A presença das marcas nas comunidades não chega a dez anos. Mas as quebradas já atraem um investimento de mídia que hoje movimenta algo em torno de R$ 50 milhões. O mini outdoor comunitário é o dono do pedaço. “Temos 75% de share no Brasil e mais de quatro mil painéis colados em favelas de todo o país, veiculando mais de 20 campanhas”, informa Leonardo Ribeiro, CEO da Favela Holding, fundada em 2012 por Celso Athayde, idealizador da Central Única das Favelas (Cufa).
No mesmo ano, Emilia Rabello montou o Outdoor Social, que totaliza a instalação de 79.654 faces de 371 campanhas que beneficiaram 37.350 famílias. A empresa gera renda local alugando os muros das residências dos moradores das favelas para a divulgação das marcas, que passaram a entender a potência econômica desses territórios.
“Enxerguei o formato que melhor combinava com as comunidades brasileiras e criei o Outdoor Social, veículo de mídia OOH, pioneiro em comunicação com as favelas brasileiras”, recorda Emilia Rabello, fundadora do Outdoor Social. Segundo pesquisas da empresa, as favelas brasileiras têm um potencial de consumo anual de R$ 159 bilhões.
Na estimativa do Data Favela, instituto de pesquisa da Favela Holding, o poder de compra é de aproximadamente R$ 120 bilhões ao ano, considerando cerca de 14 milhões de moradores de favelas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O empreendedorismo também é estimulado. “O Outdoor Social colabora para o ressignificado do termo favelado. É preciso entender que a favela é uma parte da cidade, sendo apenas o resultado de um déficit habitacional”, pontua Emilia. O Outdoor Social criou o NoFluxxo, rede wi-fi gratuita nas favelas, que segue em expansão nacionalmente. Também opera com o Outdoor Social Inteligência, instituto de pesquisa voltado para a classe C. Em 2020, lançou o Bora Testar, programa de testagem em massa gratuito de doenças, inclusive da Covid-19. Telefonia, educação e setor bancário são os seus principais anunciantes.
Já a Favela Holding trabalha com a Comunidade Door. Presente em mais de cinco mil favelas, a empresa atua também como rede de rádio comunitária e carros de som. TV Globo, Band, Uber, Facebook, O Boticário, Santander, Itaú, Grupo Kroton, Coca-Cola, Claro, Caixa Econômica Federal e Petrobras estão entre as empresas atendidas, além de ministérios, governos e prefeituras interessados na divulgação de campanhas de utilidade pública.
A rede wi-fi Favela On também garante conexão ao usuário que concorda em assistir a um anúncio, enquanto a Digital Favela, lançada em agosto de 2020, trabalha com microinfluenciadores. “Existe uma alta procura pela entrada das marcas nestes territórios. São o topo da pirâmide de anunciantes do país em busca dos parceiros digitais ideias para se comunicarem através desses interlocutores da forma mais verdadeira e efetiva possível”, observa Celso Athayde, co-CEO da Digital Favela ao lado de Guilherme Pierri.
A Favela Holding ainda inclui a agência In Favela, que analisa a linguagem das campanhas criando spots, peças e produzindo cenários para a produção dos materiais. “Só levamos para os territórios o que julgamos importante para a favela. Quando moradores alugam seus muros e veiculam spots em seus carros de som e rádios comunitárias com a mensagem e a linguagem correta, a informação passa a ter valor”, constata Ribeiro.
A parceria com as agências torna o trabalho ainda mais assertivo. “Estamos avançando com as operações na área internacional. O nosso próximo voo é para República de Camarões e países da África”, conta Ribeiro, que trabalha hoje com Africa, Suno, Ogilvy, Agência Nacional, Calia, Propeg, Lew’Lara\TBWA, WMcCann, Acessooh, novasb, opus multipla, ideia 3, Três Meios, Artplan, VMLY&R, Binder, CC&P e Fields 360, entre outras.
Na boca do povo
Com o investimento em anúncios nas comunidades, as marcas abrem novos horizontes capazes de gerar transformação social. “Vimos a oportunidade de juntar uma comunicação inovadora que traria muitos benefícios a diversas pessoas impactadas diretamente pela pandemia e pelo agravamento da situação econômica e social do país”, diz Ana Paula Castello Branco, diretora de comunicação e marca da TIM Brasil.
A executiva lembra que a comunidade distribui, transporta e recicla os painéis instalados. Atualmente, a operadora possui 45 placas fixadas somente no Rio de Janeiro. Em todo o país, são cerca de 200 painéis espalhados pelas cidades de Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Fortaleza (CE), Recife (PE), João Pessoa (PB) e Belém (PA).
A agência responsável pela criação dos outdoors é a BETC Havas. Dependendo da localidade, a TIM recorre às parceiras Outdoor Social e Altermark. Além de remunerar pela instalação do painel, a companhia também doou cestas básicas para moradores e para o G10, grupo que reúne as dez maiores favelas do país. “Programas assim permitem que se mantenha girando a roda da microeconomia local”, destaca Ana Paula.
Do meio digital, vem o exemplo do TikTok. “Queremos inspirar criadores de diferentes comunidades de todo o Brasil para que possam se expressar, tenham voz e tragam qualquer assunto que enriqueça a sociedade”, declara Handemba Mutana, diretor do TikTok For Good no Brasil, que criou a ação #MinhaVozImporta com transmissões, desafios e lives durante o mês da Consciência Negra, em novembro do ano passado.
Para promover workshops de 20 talentosos criadores, a platafoma fechou estratégia com a Digital Favela, que em menos de dez meses de operação atraiu cem marcas, como Santander, Claro, Facebook, CCR, Ambev, Pernambucanas, Nestlé e Reckit, entre outras. A Claro, por exemplo, iniciou um projeto em duas comunidades no Rio de Janeiro e duas no Espírito Santo, para promover o seu novo plano pré-pago.
“Os resultados foram surpreendentes, trazendo aproximadamente dez mil novos fãs para a página da marca, que já renovou o contrato”, frisa Guilherme Pierri, co-CEO da Digital Favela. A nova investida da empresa integra cerca de 500 criadores de conteúdo indígenas à sua base de 6,5 mil influenciadores de mais de três mil favelas de todo o Brasil.
“Somos responsáveis por levar nossa cultura aos brasileiros. A linguagem digital nos aproxima e ajuda a quebrar fronteiras e tabus”, comenta o microinfluenciador comunitário Tukumã Pataxó. Centenas de povos com dezenas de dialetos formam um terreno fértil para a geração de conteúdos capazes de mostrar tradições milenares.
Mas a luta também é por acesso. “As marcas não podem esquecer que a gente usa roupa, tem celular, tem carro e consome produtos de beleza. Também estamos em busca de acesso a serviços e produtos que facilitem a vida em nossas aldeias”, ressalta o porta-voz do projeto.
O relacionamento com as favelas permite que as empresas ampliem o seu ecossistema de comunicação, aproximando-as de “uma grande parcela da população até então não acessada e não representada por nenhuma marca”, indica Celso Athayde. Além da inclusão de influenciadores indígenas, o executivo planeja o lançamento de uma network exclusiva de comunidades construída a partir de criadores com poder de geração de audiência.