A substituição da espirituosidade criativa pela engenhosidade objetiva avança. Vivemos uma verdadeira ocupação cultural na comunicação publicitária, um “stalinismo” tecnológico, em que o “passado” vai sendo expurgado dos postos-chave nas agências, e enviado para uma espécie de Sibéria do ostracismo. Não se trata apenas da, digamos, jovialização nas lideranças, mas de uma intencional substituição de modelos mentais.
Não há mais espaço para o olhar romântico, inspirador de textos comoventes, nem para roteiros com a obrigação de serem suficientemente envolventes para prender a atenção e dar, à logomarca que assina a peça, crédito e prestígio por proporcionar momentos tão sublimes. Não há mais espaço para o planejamento de longo prazo, sustentado na persistência em uma construção conceitual sólida. Tudo isso se tornou caro e obsoleto. Caro porque é raro, obsoleto por ser demasiadamente humano.
O publicitário, hoje, não passa de um braço do CFO do cliente, cujos relatórios devem traduzir resultados essencialmente econômico-financeiros, day-by-day. A devoção às marcas ficou ingênua, seu valor incomensurável e perene despertado em corações e mentes por ideias geniais foi substituído pela cotação do dia no mercado, acompanhada pelo olhar atento de quem só tem olhos para gráficos. Não existem mais “donos”, no sentido de senhores da história dos negócios, comprometidos com a preservação de suas características. Apenas gestores, nomeados por fundos de investimento extremamente sensíveis a novas oportunidades, e sempre dispostos a pular do barco. Por isso, a urgência, essa urgência cega pela capacidade de gerar qualidade de quantidade. Ou produtividade perceptível, numérica, rastreável por mecanismos “burros”. Chegou! Chegou! Chegou! É o apelo que chegou para ficar. Exposto a esse critério impessoal e cruamente primitivo, o consumidor vai relativizando a expectativa (que já foi quase um vício) pela criatividade e se convertendo em mercenário: chegou o quê e quanto é? Ponto. Tudo vai barateando rapidamente.
Os profissionais aceitáveis no modelo, ou adequam seus ganhos à referência dos custos da rentabilidade tecnológica, ou se tornam inviáveis. Perdeu-se a percepção patrimonial do que se entendia como “custo da folha”. Agora, é planilha de custos, onde tudo é a mesma coisa: custo. Não adianta chiar. Os novos gestores obedecem às máquinas, foram contratados para cuidar delas e respeitá-las. Afinal, são elas os cães de guarda dos resultados esperados. São elas que determinam quais as cabeças que devem ser decapitadas e jogadas no lixo e quais as cabeças que devem alimentá-las para torná-las mais poderosas.
E os novos criativos, no meio disso? Sentadinhos ali, mal-saídos da faculdade, à frente de uma filhotinha perversa da máquina grande, dotada de um cronômetro apontado para ele e para ela, fodidos e mal pagos. Alguns remanescentes de um padrão idealista de criar tentam se adequar, e se convertem em figuras híbridas, quase bizarras, experimentando, vez que outra, uma rebeldia insana, sob a fria contagem regressiva de uma tolerância programada.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)