Estive algumas vezes em Cuba. Sempre a trabalho, convidado para dar palestras ou promover workshops de criação publicitária. Pois é, em Cuba. Falei para auditórios lotados e os cursos que ministrei chegavam a ter quase uma centena de inscritos, tanto em Havana como em cidades do interior. O meu livro Raciocínio Criativo na Publicidade foi versado para o espanhol e ganhou edição cubana. Em Pilar del Rio, me hospedei no mesmo condomínio, na mesma casa e dormi na mesma cama em que dormiu o pai do atual ditador norte-coreano.
Lembro-me que, por curiosidade, abri a gaveta do criado-mudo e lá estavam várias revistas da Coreia do Norte. De repente, a luz se apagou. Saí para a rua, imerso nas trevas, procurando a portaria para pedir alguma informação sobre o que estava acontecendo. Lá, um guarda munido de lanterna, gritava: – Como se acabó el crudo? E o outro respondeu: – Sí, lo utilizamos en el guagua. Traduzindo: acabara o diesel do gerador e o estoque que ainda havia de “crudo” tinha sido usado para alimentar o “guagua”, uma espécie de coletivo papa-fila, montado sobre a base de caminhões e que substituía umas porcarias de ônibus tchecos que só davam dor de cabeça.
Só me restou tatear de volta para a ilustre cama e aguardar o amanhecer, ouvindo música clássica num radinho de pilha, imaginando que Kin-Jong-Il tenha feito a mesma coisa. Nas apresentações, eu criticava duramente o amadorismo e a mediocridade dos anúncios cubanos. E redesenhava as peças em papeis fixados num flipchart, indicando um mínimo de profissionalismo e bom gosto a serem observados. Era comovente a atenção e a gratidão que a plateia demonstrava àqueles ensinamentos. Eu nunca ouvi qualquer insinuação de que o marketing e a publicidade fossem ferramentas capitalistas para exploração da boa fé das pessoas.
Nos exercícios, em que eram desafiados a criar e apresentar campanhas, os grupos, muitas vezes, ouviam de mim observações ácidas, irônicas, debochadas até, inclusive repreensões por se desviarem do briefing. Eram bem-humorados o suficiente para rirem dos próprios erros e aplicados para ouvir as broncas e aprender com elas. Certa vez, na introdução de um novo curso, arrisquei uma preleção em que alertava de que já estava na hora de os cubanos pararem de achar que o enaltecimento à revolução era o seu melhor argumento de venda de qualquer coisa. E avancei: lembrem-se de que vocês têm um presidente extremamente marqueteiro; para nós, que vemos de fora, ele – com sua barba, boné e charuto – é uma verdadeira logomarca de si mesmo.
De fato, Fidel Castro se tornou (e tornou Cuba), uma das marcas mais conhecidas dos últimos 50 anos. Ele conseguiu conciliar a ação ideológica de “exportador” de revolução (ou de solidariedade, se preferirem os mais à esquerda) com o mito da ditadura comunista intacta, atrativo irresistível para turistas do mundo inteiro e extremamente favorável ao país, do ponto de vista comercial. Um jeito inteligente de enfrentar o embargo norte-americano. Cuba sempre foi um destino caro. Eu contava os trocados para tomar um mojito. Convivi muito com as pessoas da rua e acabei desenvolvendo um sentimento à Hemingway pelo país. Cuba, digamos, era como a nossa periferia deveria ser. Pobre, mas digna.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimir@gmail.com)