Apesar das críticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai dar linhas finais ao marco regulatório para os canais de mídia do País após a realização do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias nos dias 9 e 10 deste mês em Brasília,  evento que tem a organização da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República).

O principal temor dos agentes do mercado é que as regras sejam capazes de intervir na produção dos conteúdos jornalísticos e caracterizar censura. A idéia da criação de uma agência reguladora, benchmark de alguns países da Europa, é defendida pelo ministro Franklin Martins, titular da pasta da comunicação social do governo Lula, que visitou mês passado órgãos reguladores da Bélgica e Inglaterra para buscar subsídios para justificar o que no popular está sendo chamado de “tribunal da mídia”.

Sua tese é rever as regras estabelecidas no início da década de 60 quando a mídia era integralmente analógica e não tinha a tecnologia digital e, consequentemente, a convergência de mídias desses anos 2000 materializada, principalmente, em telefones celulares, internet e televisão digital. Martins é favorável à criação de uma agência reguladora nos modelos da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Ele citou durante a viagem que fez a Europa há cerca de um mês que o disparate tecnológico fica claro nos balanços das empresas de radiodifusão cujos faturamentos somam R$ 13 bilhões.

“Por outro lado, os grupos de telefonia faturaram R$ 180 bilhões”, atestou Martins que já comunicou à presidente eleita Dilma Rousseff a intenção de não permanecer no ministério. Mas será Dilma que deverá encaminhar ao Congresso Nacional as medidas que vão constar do PL (Projeto de Lei) para o segmento de radiodifusão. A criação de uma agência de regulação à mídia é um desejo pessoal do presidente Lula que não esconde o incômodo com notícias e coberturas dos meios de comunicação, sobretudo às desfavoráveis.

A presidente eleita disse no seu primeiro pronunciamento que é radicalmente contra qualquer tipo de censura à mídia e que “prefere a clareza da liberdade de expressão à escuridão dos porões da ditadura”. Dilma, porém, fez referência à postura oportunista de alguns veículos, mas não quer nem ouvir falar em restrição à produção de conteúdo.

Martins também enfatizou que o PL não terá caráter restritivo. “Há o mau e o bom jornalista. A imprensa no Brasil é livre, mas não quer dizer que é boa”, disse o ministro em entrevistas concedidas na viagem à Europa. O ministro da comunicação social admite que o tema é polêmico, mas acredita que a regulação vai estimular a competição da radiodifusão. Ele compara as empresas de telefonia a “jamantas” capazes de “atropelar” o setor.

A pauta principal do Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias tem base nas deliberações da 1ª Confecom (Conferência Nacional de Comunicação), evento realizado pelo Governo em dezembro de 2009. As 633 sugestões do Confecom para o texto final do marco regulatório dos canais de mídia estão sendo analisadas por equipe criada pela Casa Civil, que vai filtrar as propostas para orientar Lula e Martins na tomada de decisões. No entanto, já está decidido que pelo menos cinco propostas do Confecom serão agregadas ao PL que Lula vai deixar pronto para Dilma articular assim que assumir a Presidência: internet, direitos autorais, conteúdo nacional nas emissoras de televisão – base do artigo 221 da Constituição, em fase de regulamentação – e medidas definitivas para regular o segmento de comunicação. Esses pontos foram destacados por Martins na Audiência Pública realizada pela Câmara dos Deputados no último mês de junho.

A Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão) reconhece que a lei dos anos 1960 deve ser revista, mas recomenda cuidado com o viés restritivo. O diretor geral da entidade, o executivo Luiz Roberto Antonik, em entrevista ao Estadão, disse que “a Abert não concorda com algumas propostas que, por qualquer razão, querem alterar ou influir no conteúdo jornalístico”, ele afirmou.

O dirigente da Abert também alerta para “disciplinar” as novas mídias como a internet. “O artigo 222 da Constituição diz que para explorar uma empresa jornalística é preciso que os brasileiros tenham pelo menos 70% do capital. Os legisladores pensaram nos conteúdos. E é preciso manter os conteúdos nas mãos de brasileiros. Mas há empresas com 100% de capital estrangeiro que fazem jornalismo na internet. É preciso regular isso”, disse.

Para Judith Brito, presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), o seminário é bem vindo desde que não proponha restrições às liberdades. “Consideramos positiva a realização do seminário, pois há grandes questões a serem debatidas e definidas diante da revolução provocada pela internet e as mídias digitais.  A ANJ defende neutralidade no uso das redes de telecomunicações, respeito e remuneração ao direito autoral e plena liberdade de expressão. É fundamental para a própria democracia a continuidade do jornalismo independente e de qualidade no ambiente das novas mídias e da convergência de mídias”, disse a presidente da ANJ.

Agenda
O Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias será aberto no dia 9 pelo ministro Franklin Martins. Depois vem a palestra “A experiência da regulação na União Europeia” de Harald Trettenbein, diretor adjunto de políticas de audiovisual e mídia da Comissão Européia. Em seguida, Wijayananda Jayaweera, diretor da divisão de desenvolvimento da comunicação da Unesco, vai falar sobre os “Indicadores de desenvolvimento da mídia da Unesco: um insumo concreto para discussões sobre reforma regulatória no setor de mídia.”

Depois, Toby Mendel, consultor internacional da Unesco, discorre sobre “O ambiente regulatório para a radiodifusão: um estudo comparado para reguladores brasileiros.” Dimitri Ypsilanti, Chefe da Divisão de Informação, Comunicação e Política do Consumidor da OCDE (Organização para a Cooperação Econômica Européia) discorre sobre a “Regulação para a nova geração de redes de comunicação nos países membros da entidade.”

“Os desafios da convergência à regulação: a experiência portuguesa” é o tema que José Amado da Silva, presidente da Anacom  (Autoridade Nacional de Comunicações de Portugal) vai abordar na sua apresentação. José Alberto Azeredo Lopes, presidente da ERC (Entidade Reguladora de Comunicação) fala sobre “A regulação da mídia em Portugal: novas e velhas questões.”

“O Caminho para a regulação das comunicações na Espanha” será abordado por Ángel Garcia Castillejos, conselheiro da CMT. “A regulação das comunicações na França” é o tema de Emanuel Gabla, conselheiro da CSA.  “A experiência da regulação no Reino Unido” será debatida por Vincent Edward Affleck, diretor Internacional da Ofcom. “A Regulação da comunicação nos Estados Unidos” dará o tom da apresentação de Paula Susan Ness, pesquisadora da John Hopkins University. A palestra “Os Desafios da Argentina para Regulação das Comunicações”, com Gustavo Bulla, diretor de supervisão e fiscalização da AFSCA (Autoridad Federal de Servicios de Comunicación Audiovisual), encerra o evento.

por Paulo Macedo