Ano após ano, o desperdício de alimentos vêm se firmando como uma das questões mais urgentes da agenda global, atingindo países em vários graus de desenvolvimento. Embora muitos governos não possuam este tema como pauta central, o descarte indevido de comida representa um risco expressivo à preservação do meio ambiente e à luta contra as mudanças climáticas. Nesse contexto, é vital repensar nossa relação com os alimentos os quais consumimos diariamente.

A agressão que o desperdício de alimentos provoca à natureza acontece por conta de uma reação em cadeia, algo invisível num olhar inicial, mas que se revela quando analisamos os meandros da indústria alimentícia. Grande parte do desperdício de comida por parte das famílias decorre da cultura do consumismo, da prática de armazenar quantidades exageradas de alimentos, ultrapassando o mínimo necessário para a composição das refeições nos domicílios. 

A obtenção destas grandes quantidades faz crescer a demanda da produção de alimentos, o que implica no aumento da liberação de gases de metano na atmosfera, contribuindo para o efeito estufa e as mudanças climáticas. Trata-se de um produto da atividade intensa do agronegócio e das indústrias de alimentos ultraprocessados, que tanto nos fazem mal quanto prejudicam o planeta. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), entre 8 a 10% da emissão de gases nocivos à vida na Terra estão associadas aos alimentos que não são consumidos.

Nós, que trabalhamos diretamente com alimentação, seja em restaurantes e startups gastronômicas, somos especialmente sensíveis a esta questão. Segundo a ONU, 26% do total de comida descartada desnecessariamente vêm do setor de serviços de alimentos. Ou seja, precisamos assumir a responsabilidade por tomar decisões mais conscientes e assertivas no que diz respeito ao desperdício de ingredientes e ao descarte de restos de alimentos. 

Consumo consciente, responsável e conectado com a natureza

Ir contra essa realidade preocupante significa repensar a forma com que lidamos com nossa nutrição e com a qual obtemos nossos alimentos. Afinal, o que é melhor: comprar vegetais de procedência orgânica por meio de pequenos produtores ou de origem industrial, preparados em grandes fazendas produtoras com o uso de agrotóxicos? Comprar apenas os ingredientes necessários para compor as refeições que alimentam nossas famílias ou obter excedentes, guardando grandes e mal planejadas quantidades de comida na despensa?

Acredito que é com as respostas para estas perguntas que as empresas, governos, cidadãos e cidadãs devem se engajar, pensando sempre no aproveitamento máximo de insumos alimentícios. Além de colaborar para a economia no orçamento familiar e para a diminuição no preço dos alimentos no mercado, consumir de forma consciente e sem desperdício é um passo essencial na preservação da biodiversidade.

Este passo na direção do fim do desperdício e da luta pelo meio ambiente, é claro, deve ser feito por todos nós. Apesar do Brasil descartar cerca de 1/3 de sua produção alimentícia, vejo razão para otimismo quando observamos que o País é o quarto maior mercado consumidor de comida saudável no ranking global da ONU, já movimentando algo em torno de US$ 35 bilhões por ano. Isso representa um horizonte potencialmente produtivo no que diz respeito a um consumo socialmente conectado à natureza e ao nosso bem estar no planeta.

Renata Ferretti é CEO e fundadora da Kuke