O ano era 1954. Poucos anos antes, Alfred Sloan Jr. ressuscitara a General Motors, sufocada pela Ford e pelo “Fordinho preto”, de Henry Ford. O segredo da ressuscitação: reposicionar a empresa radicalmente e sob a ótica de mercado. Orgulhoso de seu feito, convidou um simpático austríaco que trabalhava no departamento de análise de crédito de um banco em Londres, e escrevia artigos memoráveis, para conhecer sua obra. Lá foi Peter Drucker. Só voltou a Londres para buscar a sua mulher, Dóris, e os filhos. Com o que viu na GM, e depois em outras empresas, escreveu o livro que é a semente da administração moderna; hoje mais conhecida como marketing. Prática de Administração de Empresas, de 1954 – e, a partir daí, nunca mais a gestão das empresas foi a mesma. Só que, duas ou três décadas depois.

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E por que os ensinamentos de Drucker levaram duas ou três décadas para se institucionalizar? Porque faltava o terreno minimamente receptivo para que o mar- keting germinasse, crescesse, vicejasse, frutificasse. Faltava concorrência. Sem concorrência, sem o consumidor poder decidir-se e escolher diante de muitas alternativas e possibilidades, só lhe resta permanecer na fila ou tirar uma senha, aguardar sua vez, comprar, agradecer e não reclamar.

De um ou dois produtos no máximo em cada categoria, até o fim dos anos 1960, hoje temos categorias com milhares de alternativas, outras que implodiram e converteram-se em 20 ou 30, e em cada uma das novas dezenas de concorrentes. Em síntese, tudo o que sabemos e praticamos no marketing já estava presente no livro de 1954, de Drucker. Faltavam somente as condições para tirar os conceitos, ideias e lições do papel e ativá-los na prática. Faltava concorrência. Em mãos, Forbes Brasil, edição 39, na página 72, a matéria sobre o empreendedor mais odiado dos Estados Unidos: Martin Shkreli.

Gestor de um hedge fund, criou para seus investidores a Turing Pharmaceuticals, e saiu atrás de remédios únicos. Sem concorrentes. Comprou o Duraprim, medicamento para infecções raras e mortais – de toxoplasmose em pacientes transplantados e portadores de Aids. Pagou 55 milhões de dólares pelo medicamento. Uma semana depois da compra aumentou o preço do Duraprim de US$ 13,50 o comprimido, para US$ 750 (+5.556%). Filho de imigrantes da Albânia e da Croácia, Martin estudou numa escola da comunidade de Sheepshead Bay, no Brooklyn. Aos 17 anos já era estagiário num hedge fund em Wall Street. Formou-se em administração de empresas no Baruch College, em 2005, e começou a se interessar pelos medicamentos diante da depressão profunda em um de seus parentes. E assim seguiu sua vida até decolar de forma independente e empreender.

Segundo o Forbes, em dezembro passado, o convidado mais importante de sua Cúpula da Saúde foi Martin. Perguntado por que tomara a decisão de aumentar o preço do medicamento em 5.556%, respondeu: “Acho que os preços na saúde são inelásticos. Eu poderia ter aumentado mais e gerado mais lucros para os nossos acionistas. Essa é a minha função principal”.

O comportamento de Martin está muito distante do comportamento da indústria farmacêutica, e de outros setores de atividades em que algumas empresas e produtos detêm o monopólio. Mas não tão distante assim que não nos permita refletir sobre a fragilidade e a dependência das pessoas em produtos e serviços essenciais nas mãos de um único fabricante. Muito especialmente, no tocante à saúde. De um lado, mais que emblemático e inspirador para valorizarmos a importância da concorrência e da necessidade vital das empresas da prática de um marketing de excepcional qualidade. De outro, códigos, regulamentos e maior atenção nos territórios em que, ainda que por curto e limitado tempo, prevaleça uma situação de monopólio.

Francisco Alberto Madia de Souza  é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)