“Marketing é importante demais para ser deixado a cargo do departamento de marketing”. A frase de David Packard, fundador da Hewlett-Packard, é uma máxima que sintetiza a grandeza da área. Muito do que acontece fora do guarda-chuva marqueteiro influencia diretamente o setor. Principalmente quando se trata dos funcionários de uma empresa.
O caso Carrefour aqueceu a discussão. Dois seguranças agrediram um rapaz até a morte. Enquanto o país lamentava a tragédia, o propósito do Grupo publicado no site da empresa dizia: “Queremos ser o varejista mais querido e preferido do Brasil”. Uma campanha veiculada semanas antes falava em “proteger a vida”. A rede precisou se explicar e anunciou iniciativas para recuperar sua imagem, entre elas, o fim gradativo da terceirização dos seguranças.
Outros varejistas, porém, obtêm êxito quando o assunto são funcionários engajados, como é o caso da Pernambucanas. A rede mede o feedback dos clientes via NPS (Net Promoter Score). “Em outubro de 2020, o índice chegou à marca de 77, nos mantendo na zona de excelência. Outro índice bastante importante que retrata o respeito da companhia junto a suas equipes é o e-NPS, ferramenta de pesquisa realizada por uma consultoria externa em que o colaborador classifica, digitalmente, a probabilidade de recomendar a Pernambucanas como um bom local para se trabalhar. Em outubro de 2020, o e-NPS foi de 86,9 em nossas lojas, nos classificando na zona de alta performance. Acreditamos que o alto engajamento e um ambiente respeitoso para se trabalhar se refletem diretamente em um atendimento de excelência aos nossos clientes”, explica Sergio Borriello, CEO da empresa.
Segundo o executivo, mesmo os terceirizados são direcionados pelo código de conduta ética da companhia. “As relações de longo prazo com nossos fornecedores e parceiros ajudam muito a manter a imagem da marca. Além disso, toda a nossa cadeia nacional de comercialização está homologada pelo programa Abvtex e os fornecedores de fora do país por auditoria da Pernambucanas ou certificações internacionais”, explica.
Borriello revela uma história de 2020 que partiu justamente dos funcionários. “Assim que as lojas fecharam, temporariamente, os colaboradores começaram a ligar para os clientes para esclarecer dúvidas e apoiá-los. Esse processo nasceu da própria iniciativa de gerentes de lojas e foi contagiando os colegas de forma genuína. Isso porque o relacionamento próximo sempre foi a marca da Pernambucanas. Inclusive a campanha Juntos para o que der e vier, divulgada recentemente, que já havia sido criada antes da pandemia, em parceria com a Wunderman Thompson Brasil, traduz todo esse sentimento”, relata.
Um agravante – pelo menos para as marcas despreparadas – é que todo consumidor é uma espécie de jornalista em potencial. Se algo der errado, o cliente saca a arma que faz o marketing inapto tremer: a câmera do celular. Ela é usada para denunciar, mas também para enaltecer boas ações. Em 2018, por exemplo, Wellington Sacramento, então estagiário do Giraffas, viralizou ao ser filmado ajudando um senhor com deficiência física a se alimentar.
“Para nós, do Giraffas, a empatia é mais importante do que o treinamento, nós somos e queremos reforçar que a marca é inclusiva, aberta a todos, alegre e sempre disposta a acolher. Nossos colaboradores, cada vez mais, incorporam esta cultura”, explica Carlos Guerra, fundador da rede. “Cada episódio semelhante a estes – e já foram vários -, nenhum deles produzido com participação, orientação ou recursos da empresa, me enche de orgulho e justifica ter fundado essa empresa há quase 40 anos”, comemora.
Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo, lembra que a filosofia ensina que não existe um ser coletivo, mas seres individuais. “A relação que temos com uma empresa é por meio das pessoas que trabalham nela, sendo elas os seres mais concretos e relacionais. Quando vamos ao mercado, por exemplo, a pessoa que nos atende é a empresa naquele momento que se estabelece uma relação”, reflete.
Já Fernando Figueiredo (Feof), CEO da Bullet, analisa que os melhores promotores de uma marca são os próprios colaboradores. “Eles respiram a marca 24/7, são sistematicamente treinados e ‘contaminados’ com os valores da marca. Sentem as dores e as alegrias a todo o instante. Por isso, nada melhor do que contar com os colaboradores para promover e vender marcas de forma legítima e honesta”.
A terceirização, segundo Alan Ordonhez, diretor-geral de estratégia e novos negócios da Pullse, promove uma nova camada de complexidade. “É fundamental que os parceiros garantam requisitos de contratação de seus colaboradores semelhantes aos já impostos pela marca. Confiar na estrutura dessas empresas prestadoras é o primeiro passo para obter colaboradores terceirizados capazes de entregar o discurso de sua marca sem ruídos”, diz.
