Nem de porre, nem por dinheiro, nem por chantagem, nem sob tortura eu conto em que agência ou com quem aconteceu esta história. Mas, em compensação, eu juro com a mão posta sobre a Bíblia que não só é a mais pura, cristalina e irretorquível verdade, como não há o menor exagero. Só omito alguns pequenos detalhes para que ninguém possa identificar os envolvidos. Mas vamos ao que interessa: a história.

Manhã de sexta-feira no grande saguão de entrada da multinacional, instalada num luxuoso prédio. Aquele trânsito normal de começo de expediente, um certo clima novaiorquino que só as grandes empresas têm, uma certa elegância cosmopolita.

A recepcionista, elegantésima, num conjuntinho meio uniforme, meio fashion, organizava os visitantes. Tudo extremamente civilizado, profissional, sério. Nesse momento abre-se a porta do elevador e entra na recepção o mais inacreditável e escandaloso travesti.

Um tremendo traveco, de minissaia, bustiê, meia arrastão, salto alto, bolsinha de ursinho. Quase dois metros, peitão de silicone, bunda agressiva. Mulherão. Ou melhor, travecão.

Dirige-se com passos seguros até a recepcionista e pede para falar com Tatá. Tatá, o Tavares, o diretor de criação. A recepcionista tenta parecer tranquila e anuncia o travesti para a secretária do Tatá, como se tudo estivesse nos conformes.

Assim são as grandes recepcionistas: frias e distantes, incapazes de revelar qualquer surpresa. Afinal, há poucos dias veio o diretor de criação da filial da Holanda conhecer a agência e o cara, vestido de cobra-coral, tinha uma figura mais escandalosa do que a bichona.

Aos poucos a agência inteira parou, na expectativa do encontro Tatá/bicha. Todo mundo deu um jeito de ficar por perto para assistir.

Soube-se depois que na noite anterior Tatá ficou num tremendo porre e acabou indo parar numa boate barra-pesada, onde viu um show de travestis.

Bêbado como uma cabra alcoólatra, se encantou pelos dotes artísticos da moça (vá lá, moça) que imitava Gal Costa, chamou à mesa, pagou-lhe um drinque, ofereceu um cartão e imaginou fazer uma campanha de moda inteirinha com ela. Coisa de bêbado.

Agora isso. Estava com uma tremenda dor de cabeça e com o travesti na recepção. Tatá imaginou fugir, se suicidar, mudar de agência, de cidade e de país. E parar de beber.

A multidão (já era multidão) aguardava. O suor lhe escorria pela nuca, a vergonha lhe embrulhava o estômago. Mas foi salvo pela providência.

Para sua sorte, passa triunfante pela recepção Mister Johnathan Thenson (ou coisa que o valha), gringo presidente da empresa. A bicha olha pra ele, levanta-se entusiasmada, abre os braços e grita:

– Johnathan querido! Que coincidência! O que você faz aqui, seu puto?

Tatá quase desmaiou de alívio. Estava salvo. Pelo menos tinha cúmplice. O vexame continuava grande, mas havia atenuantes, havia atenuantes.