Aproveitei o Carnaval para dar andamento aos meus projetos de livros. Estou organizando uma história dos bordéis do Rio de Janeiro, o livro dos 80 anos da Rádio Tupi do Rio e um almanaque sobre o comércio no Rio de Janeiro.
Quanto aos bordéis, estou juntando crônicas e relatos, além de entrevistas com frequentadores saudosos. Tenho recolhido histórias fascinantes, embora note nos depoentes uma enorme preocupação com a minha capacidade de mantê-los no anonimato. Nada temei, galantes bordelistas. Levarei para o túmulo seus nomes. E suas lágrimas de nostalgia.
No caso do livro sobre o comércio, há um capítulo para os grandes empresários do ramo, desde Mauá até Abraão Medina, Sendas e Saraiva. Passando, é claro, por figuras da grandeza de Alfredo Monteverde, folclórico criador da rede Ponto Frio. Um cara que conseguia ser criativo 24 horas por dia. Tinha rompantes de pura loucura, o que não o impediu de montar o imenso império do varejo que sobrevive até hoje.
Pensando bem, se Monteverde não fosse sonhador, arrojado e um pouco maluco, teria morrido dono de uma lojinha de geladeiras, reclamando da vida e contando tostões. Poderia ter ido como um daqueles que todos apontam como um sujeito de bom senso. Os tais que têm orgulho de viver com o pé no chão e se chamam de realistas.
Bem, deixa pra lá que isto aqui não é coluna autoajuda. Voltemos ao Monteverde, sobre quem o Sérgio do Rego Monteiro me contou uma história deliciosa. Segundo ele, Monteverde, empresário de grande liderança, certo dia convocou uma reunião urgentíssima entre dirigentes de outras grandes cadeias de lojas. Convocação dramática, do tipo “assunto urgente do interesse de todos”.
Ao mesmo tempo, chamou alguns grandes fabricantes de eletrodomésticos e também não explicou a pauta do encontro. Tudo com urgência urgentíssima, horários com minutos quebrados e tal. Irrecusável. Fez mais ainda: telefonou pessoalmente enfatizando a necessidade do comparecimento de todos. E todos vieram. Tensos. O que poderia querer o dono de uma das maiores cadeias de lojas do Brasil?
Depois de todo mundo reunido, Montenegro chamou o representante de uma das fábricas – digamos a Brastemp – e para surpresa geral fez um enorme e solene discurso comunicando que todas as grandes lojas brasileiras, numa atitude inédita no mundo inteiro, tinham decidido montar uma política de preços unificada. Exatamente por isso, as compras seriam realizadas por uma central que negociaria os descontos em bloco, uma única vez durante o ano.
Segundo Monteverde, as lojas ali reunidas representavam 90% do mercado e a primeira rodada de negociação iria começar naquele instante. Dá para imaginar a cara das pessoas. Muitos fabricantes pensaram seriamente em pular pela janela para ganhar tempo. Outros reagiram com fúria. Os lojistas, completamente surpresos, tentavam ver o que Alfredo queria com aquilo. Pânico absoluto.
O fabricante, chamado para ouvir em nome dos colegas o discurso de Montenegro, ficou lívido e declarou não ter poderes para continuar a negociação. Balbuciou algumas palavras e pretextou uma viagem para o exterior dali a minutos para sair correndo.
No meio da balbúrdia, Montenegro pediu a palavra e exigiu silêncio absoluto. Olhou para todos, deu uma enorme gargalhada, e disse: “Esta história não é verdade. Mas eu pensei nela ontem à tarde e confesso que achei uma puta de uma ideia. Infelizmente impossível de ser colocada em prática”. Mandou abrir as portas da sala e revelou um salão com mesas postas e um brigada de garçons à espera. Concluiu: “Era o único jeito de tê-los todos juntos para almoçar”.
Assim era Monteverde. Esse mesmo moleque, emocionado com a tragédia do Gran Circus Norte-Americano em Niterói, em dezembro de 1961, colocou seu próprio dinheiro para ajudar as famílias das vítimas. E, mesmo sem ser botafoguense, sabendo que Garrincha estava em crise financeira correndo o risco de perder sua casa penhorada na Ilha do Governador, quitou a dívida junto ao banco.
Também foi ele que doou um quadro de Van Gogh, outro de Picasso, além de outras obras importantíssimas para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. As ambulâncias que comprou para a fundação dos funcionários do Ponto Frio salvaram centenas de vidas.
Mas também era sabido que muitas vezes uma delas, sirene ligada, transportava com rapidez o empresário, que detestava o trânsito lento do Rio de Janeiro.