Caetano foi injusto com minhas irmãs paulistanas quando em “Sampa” criticou a sua “deselegância discreta”. A culpa é do frio, Caetano, não das minas. Aqui no Rio, supostamente o lugar onde vivem as moças mais elegantes do Brasil, bastou a temperatura baixar para níveis polares (pelo menos na percepção dos cariocas) para saírem do armário – no sentido literal – as mais esdrúxulas peças de vestuário, fazendo o dia a dia das ruas um desfile permanente de antimoda, uma verdadeira aula prática de como não combinar cores e estilos.
Claro que, em certos clusters mais ricos, aparecem nas ruas as capas e xales comprados em Nova York ou Paris, as botas do Chile e alguns couros de Buenos Aires. Mas a média é mesmo uma certa esculhambação, principalmente porque qualquer coisa abaixo de 23 graus faz a população do Rio se preparar para nevascas devastadoras. E dá-lhe moletons abóboras, luvas de crochê amarelas, cachecóis de seda roxa, capas de chuva de plástico, botas de operários e meiões de jogador de futebol.
Portas se fecham, ar condicionados são desligados e todos passam a soprar as mãos como se o mundo estivesse enfrentando uma nova era glacial. Os motoristas de táxi que, por um motivo desconhecido pela ciência, na sua maioria detestam ar condicionado, aproveitam a ocasião para desligá-los, o que torna uma viagem de táxi uma experiência enregelante.
A janela aberta do veículo deixa entrar o vento frio, principalmente na orla da praia, fazendo o passageiro ter saudade de quando a cidade está com um calor insuportável, para justificar o arzinho refrigerado daqui de dentro. Agora, se o cidadão optar pelo transporte público, aí a porca gela o rabo.
Os ônibus com refrigeração, o metrô e alguns trens se transformam em vagões frigoríficos. Nenhum possui algum dispositivo para regular a temperatura, portanto as máquinas continuam funcionando como se o calor da rua fosse de 40 graus. A consequência é você ter vontade de tocar fogo nos veículos, não como simples ato de vandalismo, mas como maneira de prevenir a gangrena.
O mais engraçado é que nos bares o consumo de chope não cai. E, ao invés do costume europeu de bebê-lo à temperatura ambiente, o carioca continua a pedi-lo gelado, que em alguns lugares transforma o chope em sorvete alcoólico. Também chama a atenção a enorme presença de pessoas na praia. Explica-se.
Carioca de verdade sente síndrome de abstinência de areia e maresia. Para quem tem o vício, basta um tímido solzinho para justificar botar o sungão e se mandar para a praia, encontrar os amigos e jogar conversa fora. Quanto aos turistas, a razão é mais clara ainda. Vir até o Rio, pagar uma grana altíssima de hospedagem e deixar de ir à praia, é quase como ir a Las Vegas assistir missa. Não combina.
Então podemos ver hordas de mineiros e gringos meio azuis circulando de biquíni pelos calçadões, respirando o delicioso ar marinho e eventualmente tomando um chope nos quiosques. Daqui de minha janela, na praça mais autenticamente carioca do Rio, a Praça Floriano, na Cinelândia, que, para minha felicidade, está voltando a ter o brilho de outrora, vejo bandos de turistas fotografando o Municipal, a Câmara dos Vereadores, a Biblioteca Nacional, todos de pele muito branca lotando as mesas das calçadas tomando muita caipirinha e chope.
Os pinguins que chegam de suas longas viagens desde o Estreito de Magalhães, buscando encontrar águas mais quentinhas para se recobrar do esforço de nadar milhares de quilômetros, estão morrendo de frio. Almas caridosas recolhem as aves e – sob a supervisão de ambientalistas – proporcionam a elas um repouso aconchegante em águas ligeiramente aquecidas no fogão.
À noite toma-se muita sopa, faz-se muito fondue e bebe-se muito vinho, como convém à uma cidade de clima frio. Em contrapartida, também como convém a uma cidade que vive de modismos, por mais esdrúxulos que sejam, as gelaterias estão lotadas. Alguém inventou que a moda agora é gelatto e as casas especializadas estão ganhando fortunas, vendendo por incríveis dez reais uma bolotinha de creme fredo.
De resto, está tudo igual ao resto do Brasil, quente ou frio. A grande novidade deste inverno é a enorme quantidade de milionários em Curitiba, hoje seguramente a cidade de maior concentração de renda do país. Ah! E a moça do tempo na Globo. Definitivamente uma graça.