Uma pesquisa recente do Google sobre o comportamento de consumo dos brasileiros mostrou que somente 35% dos pais respondentes se identificam com a imagem projetada pela publicidade.
O maior desafio é abandonar a imagem do provedor que ocupa um papel de coadjuvante na criação dos seus filhos, e a necessidade de incorporar a noção do pai protagonista, cuidador e presente. Os dois pontos costuram o debate crescente sobre a nova masculinidade, menos tóxica, que busca uma maior igualdade entre os gêneros.
O levantamento recente indica ainda que, para o futuro, eles querem ver nas campanhas publicitárias a imagem de um pai presente na vida dos filhos, que divide as responsabilidades da casa. A necessidade da representatividade de famílias também foi mencionada.
Talvez o futuro não seja tão futuro assim. Algumas marcas e campanhas para a data celebrada no domingo (11) já vão além da sazonalidade, com discussões pertinentes à paternidade de forma abrangente.
Um dos principais exemplos é a Casas Bahia, que aborda a questão do abandono parental. Ilca Sierra, diretora de marketing multicanal na Via Varejo, empresa que administra as marcas Casas Bahia e Pontofrio, lembra que no Brasil mais de 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na Certidão de Nascimento, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas essa não é a principal forma de abandono parental e a marca decidiu apostar no delicado tema.
“No processo de descoberta e investigação da sociedade à luz da data sazonal, vimos que há uma tensão maior e alguma marca poderia tirar essa história debaixo do tapete. Não é sempre muito confortável, até mesmo para coisas que são consenso, mas o abandono parental é pouquíssimo discutido. A Casas Bahia é uma marca presente na vida das pessoas, com uma relação afetiva, e queremos nos colocar nessa posição de trazer à tona o assunto e ser um agente de transformação num âmbito maior do que apenas do acesso ao bem de consumo”, comenta.
O filme criado pela Y&R conta a história real de um cliente que foi abandonado pelo pai aos três meses de idade, mas que sempre buscou entender a importância da figura paternal. O conteúdo mostra como o que aconteceu entre eles só tornou mais forte a vontade de ser um pai diferente e presente. “A Casas Bahia sempre teve uma fortaleza em contar histórias em datas importantes, mas não havia esta premissa de trazer à tona uma tensão cultural e social. A questão do abandono parental tem várias lentes. Uma delas é o autoconhecimento da criança, da sua origem e sua história. Essa iniciativa é um marco de uma nova era para nós”, adianta sobre o objetivo de levantar e apoiar causas importantes que fazem parte da vida de clientes.
O material destaca ainda serviços para o reconhecimento paterno de pessoas cujos documentos não têm o nome do pai, como o Programa Pai Presente, dos Tribunais de Justiça do Brasil, e o Programa Encontre seu pai, do Ministério Público do Estado de São Paulo em parceria com o Poupatempo.
O Mercado Livre também buscou nova abordagem para a data. Na campanha, um hamster procura o presente ideal para seu pai… um humano. Não porque o “gigante” é seu pai, mas porque o pequenino o vê assim. Criada pela GUT São Paulo, a comunicação mostra a plataforma como o local para encontrar lojas oficiais e o presente perfeito sem sair de casa. Mas com o tom de humor, muitas vezes “esquecido” nessas comunicações, além de alavancar as vendas, a estratégia indica que a paternidade é um conceito que pode e deve ser abordado sob um novo prisma.
Bruno Brux é executive creative diretor na agência, que já atendia a conta na América Latina e conquistou recentemente no Brasil. Ele comenta que a estratégia foi destacar muito mais as relações do que qualquer convenção.
A partir disso, a paternidade é mostrada como uma relação de afeto, cumplicidade, parceria e respeito na família, seja ela como for. “O posicionamento do Mercado Livre é O melhor está chegando, mas não só sobre a questão de entrega do e-commerce. É uma marca otimista, que acredita que o melhor está logo ali na frente. E nos preocupamos em dialogar com os novos formatos de famílias. O pai é quem está presente, que cuida e dá amor, independentemente de ser de sangue, ou de ser pai, porque pode ser tio, avô, amigo, irmão, e até de ser homem. O ratinho considera o humano pai dele”. O filme está performando 40% melhor que qualquer campanha já feita pela marca.
