O especialista americano em marcas David A. Aaker disse em seu livro “Branding: 20 principles that drive success” que a escolha das empresas se resume a construir marcas ou administrar commodities. Ele dá exemplos variados de players que, mesmo em categorias de dificílima diferenciação, como sal, resistiram à tentação de permanecer no plano do commodity posicionado por preço, e decidiram construir marcas. Outro guru do marketing, Tom Peters, costuma dizer que apenas os tolos se mantêm focados em preço em um mercado cada vez mais lotado. “Vencedores darão um jeito de criar valor na mente dos consumidores”, afirma.
É uma espécie de “escolha de Sofia” para algumas marcas. Hoje, produtos que no passado não pensavam em divulgar suas marcas, como carnes e pescados, buscam sua voz e brigam por espaço e credibilidade junto a um consumidor bombardeado por informações sobre procedência dos alimentos e alimentação saudável, por exemplo.
Por outro lado, categorias onde antes havia maior diferenciação – como shopping centers; universidades; mercado imobiliário; turismo; cursos de línguas; supermercados e varejistas de eletroeletrônicos – tornam-se cada vez mais comoditizadas pelo excesso de ofertas muito semelhantes. Especialista em marcas, Jaime Troiano, do Grupo Troiano de Branding, acredita que commodities são fontes de valor, de receita e de riqueza, e que muitas vezes os profissionais de branding “puxam demais a corda” para transformar tudo em marcas, contra a vocação de commodities de muitas áreas de negócios.
Como saber?
“A questão é: o esforço e os investimentos para fazer essa transformação, de commodity em marca, valem sempre a pena? Tenho minhas dúvidas. Será que algumas vezes essa iniciativa não é apenas fruto de vaidade corporativa, muito mais do que de um pensamento autêntico e objetivo de negócios?”, questiona Troiano.
De fato, essa é uma pergunta que deve estar na cabeça dos gestores de marcas. Para Troiano, a decisão de construir uma marca depende essencialmente de três coisas. A primeira é o interesse estratégico da organização em participar de um novo território onde ela, normalmente, não tem a necessária expertise. Depende, também, de estar ou não em uma área completamente avessa a branding, como mineração, por exemplo. E depende ainda de contar com profissionais com formação em branding para tocar o projeto – pois o profissional de commodities tem formação distinta da necessária.
Mariana Carvalho, diretora de produto da Ancar Ivanhoe, proprietária e gestora de cerca de 22 shopping centers pelo Brasil, reconhece que este é um segmento principalmente conservador, de mudanças lentas, muitas vezes desproporcionais à rapidez das mudanças de comportamento do consumidor. Mas no qual construir marca é imprescindível.
“Marca envolve a construção de relações, interações, pertencimento, reputação, comunicação. Um shopping pode ser enxergado apenas como um agrupamento de lojas, ou como um produto muito maior, de interação social, que carrega uma porção de características que permitem este tipo de trabalho”, diz, lembrando que é preciso quebrar regras do segmento e sair do lugar comum. E para conseguir isso, a melhor maneira é conhecer profundamente o produto e sua região, e entender o que pode fazer a diferença naquele mercado: um “mergulho” comportamental.
“Muitas vezes, existe o pensamento de que é mais fácil fazer o trivial do que trazer a inovação. Na Ancar Ivanhoe, temos feito vários novos experimentos e a resposta tem sido muito boa”, afirma a executiva, que acredita inclusive que a marca institucional dos shoppings deve ser trabalhada junto ao consumidor final. No final do dia, no entanto, o que realmente faz a diferença é a experiência das pessoas no estabelecimento. Este é o verdadeiro produto oferecido. “E todos os pontos de contato precisam estar afinados. É a entrega do conforto, bem-estar, atendimento, mix, conveniência e experiência. Enfim, é como se cada um destes fosse o instrumento de uma orquestra. Quando um desafina, coloca todo o trabalho a perder.”
É Friboi?
Um dos casos mais emblemáticos de saída da categoria de commodity foi o da Friboi, que no ano passado pôs em prática o projeto de construir uma marca de carne “popular e simpática”, com a ajuda de um forte investimento em marketing e a chancela do carismático ator Tony Ramos. A marca é líder, com 25% do mercado. A segunda colocada tem apenas 8% em um cenário marcado pela informalidade e repleto de oportunidades, onde se consome anualmente 35 quilos per capita. O Brasil é o segundo maior mercado de carnes em volume depois dos Estados Unidos. Troiano considera a iniciativa corajosa, mas provoca: “A pergunta é o quanto esse volume de investimentos criou uma marca que vai se sustentar ou se ela está sendo inflada, refém eterna de muita propaganda”, indaga.
Márcio Oliveira, presidente da Lew’LaraTBWA, agência responsável pela comunicação da Friboi, diz que a decisão de se manter na “confortável” posição de commodity passa, muitas vezes, pela inércia e pela preguiça. “Muitas vezes as vendas estão boas, e um produto vende de qualquer maneira, tenha ele uma marca reconhecida ou não. A questão é que produtos commodities têm, em geral, margens baixas. O valor da marca agrega ao preço e traz, consequentemente, lucro maior. O que a Friboi fez, na realidade, foi começar a educar o mercado, ensiná-lo algo novo sobre o valor e a origem da carne, algo que apenas marcas muito premium faziam”, diz.
