O publicitário Luiz Sanches é um dos Ícones da Propaganda do Fórum de Marketing Empresarial, que será realizado no próximo fim de semana (de 23 a 25), no Hotel Sofitel Jequitimar, no Guarujá, evento que une o PROPMARK e o Lide. Sanches é sócio, chairman e CCO da AlmapBBDO, a agência mais premiada do país. Ao seu lado, atuam a sócia e CSO Cintia Gonçalves e o também sócio e CEO Filipe Bartholomeu. Em sua opinião, criatividade é um asset das agências que nenhuma outra indústria tem. Ele também fala sobre a humanização do marketing, tema do fórum este ano. “As marcas passaram a ter um caráter mais humano desde o advento da internet”. Confira a sua entrevista.
HUMANIZAÇÃO
As marcas passaram a ter um caráter mais humano desde o advento da internet. Passaram a ser influencers de pessoas que compartilham o que gostam. Porém, as marcas precisam ser inspiradoras. As pessoas as seguem por alguma razão, caso contrário excluem dos seus pontos de contato. As marcas têm a obrigação de não repetir discursos, como muitas vêm fazendo. Elas também não querem tomar tiro nas redes sociais. Mas uma marca só vai criar lovers se tiver haters. Ela tem de saber transitar e saber que é normal receber feedbacks negativos para poder se fortalecer lados positivos. Por isso precisam ser inspiradoras. As marcas têm uma responsabilidade muito maior hoje. Antigamente era um diálogo de uma via só. Agora elas precisam ser inspiradoras com atitude, como um ser humano. A repetição pulveriza uma marca porque ela fica sem registro do que está fazendo. Mas discursos não podem ser redundantes.
NATURAL
O principal é dizer o que é e não ser outra coisa. Em uma empresa, do CEO ao profissional que serve café, todos deveriam repetir o seu propósito e a sua ideia. Como há mais serviços, isso está ficando mais claro. Nunca foi tão bom consumir como atualmente. A decisão ocorre em segundos. O que vai contar é o registro na Amazon e ele é feito a partir de muita interatividade em diversos canais com o mesmo discurso da marca. As marcas precisam encontrar sua pertinência e seus nichos para serem relevantes.
EXEMPLO
Havaianas é uma sandália de borracha que tem valor agregado absurdo. Porque ela abraça várias praias, entre as quais a moda. E também mantém a postura de estar nas plataformas onde ela é aspiracional. E a Volkswagen? Que ficou anos sem lançar um novo modelo? Mas com a imagem construída ela conseguiu fazer a transição até arrebentar em vendas. O Boticário conta histórias inspiradoras das pessoas e posicionando seus produtos de forma mais premium. As marcas não podem ficar em cima do muro; elas precisam ter o que dizer.
TECNOLOGIA
Se uma inovação for baseada em cima da tecnologia certamente vai ser nova até o próximo lançamento, cujo intervalo de tempo é mais reduzido. E sem esquecer que a concorrência está atenta. A tecnologia é uma grande oportunidade para entender pessoas e grupos. O sucesso da Netflix e do streaming de um modo geral é que eles detectam clusters, entendem o que eles querem e formalizam o delivery em forma de narrativa. A tecnologia propicia o entendimento do consumidor, além de devolver do jeito que ele quer. Tecnologia por meio de gadgets se torna obsoleta.
DADOS
Saber ler é fundamental para se tornar pertinente. Estamos em um negócio de pessoas para pessoas. Depurar informação requer talento, pessoas e visão. Não é algo robótico. Senão uma plataforma de streaming não precisaria de um diretor. Dados são commodities.
ROTEIRO
Por que investimos tanto em roteiro aqui na AlmapBBDO? Porque faz toda a diferença. Saímos de uma narrativa focada em diferencial de produto, que não permitia escolha, para uma era mais seletiva. Do que se quer assistir e o que vai compartilhar. Consequentemente, a narrativa precisa estar mais próxima do entretenimento. As pessoas querem entender o personagem. Já foi o tempo de realizar coisas em 30 segundos. Precisamos ter ideias e saber o melhor tempo para contá-las. Elas precisam ser simples. Para que pessoas repitam a frase: “você viu o que eu mandei pra você?” O consumidor é seletivo. Ele diz o que quer e o que vai compartilhar.
CRIATIVIDADE
É um asset da nossa indústria que nenhuma outra tem. Vide a Accenture, que comprou a agência Droga5. Criatividade gera diferencial de marca e negócios. Quando as marcas se comoditizam, a criatividade, por meio da comunicação, ajuda a trazer inovação com argumentos e discursos. E a criatividade não está presa à criação. Ela é o produto final que uma agência tem para oferecer; ela é o nosso business.
