O que as marcas podem aprender com as manifestações de rua? O tema reuniu na semana passada para um debate o diretor de marketing e comunicação da IBM Brasil, Mauro Segura, o professor da FGV e consultor de marketing esportivo Pedro Trengrouse, a colunista do jornal O Globo, Cora Rónai, e a gerente de mídias digitais do Sesc, Elis Monteiro. Mais perguntas do que respostas resultaram do encontro. Porém, o que ficou claro é que não se espera que marcas se posicionem diante dos acontecimentos, mas que certamente devem manter a política de transparência, o diálogo aberto com as pessoas e facilitar a participação de funcionários nas manifestações.
Ações adicionais ou tentativas de “carona” podem ser vistas como oportunistas. Segundo uma pesquisa feita informalmente pela inPress nas redes sociais, entre 6 de junho e 13 de julho, a marca Fiat foi a que mais apareceu, com 80,86% das menções, seguida da Coca-Cola (15,53%). Outras marcas tiveram 3,61% das menções. Ambas tinham, naquele momento, campanhas fortes ligadas à Copa das Confederações.
Fiat
“A marca Fiat entrou por acaso porque foi escolhida pelos manifestantes. Agora, qualquer pessoa que tente tirar partido disso está ferrada. É isso, aliás, que nenhum político percebeu ainda. Dentro do ‘saco’ de insatisfações que vivemos hoje há uma insatisfação com a publicidade que ainda dá ilusão de felicidade, de prazer. Há uma pretensão de promessa de satisfação que sabemos que não vem dali. É um momento delicado. O que se quer de políticos e marcas é uma grande sinceridade, transparência, abertura. Uma marca que se apresente assim hoje tem muito mais chances de dar certo. Sem fingimentos. Ninguém aguenta mais fingimento ou ideias que vêm de cima para baixo”, disse Cora Rónai. Para ela, o cenário transformou-se mais profundamente a partir do momento em que a mídia deu uma voz para cada pessoa, individualmente. Não há mais o jogo de “seu mestre mandou”.
Elis Monteiro acredita que o termo “o gigante acordou” nunca correspondeu à realidade. “O gigante já estava acordado. Quem trabalha com mídias sociais sabe disso. Ele gritou, mas já estava acordado. A bola já estava quicando. Havia uma quantidade imensa de abaixo-assinados. Houve uma conjunção de acontecimentos e talvez a Fifa, com sua arrogância, deva ter aguçado os ânimos. A raiva passou de solitária a coletiva. Nas redes sociais, as pessoas odeiam muito, muitas coisas. E odeiam juntas. Ir para a rua foi o passo seguinte”, avalia Elis.
Para ela, não existe o virtual e o real. Não faz diferença estar nas redes sociais. Nelas se acumulam raivas. Inclusive contra empresas. “O que as empresas têm feito para merecer tanto ódio? É uma pergunta interessante que elas precisam começar a se fazer. Não respondem e-mails, tratam mal. A partir de agora, o que as empresas precisam entender é que estão falando com um consumidor só: não com dois – um escondido que não fará nada.
Ameaça
Mauro Segura, da IBM, acredita que a maioria das empresas enxergou, até o momento, as manifestações como uma grande ameaça. “Tudo o que não compreendemos bem vira uma ameaça, porque não se tem domínio. Acredito que as empresas em sua maioria ainda estão perplexas com o que está acontecendo. Os patrocinadores da Copa e da Fifa devem estar dormindo mal, porque tudo que está relacionado à Copa e à Fifa no momento é ruim”, opinou Segura.
Por outro lado, na visão dele existem, sim, oportunidades – e algumas empresas pequenas e médias foram capazes de enxergá-las. A rede Spoletto (Grupo Trigo), por exemplo, abriu durante uma semana sua página no Facebook para as pessoas postarem fotos das manifestações, por exemplo. Nada de falar de produtos. Uma loja de cupcakes liberou seu sinal de Wi-Fi por encontrar-se no caminho das manifestações, no Rio de Janeiro. Uma marca de vinagre fez um anúncio de oportunidade, defendendo que o produto “faz bem para o coração”. A marca Reserva criou uma linha de camisetas com frases dos protestos, que foi vendida pela metade do preço, além de liberar funcionários para participar das manifestações. A rede Coffee Lab, em São Paulo, vendeu café expresso a R$ 0,20 durante um dia inteiro e explorou a ação no Facebook.
“Claro que foram oportunidades táticas específicas, mas o mais importante é que seja genuína. Quando falamos de marcas, falamos de empresas. E vejo três prismas: primeiro a marca e seu posicionamento institucional. Em segundo, o relacionamento com os clientes – principalmente empresas com grandes massas de consumidores. E a terceira parte muito negligenciada é a dos funcionários. Boa parte das empresas ainda recebe indagações dos colaboradores a respeito de seu papel nisso tudo, se a empresa vai liberá-los mais cedo nos dias de manifestações”, observa o executivo.
Erro
Na opinião dele é um grande erro não liberar o acesso às mídias sociais dentro das empresas, pois grande parte do que vem ocorrendo circula nas redes sociais. “Nenhuma empresa se apropriou das manifestações. Quem fizer isso, não vai ter sucesso”, acredita Segura. Da mesma forma que não parece haver tolerância à defesa de partidos nas manifestações, possivelmente não há marcas “surfando na onda” das manifestações. Daí a necessidade de cautela. “As empresas em geral sabem fazer publicidade – aquela conversa de mão única. Boa parte delas ainda continua trabalhando nas redes sociais na base do eu falo e você escuta. Existe um desafio tecnológico – de como abrir o diálogo com um grande número de clientes de maneira quase individual. E existe a necessidade de se rever o conteúdo desse diálogo. É um desafio”, conclui Segura.
Para ele, abrir o diálogo para falar dos acontecimentos no país é algo que as empresas não sabem ainda como fazer e, por isso, preferem se fechar. “Quando falamos das marcas e das manifestações, estamos no fundo falando de um novo cidadão. Um novo cliente. Não é mais o cliente de antigamente. As mídias sociais têm um papel muito importante nisso. As pessoas querem atendimento individualizado, em realtime, com mobilidade total. E muito do que se decide de compra, não tem a ver com preço, mas com o que as empresas estão de fato fazendo. Isso provoca nas empresas uma mudança completa em relação a como se posicionar. Quando acontece um tsunami como esse, as empresas preferem se recolher”, diz.
Explicação
Ele conta que vários colegas seus, de outras empresas, passaram maus bocados para explicar para seus headquarters fora do Brasil o que de fato estava ocorrendo por aqui. Sem saber explicar como reagir. “Na época do mensalão, também tivemos dificuldades de explicar para as corporações o que ocorria. Foi difícil. E o fato é que grandes empresas globalizadas são muito mais conservadoras nas suas decisões. Preferem esperar para ver o que acontece”, conclui Segura.