Educar exige, portanto, muito investimento. Voltando à Friboi, a marca colocou isso em prática ao investir um valor fora dos padrões publicitários brasileiros para ter o cantor Roberto Carlos em sua comunicação – estratégia que acabou não sendo tão feliz. Segundo fontes do propmark, em uma reportagem recente, por barreiras criadas pelo próprio artista.
Já um estudo realizado pela Harvard, aponta que um hábito para ser mudado exige que se repita algo no mínimo 66 vezes. Ou seja: “Dá-lhe frequência, dá-lhe repetição”. E um discurso didático. Como trata-se, ainda, de uma categoria nova entre os anunciantes, Oliveira comenta que muitos veículos deram descontos importantes para ajudar a viabilizar a empreitada. Afinal, que veículo não tem interesse na formação de uma nova categoria de anunciante? “A intenção dos acionistas da Friboi era, essencialmente, agregar valor ao produto da marca. Diferenciá-la das outras carnes. Os resultados mostram que optaram pelo caminho certo. Hoje a Friboi custa cerca de 10% mais que no início do processo”, conta.
Mas também há problemas no processo. Um deles é enfrentar as reclamações dos consumidores. Afinal, a marca agora existe, tem nome, endereço, contato. E no vasto mundo das carnes e seus mais variados pontos de vendas, é impossível controlar todos os cortes, todo o manuseio. “Entrar no jogo das marcas é isso. E desde então, outras sete marcas já iniciaram movimentos para se diferenciar. A Friboi abriu o mercado, desbravou. O papel do líder é, naturalmente, mais duro”, comenta Oliveira.
Para ele, não há caso em que não valha à pena investir em branding. O que se deve é buscar novas maneiras de fazer isso, levando em consideração que as pessoas mudaram o jeito de consumir mídia.
Outra marca de carnes, hambúrgueres e embutidos chamada Grã Filé também iniciou, ainda que com verba bem mais modesta que a Friboi, a busca por um posicionamento e uma personalidade dentro de um universo árido em diferenciais perceptíveis. “Sumir na paisagem ajuda o líder. E a comunicação sem personalidade pode vender a categoria. Não correr riscos na comunicação é o maior risco que uma marca pode correr”, comenta o sócio e diretor de criação da 11:21, Gustavo Bastos, que optou por uma campanha totalmente fora dos padrões. Uma propaganda que parece “mal feita”, que apresenta uma marca que tem 40 anos de mercado e brinca com o fato de nunca ter anunciado justamente porque seu forte não é propaganda e sim o produto. Comerciais sem cenas de consumo, mostrando o produto fumegante na frigideira, apresentavam os donos da empresa de um jeito divertido, lendo seus textos, escancarando sua falta de traquejo diante das câmeras. “A campanha explodiu nas redes sociais. Ganhamos share of mind no Nielsen, ficando em segundo lugar, à frente da Perdigão. Viramos documentários universitários, fomos indicados para prêmios como o Profissionais do Ano, da Rede Globo. Para uma marca pequena em um mercado comoditizado foi uma vitória em todos os campos de briga”, conclui Bastos.
As marcas de pescados congelados Frescatto e Buona Pesca (do fabricante frigorífico Jaú) decidiram começar a construção de marca por um meticuloso trabalho com arquitetura de marca, universo visual e verbal, assinados pela Ana Couto Branding. A categoria também é fortemente comoditizada e briga com o hábito do brasileiro de comprar peixes em feiras livres, por exemplo, e valorizar bastante o produto fresco no lugar do congelado. No Brasil, em pescados, a marca está sendo pioneira. Fora do Brasil, o hábito de comprar peixes congelados é mais forte e há diversas marcas estabelecidas.
Após um ano de trabalho e mais 30 entrevistas realizadas, a arquitetura e o portfólio de produtos foram reestruturados. Foi criada uma marca corporativa: a Frescatto Company, com suas marcas de produto Buona Pesca e Frescatto. Três marcas diferentes, cada qual com sua personalidade. Frescatto é a linha premium que estimula o lado gourmet daqueles que já compram congelados. Buona Pesca é a porta de entrada dos pescados na mesa do brasileiro – deve ser acessível, é mais didática e associada à praticidade para o dia a dia. A Ana Couto cuidou dos sites, dos materiais corporativos e, principalmente, das embalagens nos pontos de vendas. E cuidará, futuramente, da comunicação interna e externa.
Natalia Gallucci, gerente de estratégia da Ana Couto Branding, diz que, como a Friboi, a marca Frescatto sente-se no papel de educar o mercado brasileiro, pois há muito desconhecimento em torno do valor nutritivo do peixe congelado, por exemplo. Amadorismo e preconceitos sempre foram barreiras importantes, e como o maior asset da empresa era a marca Frescatto, já associada a qualidade, tomou-se a decisão de investir principalmente nela. O conceito em torno do trabalho é “Onda de saúde, maré de sabor”. Nas embalagens, cores características e informações sobre como descongelar e preparar seu peixe. Materiais, cores, tudo tem objetivo de remeter à percepção de sabor e saúde. “Acreditamos que quando entrar a comunicação, o consumidor já estará mais familiarizado com a marca, intensamente trabalhada nos pontos de vendas”, ressalta Natália.