MOVIMENTOS
São muitos. As marcas ganham espaço de formas surpreendentes. A útima temporada de Stranger Things se passa em um shopping center com um storytelling multimarcas. Trouxemos Havaianas para o contexto de Stranger Things, que resgata os anos 1980, fazendo um paralelo sobre o que é mais estranho: um mundo invertido ou um chinelo invertido. Antes as marcas só faziam product placement. Hoje essa técnica é apenas o começo de uma conversa. A questão é como aproveitar o residual através dos clusters. As pessoas que consomem cultura pop, como no caso de Strangers Things, vão compartilhar as coisas daquele jeito. É uma oportunidade para as marcas saírem da mesmice. Ou seja, como elas vão abraçar e vão se aproveitar com relevância desse universo. Se fizerem isso, serão as mais compartilhadas.
PUBLICIDADE
Tenho uma visão simplista sobre o negócio da propaganda: há produtos e eles precisam ser vendidos; existem marcas e elas precisam prosperar. Então, a publicidade vai continuar existindo sempre. Não compartilho com os apocalípticos de plantão. A diferença de outros momentos é que tudo está acontecendo de forma rápida e em ciclos curtos. O que desposicionou todo mundo. Como há muito mais canais para disponibilizar conteúdo, a questão é: as pessoas querem consumir essa oferta? A agência e a marca estão comunicando corretamente? Passamos por um período de indagação, principalmente com a chegada das consultorias, que vivem de achar problema, mas não têm delivery de solução. Nesse cenário, o pêndulo começa a voltar. Existem tantos produtos hoje, e diferentes, que será que não precisam de comunicação agregada? Sim, o papel do negócio da comunicação se torna mais relevante hoje. Antes as agências poderiam ser até mais displicentes e preguiçosas, porque já tinham a mídia comprada e a estratégia definida. Saímos da era de vender espaço para vender ideias e pertinência. Com coragem, vamos voltar a ter valor. A publicidade produz diferencial.
PULVERIZAÇÃO
Temos muito mais conteúdo. Por isso é preciso ser seletivo. Quando se abre a tela do Net- flix, e isso é comum a todos, se perde mais tempo procurando o que vai assistir do que para assistir. Cabe às agências fazerem uma curadoria sobre o que esse universo pode ver por meio de marcas inspiradoras.
PR
A AlmapBBDO sempre produziu coisas que as pessoas falavam. O diferencial é sair de qual é a melhor ideia para um produto para qual é a melhor ideia para esse produto ser comentado. Antes era intuitivo. Hoje temos um processo. A partir do momento que uma marca é compartilhável é porque ela tem elemento de identificação. Isso é PR. A grande mudança da Almap é saber qual a melhor ideia e qual a melhor ideia para ativar PR. Esses pontos identificam a comunicação contemporânea. Antes queríamos uma ideia memorável; hoje ela tem de ser compartilhável. Quando encontro com o Marcello Serpa converso que o desafio anterior era encontrar a excelência nos canais disponíveis com a reinvenção de linguagem. Hoje é reinventar o negócio. Não dá mais para ficar no quadradinho seguro. A agência tem de entrar em zona de risco e desconforto. Faz parte do caráter humano das marcas. As agências estão muito na defensiva. Antes parávamos no play. Hoje o trabalho começa no play. Podemos mudar. A comunicação virou always on, mas de conteúdo inteligente. Há uma vida curta das ideias. Elas são mutáveis.
COLETIVO
Ninguém faz nada sozinho. E os trabalhos estão mais complexos e há a necessidade de mais pessoas nas fichas técnicas. A publicidade tem mais disciplinas e velocidade. Quanto ao pensamento coletivo, porém, nem tão lá, nem tão cá. Saber ouvir é uma qualidade, mas saber que uma ideia é melhor do que a sua, e que é para o bem maior, significa humildade. Isso é positivo. Não há mais espaço para salto alto. Mas o que nos torna diferentes é a nossa individualidade. Em minha opinião, esse negócio de ser um grupo é uma desculpa para esconder mediocridade. Quem é bom é bom e ser for bom vai ter a humildade da seleção de 70 para jogar naquele canto que lhe foi designado. E compartilhar com outros craques o jogo.
AUTONOMIA
A AlmapBBDO é agência de dono. Mas temos relação saudável com os acionistas. A vantagem é que o mundo é tão rápido que ficar esperando para tomar decisões mata o negócio. A AlmapBBDO sempre mudou muito. Trabalho aqui há 25 anos e em 25 Almap diferentes. Isso é instigante. E todas essas fases são sempre baseadas em pessoas. Valorizo mais o brilho no olho do que o talento propriamente dito. O profissional tem que ter atitude. Tem que ser bold. Faço parte do board de criação e do grupo. Ter autonomia é legal sim. Somos a única BBDO no mundo na Volkswagen. De 55 agências, ficamos entre os cinco hubs da marca. Os clientes nos definem dessa forma: “Power house de criatividade e negócios”. E gostamos. Faz sentido.
PRÊMIOS
Não é uma busca. Mas tivenos que fazer um esforço muito grande para mostrar para o mercado que a AlmapBBDO tinha consistência. Muita gente desacreditou da continuidade. Sim, investimos em festivais. Vencemos muitos e mantivemos o volume de prêmios das outras gerações. A AlmapBBDO é assim. Usa a criatividade como base. Os prêmio dão credibilidade. Mas esse investimento foi consciente. Os prêmios são fruto de bons trabalhos e resultados comprovados.