RELAÇÕES E EMOÇÕES
Também tendo como pano de fundo as relações, a varejista Renner escolheu exaltar os aprendizados que passam de pai para filho. A campanha veiculada na televisão e nas redes sociais toca na questão da terceira idade, e ressalta que desde os primeiros passos há incontáveis conhecimentos, hábitos e lições que os filhos aprendem observando e interagindo.
Cristina Maggi, gerente sênior de marketing corporativo da Lojas Renner, conta que a proposta de valor da Renner é ser a marca cúmplice da mulher, sem ser excludente, mas foi percebido um interesse cada vez maior do público masculino por moda, e a marca responde a essa demanda. “O crescimento da importância do Dia dos Pais no calendário da Renner é uma consequência disso. Nossa ideia é conversar com o público masculino também através de campanhas que tenham um viés emocional. Queremos mostrar que a emoção não está associada apenas à mulher, seja ela mãe, filha ou esposa”, diz. Tradicionalmente, a empresa baseia suas comunicações no storytelling, buscando inspirar as pessoas e gerar identificação e sensibilização. Por isso, a campanha tem cenas do cotidiano que evidenciam a passagem do tempo e os laços que resultam desta relação.
“Entendemos que os clientes precisam se sentir representados. Por isso valorizamos tanto a diversidade. Este ano trazemos a questão da terceira idade, nem sempre contemplada em peças de comunicação. Além disso, o vídeo, ao exibir cenas sensíveis de afeto entre pai e filho, contribui para a ideia de que o carinho e o cuidado não precisam ser características exclusivamente femininas. O homem tem conexão emocional e deve se sentir à vontade para demonstrar”, conta Cristina.
Essa naturalidade para expressar sentimentos é o ponto central da comunicação da Natura, que revelou em julho a campanha #homempra, criada pela DPZ&T. O filme integra o lançamento do documentário O Silêncio dos Homens, conteúdo em parceria com o Papo de Homem/Instituto PDH e Reserva.
Carolina Soutello, gerente global da Marca Natura, conta que o documentário parte de pesquisa com cerca de 40 mil pessoas, e entrevistas presenciais com homens e mulheres no Brasil. O primeiro eixo narrativo trata da investigação de como os meninos são criados e educados, e o que está sendo ensinado para essas crianças e adolescentes sobre a referência de ser homem. O segundo, sobre os obstáculos e anseios dos homens, e quais os comportamentos que já estão mudando. E o terceiro mostra os personagens e movimentos que representam as iniciativas de transformação do masculino.
“Entender a relação desses homens com seus corpos e a beleza, o modo como eles estabelecem suas relações mais próximas e com o mundo fazem muito sentido para nós. Não apenas para podermos entender suas necessidades de autocuidado para oferecer os melhores produtos, mas também para promover uma transformação com impacto positivo na sociedade, que é a ambição e essência da Natura”, diz.
Outra varejista também escolheu não falar apenas de preços ou de produtos específicos. Com o mote O Melhor Pai do Mundo, a lente usada pela C&A foi o conceito de que ser pai é voltar à própria infância. As peças enfatizam a celebração da vida ao ar livre, reforçando relações mais reais e menos virtuais, resgatando brincadeiras como pipa, taco, queimada e corrida de saco. O mesmo fez a Saraiva, que ressalta os micromomentos. A estratégia é reforçar as relações e ressaltar que a rede tem produtos para os momentos de estreitamento de laços entre pais e filhos, seja lendo, jogando, brincando ou assistindo um filme, por exemplo. Para a empresa, o discurso conversa com essa pluralidade de características paternas e busca valorizar a relação pai e filho. Além disso, essa evolução só traz benefícios, gerando conexão e legitimidade entre marca e público.
Na mesma direção, Carolina, da Natura, lembra que a empresa tem produtos para os homens desde 1979, e acredita que está nas relações o poder de transformação. “Tem tudo a ver com paternidade. Para o homem, acostumado a não falar sobre os seus sentimentos e os seus problemas, a paternidade é o momento de vulnerabilidade em que ele está mais aberto a repensar. Quando se depara com o desafio de criar e educar outra pessoa, existe o questionamento se ele quer passar para frente o que aprendeu”, afirma.