Quando alguém revela o plano de abandonar ou dar uma pausa na carreira, saindo da zona de conforto, a primeira reação da grande maioria das pessoas é dizer: “que loucura!”. Em seguida, desejam boa sorte. No entanto, algumas empresas estão fazendo muito mais do que torcer para que essas aventuras somente terminem bem e, longe de classificar como maluquice, visualizam oportunidades para criar empatia com um público cada vez mais adepto a esportes e produtos menos convencionais.
Há aproximadamente cinco meses, o publicitário Rodrigo Cisman optou por sair de uma agência onde trabalhava como redator para realizar um projeto pessoal, o “Projeto Bike América”, que consiste em percorrer as cidades litorâneas da América Latina, do Brasil ao México, usando uma bicicleta como meio de transporte. Ao invés de rotular o aventureiro como “bicho grilo” e outros nomes dados a pessoas que buscam estilos de vida diferentes, algumas marcas concluíram que a ideia de Cisman tinha tudo a ver com a proposta de marketing dos produtos e estão apoiando a iniciativa.
“Cada empresa oferece o que pode, desde equipamentos e serviços a patrocínios financeiros. Uma agência online, por exemplo, pode se interessar em fazer as análises dos tráfegos das redes sociais. Uma bicicletaria ou montadora de bike pode patrocinar com reposição de peças”, explica Cisman, que não sabe exatamente quanto tempo durará a viagem, mas prevê, no mínimo, dois anos pedalando nas estradas do continente.
Entre as empresas que acreditaram no projeto do publicitário aventureiro está a Proativa 21, dona das marcas Azteq, de acessório de camping, das mochilas Deuter, garrafinhas Camelbak e da Sea To Summit, que reúne produtos como sacos estanques e toalhas ultra-absorventes – equipamentos que se enquadram no perfil de viagem de Cisman, mais em contato com a natureza. Segundo o representante de marketing da empresa, Marcus Vieira, “o simples fato de ele usar os produtos em campo gera um ciclo virtuoso, pois ele tende a transmitir sua experiência adiante. Aí está a divulgação, pois como acreditamos nas marcas que trabalhamos, a experiência dele vai ser ótima e essa informação será transmitida”.
O “Bike América” conta ainda com o apoio de outras cinco empresas: Kampa (redes para dormir e descansar), Notiluca (fábrica de óculos de madeira feitos à mão), Levorin (maior no Brasil em pneus para moto e bicicleta), Arara Una (equipamentos de bicicletas) e Bela Azul (operadora de mergulho onde Cisman se encontra atualmente recebendo treinamento e alimentação em troca de trabalho). Fora as marcas, o designer Matheus Arid contribuiu com a criação do símbolo, identidade visual, site e blog do projeto, o que facilita a abertura de portas nas empresas.
Como retorno, Cisman oferece geração de conteúdos com qualidade – textos, fotos e vídeos – que são publicados nas redes sociais e no site do Projeto Bike América, além de mídia espontânea gerada a partir de entrevistas e reportagens na imprensa – emissoras de televisão, sites, revistas e jornais têm procurado o personagem para matérias com frequência. A maioria dos patrocínios são pontuais e podem ser aceitos a qualquer momento da viagem. Com a repercussão positiva dos primeiros meses, o publicitário espera ser procurado por novas marcas e tem a expectativa de uma proposta que invista financeiramente no projeto, já que ele vem usando recursos próprios economizados durante os anos em que trabalhou em agências de propaganda.
“Eu já estava disposto a realizar esse sonho com ou sem a ajuda de empresas e me preparei bem. Porém, contar com apoios e patrocínios me ajudam a chegar mais longe. Criam um vínculo e fazem a gente acreditar que marcas não olham pra gente apenas como consumidores, mas sim como pessoas que podem fazer coisas extraordinárias com os produtos que fabricam”, diz Cisman.
Publicitário critica a profissão
Cisman revela que uma das motivações do “Projeto Bike América” foi a desilusão com a rotina da profissão de publicitário. “Quando comecei a estudar, já sabia que queria ser redator. Porém, imaginava que a área de criação tinha mais liberdade para trabalhar. Nem tanto no que diz respeito à liberdade criativa. Me refiro à busca de informações e pesquisa mesmo. Não concordo com pessoas criando em frente a um computador durante oito, dez, doze horas por dia. A internet é usada como fonte de referência, pesquisa, informação e inspiração. Na minha concepção, isso está errado”.
Segundo o redator, os profissionais deveriam conhecer melhor os produtos que divulgam, sair mais das agências. “Uma dupla que vai fazer um anúncio sobre o lançamento de um carro, por exemplo, tem que conhecer o carro, dar uma volta nele, conversar com o engenheiro, com os peões da fábrica, ter acesso às pesquisas quantitativas e qualitativas realizadas. Tudo isso fora da agência. Reunião de brainstorm depois de uma busca no Google não vai funcionar como deveria. Um bom profissional conseguirá criar uma boa comunicação mesmo sem gostar do produto ou serviço, mas não é a mesma coisa”.
“Essa liberdade, que eu não tinha, é o que encontrei no projeto”, diz Cisman, que, além de pedalar muito, está se preparando para fazer expedições de mergulho e passar por escolas públicas com o objetivo de conscientizar crianças sobre temas relacionados ao meio ambiente.
Casal aventura
Rodrigo Cisman não é o único aventureiro que chama a atenção de marcas que procuram engajar as pessoas por meio de grandes histórias. Na última semana, o site líder nacional no segmento de turismo Hotel Urbano anunciou o patrocínio ao projeto “Travel and Share – Uma volta ao mundo”, do casal Mirella Rabelo e Rômulo Wolff, que abandonaram empregos em grandes multinacionais para realizar o sonho de viajar pelo planeta. Com apoio também de Samsung e Walmart.com, os dois pretendem viajar por pelo menos dois anos e passar por 50 países.
O Hotel Urbano, que está ajudando financeiramente o casal, estará presente durante a viagem por meio de vídeos e fotos que os mochileiros vão postar em seus perfis no Instagram, Facebook, Youtube e blog. Além disso, a própria empresa, que tem 12 milhões de fãs no Facebook, publicará o dia a dia e as experiências da trip de Rômulo e Mirella. O Walmart.com pretende fazer o mesmo. Já a Samsung fornecerá smart câmeras para registrar as paisagens e momentos.
De acordo com a diretora de marketing do Hotel Urbano, Priscilla Erthal, o patrocínio inusitado tem tudo a ver com o perfil da companhia e visa mostrar ao cliente as vantagens de viajar. “Achamos que o projeto tem sinergia e representa os pilares da nossa marca. Lida com o sonho, o que pra gente é muito importante. Mostrar para pessoas comuns que viajar é bom, que deixa um legado que a gente nunca esquece. Linkar a marca com isso entra muito bem”, diz.