Divulgação

Minha última viagem internacional com o Grupo de Mídia ocorreu em 2009 para o Japão. Naquela oportunidade estávamos em meio a uma crise econômica, só que em proporções globais. Os executivos japoneses ficavam surpresos a cada encontro com aquele grupo de brasileiros que colocava o anseio de aprender e descobrir o oriente a frente de tamanha dificuldade internacional. 

Coincidentemente em 2015 tive a oportunidade de juntar-me ao Grupo nessa viagem para Berlim, novamente diante de uma crise. Só que dessa vez as dificuldades ocorrem no cenário nacional, e parecem que irão perdurar por mais algum tempo. 

Por isso, uma das minhas expectativas ao viajar para a Alemanha era poder fazer um paralelo entre o jeito rígido alemão de superar e enfrentar situações adversas, e a maneira como encaramos nossas concepções no Brasil, dentro e fora da propaganda. 

Algumas reflexões e pontos se destacaram após uma semana de experiências. 

Educação e orgulho nacional devem vir a frente dos interesses da mídia? 

É surpreendente como o governo alemão, mesmo após a era Hitler, continua atuante na comunicação e publicidade, e como isso pode contribuir para a disseminação e proteção da cultura nacional de um país. Pela lei de mercado, nenhuma emissora de TV pode ter mais do que 30% de share de audiência, o que resulta em condições normais de competitividade, inclusive para as TVs públicas educarem e disseminarem a cultura alemã. Além disso, as TVs possuem restrições para regionalizar publicidade, protegendo a efetividade do meio jornal para esse propósito. Não é a toa que a Alemanha possui um dos maiores e mais sólidos mercados de mídia impressa do mundo. Cerca de 60 milhões, do total de 80 milhões de alemães, consomem jornal regularmente. 

Respeito à diversidade cultural e do comportamento. 

Após 25 anos da queda do Muro de Berlim, continuam relativamente mantidas as diferenças de pensamento e modo de vida entre alemães ocidentais e orientais. E é notório como isso influi na produção de conteúdo e consumo de mídia, ficando clara a importância do regionalismo do conteúdo. Dessa forma, aqui, como em qualquer grande nação, não há consenso entre todos. Mesmo assim, fica comprovado que não é preciso haver guerra, nem muro no âmbito das opiniões e discussões políticas, entre cidadãos vindo de leste ou oeste, norte ou sul, para haver expansão e pujança nacional e econômica. 

Revisão dos próprios conceitos quando a maré não está pra peixe. 

No painel com Kay Sammholz, VP de vendas da Bundesliga, pudemos compreender que humildade pode ser o ponto de partida para se dar a volta por cima em momentos adversos.  Após a Alemanha ter vencido a Copa do Mundo de 1990, o orgulho e o senso de invencibilidade derrubaram a seleção de futebol nacional ao longo da década de 90.  A partir disso, uma profunda reestruturação organizacional e na maneira de formar novos e grandes jogadores alemães voltou a valorizar o espetáculo, e fez com que novos espectadores fossem atraídos, ano após ano. Isso só foi possível pois o senso de organização coletivo foi colocado a frente dos interesses individuais dos clubes, confederações, dirigentes e dos veículos transmissores dos jogos. Quem faz as regras deve ser o beneficiário, e não o beneficiado. O resultado: os alemães não só ganharam a última Copa, mas como também a Bundesliga se tornou a 2a liga de futebol mais rentável do mundo, com recordes de público, a um preço médio de 17 euros., fazendo girar bilhões na economia alemã anualmente. 

Compra massificada ou segmentada na TV ? 

A Europa é a região mais avançada em termos de digitalização do sinal e dos aparelhos de TV. Na Alemanha, mais de 80% dos aparelhos já se conectam a internet.  E o que isso significa para a propaganda ? Aqui a compra de mídia programática na TV já é realidade. Uma projeção de Jean Pierre Fumagalli, CEO da empresa Smartclip, especializada em formatos de vídeos conectados a devices e multiplataformas, afirma que em 2020 50% da compra de mídia da Tv será programática, e outros 50% será linear para todos os telespectadores. Aqui essa discussão sobre o modelo de negócio, e o desenvolvimento de formatos especiais programáticos já está mais avançada entre emissoras de TV, fabricantes de TV digital, agências e produtores de vídeos. 

Ainda não sabemos quem no Brasil fará a implementação desse sistema, e como isso avançará nos próximos anos. Há uma questão tecnológica a ser concluída, e uma discussão sobre como operar a ser avançada. Mas o que podemos afirmar é que só o conhecimento unificado entre profissionais de mídia, criação e tecnologia poderá encontrar a solução da equação entre alcance vs segmentação, na Tv, na internet, ou em qualquer outro device. E como isso pode se tornar eficiente para diferentes propósitos. Seja para construir marcas. Seja para vender produtos. No Brasil. Na Alemanha. E no Mundo. 

Ao fim da viagem chegamos a conclusão que os alemães continuam firmes com relação á disseminação da sua cultura e a proteção do seu mercado. Por outro lado, não existe mais aquele estereótipo de que operam sempre de forma dura e sisuda, sem jogo de cintura. Estereótipos no mundo global estão cada vez menos fazendo sentido. Haja visto a forma simpática e alegre como se apresentaram e venceram a última Copa do Mundo. O 7X 1 é emblemático pois registra que devemos rever alguns conceitos nossos, e nos atentar mais ao que os outros povos podem nos ensinar.  

Eduardo Ferreira, diretor de mídia da Africa Zero