O mês de junho marca as celebrações do Orgulho LGBT+ e, em diversos países, uma série de atividades culturais e políticas são realizadas como forma de resistência e luta por direitos e aceitação. A data é também uma oportunidade para o aquecimento do mercado, já que as marcas lançam coleções e promovem ativações alusivas ao público LGBT+.
Neste ano, a 23ª edição da Parada do Orgulho, que reuniu mais de três milhões de pessoas em São Paulo no último domingo (23), gerou cerca de dois mil empregos, contou com patrocínio do Burger King, Uber, Amstel e Avon, além de uma longa lista de apoiadores.
De acordo com Renato Vicerbo, VP da APOGLBT, ONG que organiza o desfile, a relação com as marcas é importante, mas é preciso ter cuidado para que o apoio à causa seja genuíno. “A gente tem o cuidado de não colocar uma marca [na parada] simplesmente por colocar. Precisa ter um trabalho por trás. Hoje, todas que estão conosco têm um pilar de diversidade”, afirma.
Para Fábio Mariano, especialista em comportamento de consumo e professor da ESPM, é preciso ter cautela e não exigir comprometimento, mas sim coerência das marcas. “Precisamos ter calma, senão vamos exigir que as empresas estejam comprometidas com o Natal, com as mães, ou então, não podem fazer campanhas nessas datas. A gente aprendeu que junho aquece em vendas. Nossa parada é a maior do mundo e move comércio, turismo e o setor de serviços. A Parada LGBT é um momento para as marcas celebrarem, remeterem à causa e isso é muito bem-vindo. No entanto, é horrível quando elas não têm afinidade com a diversidade e daí resolvem fazer algo disso”, aponta.
“Eu acho muito legal quando uma marca faz uma ação, vou citar o exemplo do Burger King, que vai reverter parte do seu lucro com o Shake para a Casa 1. É legal quando ela consegue ir além do arco-íris e se envolve não só para aparecer apoiando”, avalia Pedro HMC, ex-roteirista do programa Amor & Sexo, da Globo, e responsável pelo Canal Põe na Roda.
Poder de consumo
Um levantamento da assessoria corporativa LGBT Capital demonstrou que o poder de consumo do público LGBT+, em 2018, girou em torno de US$ 3,6 trilhões no mundo. Somente no Brasil, estima-se que a movimentação tenha chegado próxima de US$ 107 bilhões.
“O mercado publicitário entendeu que o público LGBT é muito relevante, que proporcionalmente consome mais, na média, que o público hétero cisgênero, que viaja mais e aquece os mercados de turismo e festas. E isso traz muito dinheiro”, avalia HMC.
De acordo com Mariano, dados como estes desconsideram parte da comunidade. “Essas cifras excluem pessoas pobres, abertas, travestis e transgêneros, por exemplo. Quando a gente vê este volume de faturamento, automaticamente remetemos ao estereótipo de uma pessoa homoafetiva rica, branca e estudada.”
“Não é que este número seja falso, mas ele esconde bastidores como a característica sociopolítica do país e o empoderamento comercial. O público LGBT aprendeu que um dos passes para ser aceito na sociedade era justamente o poder financeiro e o capital cultural. […] É claro que entretenimento e viagens sempre terão potenciais maior junto ao público LGBT, que em sua maioria ainda não tem filhos e a renda é para uso próprio”, diz. Para o professor, a publicidade acaba reforçando esse lugar- -comum, ao dar visibilidade à causa, sem se preocupar com a representatividade.
“Qual é o papel do LGBT na propaganda, como ele aparece? Não me lembro de ver um comercial no Brasil onde há um pai homoafetivo. No Dia dos Pais, o que se faz? Ele está ali mascarado, tem vários exemplos de pai e o pai gay. No Dia das Mães, a mesma coisa, assim como no Dia dos Namorados. Essa representatividade está muito longe, o público LGBT, por enquanto, é coadjuvante e aparece discretamente. A publicidade precisa deixar de apresentar este público como ‘é LGBT, mas é distinto’ e mostrar, de fato, o que é uma família ou uma pessoa LGBT”, finaliza.