Errado. Não existe essa possibilidade, revista Exame. Ou existe marketing, de verdade, e marketing de verdade sustenta-se exclusivamente na verdade, ou é mentira e ponto. A comparação, a pergunta, é indevida, inoportuna, tosca, lamentável, sem o menor sentido e, a história por trás, mais triste ou pior ainda. Uma marca de sorvete que literalmente passa por um processo de derretimento acelerado: Diletto. Se alguma coisa consola nessa história absurda é que ao menos seus autores foram sinceros.

Todas as marcas legendárias e de qualidade pressupõem a existência de uma narrativa. De uma história inspiradora que determinou sua origem e que a mantém viva, lúdica, instigante, memorável, capaz de despertar paixão, adesão incondicional e converter clientes em apóstolos e disseminadores. Preachers! Como Diletto não tinha nada disso, seus criadores resolveram inventar.

Segundo Ana Luiza Leal, que assina a matéria de Exame, “A inspiração para criar os picolés veio do avô de Leandro (Leandro Scabin, fundador da Diletto), o italiano Vittorio Scabin. Sorveteiro da região do Vêneto, Vittorio usava frutas frescas e neve nas receitas até que a Segunda Guerra Mundial o forçou a buscar abrigo em São Paulo. Seu retrato e a foto do carro que usava para vender sorvetes aparecem nas embalagens de Diletto e ajudaram a construir a autenticidade da empresa – ‘La felicità è un gelato’ – costumava dizer o nonno Vittorio aos netos”. As pessoas compravam o picolé e o achavam fantástico embalado na narrativa fake, como agora veio a se saber.

De verdade, o avô de Leandro veio de Vêneto, mas se chamava Antônio e chegou ao Brasil duas décadas depois da Segunda Guerra. Jamais fabricou sorvetes. Era paisagista e cuidava dos jardins das casas das famílias ricas de São Paulo. Tudo – do carrinho às fotos – peças exclusivamente publicitárias. Que pena!

Em verdade não precisavam de nada disso. Identificaram um nicho num determinado momento – hoje abarrotado de concorrentes –, fabricavam e continuam fabricando um produto de qualidade, profissionais competentes cuidaram da identidade e do design, e a própria história dos jovens que deram origem à empresa era suficiente para uma narrativa convincente, mobilizadora e, acima de tudo, verdadeira. Desculpando-se, ou explicando, Leandro declarou a Ana Luiza: “A empresa não teria crescido tanto sem a história do avô e o conceito visual que construímos. Como eu convenceria um cliente a pagar oito reais num picolé desconhecido?”.

No final da matéria uma luz de sensibilidade e entendimento. De Mauricio Mota, sócio da agência de conteúdo The Alchemists: “Todo mundo tem uma história boa e verdadeira a contar. As empresas não precisam ser desonestas com seus clientes”. Apenas isso.

Mentira é mentira. Marketing é marketing. Onde existe marketing de verdade e de qualidade, a mentira é impossível.

* Entre em contato com o autor no email famadia@mmmkt.com.br.