçado. Isso não é boa propaganda. Pretendo evitar que ganhe a piada pela piada, o humor adolescente.
Como você vê o futuro do mercado publicitário?
O futuro vai depender da capacidade das agências se valorizarem mais e mais. De dar o valor correto ao que elas produzem e às ideias que movem o ponteiro de vendas do cliente. Temos de lutar muito para que a propaganda não seja uma commodity. Temos sempre de procurar tirar a publicidade do lugar-comum, das peças que são só clichês. A campanha fácil, da musiquinha, do clichê, tem pouco valor.
Qual o maior desafio para essa valorização?
Ter ideias e fazer as ideias acontecerem. Muitas agências e clientes, pela pressa e pela necessidade, acabam buscando o mais fácil, o que é o já conhecido, o que dá certo. A repetição das mesmas fórmulas tende a levar a indústria para um lugar-comum. O lugar-comum não tem valor. O exercício do atendimento, do planejamento, da mídia e da criação deve ser em busca de uma ideia nova, de perceber um valor, de pensar de maneira diferente, de um jeito surpreendente de falar e provocar o consumidor. Buscar ideias que tirem o consumidor da letargia. Os argumentos devem ser bem pensados e bem colocados, com base em pesquisa. Há um medo de arriscar. Há uma pressa dos anunciantes e também do lado das agências. Esse é o pior caminho. Vai só tornar commodity.
Como você pretende se preparar para o júri de Cannes?
Estou com 50 anos. Em 2000, com 37, quando presidi o júri, foi uma maratona de louco que me deu um preparo físico e emocional para entender como funciona. A parte técnica de liderar o júri não é a parte mais difícil. Vou me preparar para analisar mercado a mercado, olhar tendências, observar como a indústria está funcionando, analisar as tendências da mídia impressa nos últimos 12 meses. Quando a lista de jurados estiver pronta também quero repetir o que fiz em 2000, que foi escrever uma longa carta para entender o que estamos buscando, para não cairmos na armadilha da piada fácil.