Estou lendo, deliciado, o livro de Alberto Villas, “Onde foi parar nosso tempo?”. É daqueles que a gente torce para que não acabe. O autor é um jornalista, atualmente na TV Globo, dono de um texto envolvente, que já havia lançado “O mundo acabou”, com o mesmo espírito de “Onde foi parar?”. São lembranças de sua infância e juventude, contadas sem melancolia, mas que nos transportam para um tempo que passou de forma bem-humorada e terna.

Nesse livro, a grande pergunta é exatamente esta: o que nós fizemos com o tempo que ganhamos graças à tecnologia. O que estamos aproveitando com os minutos e as horas que perdíamos esperando o telefone dar sinal, apontando lápis, engraxando sapatos, esperando a TV esquentar, rebobinando fitas de VHS. Hoje, em um mundo mais rápido, tudo é instantâneo e era de se supor que esse tempo poupado seria investido em coisas mais úteis, prazerosas, enriquecedoras.

O livro não encontra respostas, mas a lembrança do tempo que ficávamos lavando cachorro, dando corda no relógio, escrevendo cartas, é deliciosa e incentiva a recordar outras atividades que desapareceram com a tecnologia e que, pensando bem, não eram tão chatas como imaginávamos.

Eu, por exemplo, me lembrei de nossa profissão quando comecei a trabalhar. Naquela época, produzir um simples anúncio para jornal pedia uma quantidade de providências e materiais. Os títulos eram escritos à mão por letristas especializados (“puxar letras” era o jargão). O corpo do texto (chamávamos de copy) era encomendado para uma gráfica que compunha letra por letra, para fazer o que era chamado de glacê. A ilustração ou foto era encomendada para os fornecedores externos. Horas ou dias depois chegavam, trazidos por mensageiros, os materiais: o glacê do copy, as letras do título, a ilustração ou a foto, as reproduções das marcas. Entrava em cena o montador que, munido de uma faquinha Olfa, ia recortando aqueles materiais todos e montava em um cartão besuntado de cola de sapateiro – essa mesma cola que os viciados cheiravam antes do advento do crack. Depois da arte-final montada, era coberta por uma folha de papel manteiga e enviada para a clicheria. Antes, porém, passava pelo revisor e pelo diretor de arte. Horas depois vinha o clichê, que era revisado e enviado para o jornal.

Naquele tempo jornal recebia anúncios no balcão, mesmo das grandes agências. A edição de domingo do Estadão, por exemplo, era fechada às cinco da tarde da sexta. Ou seja: as agências que quisessem entrar no jornalão de domingo deveriam entregar seus clichês até exatamente às cinco horas no balcão da rua Major Quedinho. Não havia tolerância. O diretor comercial do Estadão era um senhor chamado José Maria Homem de Montes, que não dava a menor colher de chá para anunciante nenhum.

Se uma agência reservasse um espaço no jornal e o boy não conseguisse chegar a tempo com o clichê, o espaço saía em branco com um texto: “espaço reservado para a agência tal”, e a fatura era expedida. E seria paga – uma agência sem crédito no Estadão, no Jornal do Brasil, no Correio da Manhã, na Folha, não existia.

Um comercial de TV filmado significava captar as imagens, revelar o filme, montar o copião na moviola, montar o negativo, colocar o som, fazer a primeira cópia, corrigir a cor, mandar para a “truca” para fazer os efeitos e colocar a assinatura. Tudo isso em 35 milímetros. Como a TV trabalhava com 16 milímetros, aprovada a cópia em 35 era preciso encomendar as “reduções” para aquela bitola. Uma cópia para cada inserção do dia. Ainda por cima era necessário encomendar os serviços de uma empresa chamada TV Fiscal, que conferia se a emissora transmitia o comercial nos horários comprados.

Havia no departamento de mídia da Thompson um cidadão chamado de Sr. Assunção, que andava de carro em todas as rodovias do Brasil para observar se os painéis de estrada eram devidamente exibidos. Estou falando sabe de que ano? Anos 60! Pouco mais do que anteontem.

Hoje podemos fazer um anúncio em duas horas, um comercial em menos que isso, e nem existem mais profissões como montador de anúncio, letrista, arte-finalista. Ganhamos tempo, diminuímos despesa com pessoal. Comemos em restaurante de comida por quilo em questão de minutos. Ninguém mais lava carro ou cachorro. Não fazemos mais leiautes, apresentamos no computador. Somos aparentemente mais eficientes.

Deus que me perdoe o lugar-comum. Mas estamos sendo mais felizes?