Além de um monitor com boa resolução, um mouse com resposta rápida e um teclado mecânico, um bom gamer precisa, como qualquer ser humano, de um bom carro, alimentação, roupas, fazer a barba etc. Seguindo essa lógica, é cada vez maior a adesão de marcas não endêmicas ao universo dos games.
“Hoje, são as marcas que precisam estar nos games e não os gamers que precisam das marcas lá”, explica Letícia Arslanian, chief growth officer da Ogilvy Brasil, agência responsável pela campanha É Mais Sabor. É Nível Fanta. A comunicação colocou a marca dentro do universo do jogo Fortnite com um mapa exclusivo. A ação foi criada em parceria com a holding BBL.
“A presença da marca faz sentido se for algo natural, que faça parte do jeito e da linguagem do jogo. Não pode soar ou ser oportunista”, explica Thaís Frazão, chief growth e head of brand strategy da agência.
Não é tarefa fácil. O universo gamer é subdividido em pequenos mundos. No “mundo” do Fortnite, por exemplo, dizer que alguém está pelado não significa que a pessoa está nua, mas sim que está com a skin padrão do jogo. Já no Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), novos verbos nasceram, como flashar e bangar, termos que traduzem o lançamento de uma granada de atordoamento. Em ambos os jogos, a expressão GG não se refere ao tamanho de roupa, mas a uma partida divertida e bem jogada (abreviação da expressão “good game”).
“O principal desafio para qualquer marca ao se aproximar de uma nova audiência, não só de games e eSports, é conquistar o conhecimento, e autenticidade necessários para conversar na mesma língua do seu target”, analisa Beto Vides, sócio e diretor-executivo da eBrainz, agência que desenvolve soluções de publicidade para empresas interessadas no cenário.
“Especificamente nesse universo, a barreira a ser transposta exige mais atenção devido à pluralidade e à infinidade de microuniversos inseridos dentro de um contexto maior de games; são centenas de jogos diferentes, com públicos e embaixadores distintos, expressões e contextos diferentes e plataformas distintas, que se correlacionam entre si e possuem a própria percepção e identidade como comunidades”, comenta. O especialista faz uma analogia: comparando com outras categorias, compreender os games significa muito menos “entender de futebol”, e muito mais “entender todos os detalhes das Olimpíadas e seus esportes”.
Se uma marca quer conversar com este público, há uma estratégia para cada um deles ou um planejamento amplo também funciona? Para Renato Voltarelli, diretor-geral da Webedia Gaming, as duas opções são bem-vindas. “Desde que atuem de forma correta com as comunidades. Mesmo em iniciativas separadas por jogos, é possível encontrar formas de trazer marcas que atuem com relevância e impacto. Também é possível, de forma mais generalista, reconhecer o empenho de uma marca que procura se aproximar de todos territórios de eSports, desde que transmita os valores que a comunidade busca compartilhar”, ensina.
“As marcas não endêmicas conseguem se aproximar de um público que não está fidelizado, ávido por um consumo e conteúdo que tenha relevância para o universo de eSports”, comenta Voltarelli.
O diretor alerta: as marcas precisam atuar com propriedade, utilizando-se de atributos que não sejam vistos como oportunismo. “Precisam trazer relevância para o público e não atuar de maneira simplista, focada apenas numa atividade ou campanha comercial”, elucida.
A paiN Gaming é acostumada a ações com marcas não endêmicas. A equipe brasileira de esportes eletrônicos possui times que disputam League of Legends (LOL), Dota 2, CS: GO (masculino e feminino), Clash Royale e Free Fire. Recentemente, a equipe fez uma parceria com a BMW do Brasil. O objetivo foi promover aspectos comuns às duas marcas: inovação, tecnologia e alta performance.
“As marcas precisam ser orientadas a entrar na comunidade de forma legítima”, orienta Allan Fernandes, VP comercial e de marketing da paiN Gaming. Para o especialista, é preciso que o público tenha a visão que a marca está apoiando o cenário e “não se aproveitando” dele. “Aqui na paiN, fazemos um trabalho de consultoria, sempre apresentando nossos patrocinadores com um storytelling que faça sentido. No caso da Coca-Cola, por exemplo, a campanha publicitária é sobre dar um gás para as pessoas realizarem os seus sonhos. Com isso em mente, aproveitamos o momento do nosso time de LOL que foi campeão do Circuito Desafiante (2ª divisão do Campeonato Brasileiro de League of Legends) e voltou para o CBLOL, para ‘amarrar’ o lançamento da Coca-Cola como nosso patrocinador. Criamos um vídeo onde a marca ‘dá um gás’ para a paiN voltar para a elite do League of Legends brasileiro”, exemplifica.
ROI
Se há investimento, é preciso retorno. O case de Ogilvy de Fanta no Fortnite trouxe esse embate. “Esse é o desafio de fazer algo nunca feito antes. É um projeto pioneiro, num território não explorado, por isso ainda não temos benchmarks. Mas o mapa existe para fazer o target se engajar mais e positivamente com a marca, vivendo assim uma experiência Nível Fanta. Nesse sentido, nossa busca aqui é por engajamento positivo, ou seja, pessoas jogando e comentando positivamente sobre o mapa”, analisa Letícia.
“Vimos com a BBL a oportunidade de fazer o primeiro mapa de marca no modo criativo do Fortnite, um dos jogos mais jogados do mundo. Nosso principal desafio foi entender como engajar essa galera para jogar nesse modo, afinal a gente compete com a atenção e a propriedade do game em si. Fizemos a ‘divulgação’ disso por meio dos nossos 4 principais influenciadores da marca e 4 grandes influenciadores gamers, com lives no Facebook gaming (acompanhando a tendência do mercado atual de streaming no BR). A resposta qualitativa geral do público, vista nos comentários, vem sendo bem divertida e positiva. Mais de 90% de comentários positivos, que seguem crescendo. Estamos coletando isso pra um report final”, resume Thaís, também da Ogilvy.
“Não existe segredo ou fórmula mágica para calcular o ROI, subtraia o custo do projeto do valor equivalente gerado para obter o ganho líquido do patrocínio”, instrui Vides, da eBrainz.
Segundo o especialista, um projeto neste segmento geralmente envolve multicanais e plataformas, com audiências entre 18 e 34 anos que provavelmente seguem os mesmos canais em várias plataformas. “Os KPIs tradicionais como espectadores únicos, seguidores e outros podem não ser os mais inteligentes para avaliar o envolvimento desse tipo de mídia e público-alvo. Felizmente hoje dispomos de ferramentas e softwares específicos que conseguem combinar a valoração e a rentabilidade da exposição da marca através de diversas plataformas com seus formatos específicos, desde a simples postagem à aparição do logo no ombro do uniforme durante uma transmissão”, revela o diretor-executivo.
“É importante explorar como e quando um espectador se envolve com cada uma dessas plataformas ao longo de um único fluxo de comunicação, em vez de considerar que mais contas são uma ameaça ao envolvimento geral. Para vídeo, medir a duração das visualizações ainda é uma métrica confiável”, explica.