A seleção brasileira feminina de futebol encerrou sua participação na Copa do Mundo na França mais cedo do que a torcida no Brasil gostaria, nas oitavas de final, mas o time obteve conquistas relevantes, como visibilidade e bons índices de audiência na TV, além das conversas no digital. O resultado é importante para garantir mais espaço nas próximas competições, a começar pelos Jogos Olímpicos de Tóquio, já no ano que vem. 

Durante os jogos na França deste ano, uma jogadora em especial despontou como centro dos debates e ativações dos patrocinadores. A atacante Marta foi protagonista de campanha da Brahma, que fechou contrato de um ano com a atleta, e produziu uma série que narra sua trajetória desde a saída de sua cidade, no Alagoas, até a ascensão no Brasil e no exterior.

Marta trouxe outros patrocinadores para o torneio, como a marca Clear, mas foi com a Avon que os holofotes foram conduzidos, após entrar em campo no último dia 18 de junho, na partida contra a Itália, com um batom roxo. No jogo seguinte (23/6), contra a França, o tom escolhido foi vermelho. Em ambas as situações Marta não passou desapercebida e não faltaram perguntas sobre a marca e atributos do cosmético. Houve quem questionasse, inclusive, se usar a maquiagem se enquadraria em uma ação de marketing de emboscada, sugerindo que a Avon poderia estar se aproveitando da exposição do torneio para divulgar o produto, ainda que a marca não fosse patrocinadora oficial da Fifa ou da CBF.

Se confirmada, a atitude poderia ser punida com multa, além de a marca poder sofrer sanções do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). No Artigo 31 do código, a entidade condena “os proveitos publicitários indevidos e ilegítimos, obtidos por meio de “carona” e/ou “emboscada”. Mas até o momento, o Conar não registrou nenhuma ocorrência sobre o tema. Ainda assim, cabe a reflexão sobre o assunto, principalmente, porque os investimentos publicitários no futebol feminino estão crescendo aos poucos no país. Apesar das oportunidades, os patrocinadores devem ficar atentos às melhores práticas.

Negócios e ativismo
Para o advogado Paulo Gomes de Oliveira Filho, especializado em Propriedade Intelectual, Direito Administrativo e Direito da Comunicação, as marcas devem estar cientes que os grandes eventos esportivos não são públicos. Eles têm definidos termos claros para apropriações de marca. As multas para empresas não patrocinadoras que se apropriam de ícones, nomes e outros patrimônios extrapolam o valor cobrado por uma cota de patrocínio. “No caso da Marta, não ficou clara a configuração de marketing de emboscada. Apesar de ela ter vínculo com a Avon, ela não fez vinculação direta da marca. Mas, de forma geral, o risco de ações de emboscada é enorme para as marcas. O valor das cotas da Fifa e CBF é estratosférico, então, se houver ação judicial com indenização por uso ilegal, o valor pago é ainda maior. As marcas sabem disso e, como dói no bolso, muitas preferem não correr o risco”, avalia.

Na opinião de Andrea Mello, professora do curso de publicidade e propaganda da FAAP, a discussão vai além. Em um cenário onde não é mais tão claro qual é o espaço onde um embaixador está divulgando uma marca, delimitar o que é propaganda não é missão fácil. “Está cada vez mais difícil identificar essa linha tênue de formatos. Será que as marcas estão escolhendo ter menos riscos ou é cada vez mais difícil processar uma marca e deixar claro que houve infração? Como a gente prova que houve uma iniciativa da Avon e não apenas a Marta exercendo a liberdade de usar um produto? Ao longo do torneio, ela colocou em xeque essa questão do patrocínio. De questionar qual é o valor dela e pedir mais igualdade de oportunidades”, ressalta Andrea.

Embaixadora do movimento Go Equal na Copa, a jogadora aproveitou a competição para evidenciar a desigualdade no esporte entre homens e mulheres. Ao longo do torneio, a jogadora usou um par de chuteiras sem referências a nenhuma marca, substituindo apenas pelo símbolo do projeto. Marta está há um ano sem patrocínio nas chuteiras porque se negou a receber menos do que o destinado a jogadores homens. A ideia do movimento é cobrar mais visibilidade, oportunidades e reconhecimento para as mulheres no esporte.