Ordonhez também analisa o desafio de alinhar o discurso com franquias. “A relação da marca com as empresas franqueadas é mais complexa do que a gestão de um ambiente interno direto. O fator geográfico e o distanciamento entre os gestores de marketing e as franquias proporcionam um desafio maior, por isso a importância de construir um time com afinidade desde o primeiro momento. Começa na contratação dos colaboradores o processo de gestão da filosofia da marca”, analisa.
No Subway, o atendimento perfeito é a meta. Os funcionários são chamados de “Artista do Sanduíche” e “são fundamentais para o negócio”, segundo Gabriel Ferrari, diretor de marketing da rede. “Eles são treinados através de vídeos, convenção anual, Sub Dicas e Playbook (manual de instruções detalhado para cada campanha). Temos também uma Universidade Subway, onde aplicamos cursos mandatórios para todos os Artistas com várias certificações. Na nossa matriz nos EUA, temos ainda uma competição anual do melhor Artista do Sanduíche, o SubJammers”, acrescenta Gabriel.
Muitas vezes, a empresa possui milhares de colaboradores. Alinhar o discurso de marca com todos pode ser desafiador. “Existem vários mecanismos para fazer isto, como pesquisas, auditorias, metas etc. Além de um processo de treinamento e reciclagem permanente”, opina Luciano Deos, fundador e CEO do Gad’, consultoria de branding e design. “Os funcionários são os embaixadores da marca, ou seja, são os verdadeiros representantes e quem tem no dia a dia o relacionamento com os clientes, por isso devem estar completamente engajados. Isto deve ser um processo permanente de treinamento e construção do entendimento da proposta de valor da marca. Sempre recomendamos aos nossos clientes que a construção da marca comece por dentro, ou seja, a partir dos colaboradores”, orienta.
Dica semelhante à de Marcelo Trevisani, CMO da IBM e professor de branding e marketing estratégico digital. “Para mim, uma marca é construída de dentro para fora, do CEO à recepcionista, ou seja, se uma empresa investe fortemente nessa construção de marca, é nítido que cada colaborador se torna um grande ponto de contato, dissemina o mesmo discurso, este totalmente alinhado à empresa. E, ao final, se obtém o resultado de todo esse processo de gestão”, diz.
Segundo Audrey Aarão, VP da 3AW Brasil, para orientar os colaboradores é necessário estabelecer uma união entre o RH e o board, que conseguirá transmitir ao seu time um pouco do DNA da empresa. “A vantagem disso é que cada departamento é valorizado individualmente, gerando um orgulho maior e um sentimento de pertencimento com a marca que representam. Uma empresa só funciona bem com colaboradores satisfeitos, o ambiente interno é fundamental para satisfação e propagação de um clima positivo. Para tanto, promovemos eventos, discussões, escutamos opiniões e produzimos ações internas que são fundamentais para o sucesso”, analisa.
“Para a empresa disseminar a sua marca em todos os pontos de contato com o cliente é preciso permear todos os times e impregnar todos os gestores com o tal know-why. Em outras palavras, todo mundo precisa ter conhecimento e estar engajado com a missão daquela empresa. Assim, a cada contato, o cliente vai receber a mensagem correta e fazer uma percepção de valor que combina com o que a marca quer passar. A chave para fazer isso acontecer está em trabalhar fortemente a cultura organizacional e isso se faz junto às pessoas”, opina Rosângela Freire, especialista em desenvolvimento humano organizacional e gerente de soluções educacionais da Posiciona.
Um dos pontos essenciais é trabalhar o Employee Experience (como os empregados vivenciam e multiplicam os propósitos da marca), conforme destaca Fernando Moulin, consultor e sócio da consultoria Sponsorb. Para que os colaboradores aumentem a sensação de pertencimento com a marca, ele sugere algumas ações. “Minha sugestão é ter bem claro o mapa de competências comportamentais, técnicas e atitudinais exigidas para a atuação com aquela marca representada pelos colaboradores e desde o processo de seleção e atração de talentos, se pautar por este mapa e conjunto de valores. Reconhecer pelo exemplo positivo profissionais que são excelentes em seu vínculo e responsabilidade com a marca”, afirma.
Conselho parecido com o de Higor Gonçalves, especialista com MBA em gestão estratégica de marketing. “Criar (ou estimular) momentos de integração e descontração, como: happy hours, confraternizações e premiações saudáveis. […] A minha dica é: conheça o seu colaborador, saiba quem ele é e quais são suas necessidades e aspirações. Existe uma frase do Simon Sinek excelente: ‘Cem por cento dos clientes são pessoas. Cem por cento dos funcionários são pessoas. Se você não entende de pessoas, você não entende de negócios.’”