Já faz algum tempo, aqui e em todo o mundo, que a discussão da relação entre anunciantes e agências tem sido feita de forma torta, como uma competição de monólogos que não logra atingir seu objetivo de melhorar as relações entre as partes e fazê-las mais produtivas.
Agências reclamam, sem muito alarde e mais para si mesmas, sobre a falta de informações essenciais por parte dos clientes, que eles escondem os dados sobre verbas para tentar economizar recursos, que as cadeias de aprovação são falhas e os processos de refação são inúmeros, em boa parte, devido às deficiências dos anunciantes que atendem.
Anunciantes trombeteiam, estes em alto e bom som, principalmente na mídia especializada e nos eventos do setor, sobre a longa lista de defeitos das agências, incluindo apego a fórmulas e processos ultrapassados, baixo comprometimento com suas marcas e negócios, falta de transparência e maior foco nos objetivos delas e não de seus clientes.
Cada lado age como se não estivesse vendo (ou não quisesse ver) os próprios pecados e sonhasse que a outra parte apareça com uma solução milagrosa capaz de melhorar as coisas sem que o dever de casa mútuo seja feito. Isso acaba introduzindo um excessivo grau de fantasia na relação, com pouca ou nenhuma conexão com a dura realidade que deve ser enfrentada.
Ambos os lados se queixam do excesso de reuniões, presenciais e digitais, e da perda de tempo e foco pelo acúmulo de desculpas para os erros comuns – não raro absolutamente primários. Mas provavelmente as maiores responsáveis pelo problema sejam as falhas na definição do escopo do trabalho contratado e a falta de alinhamento das expectativas mútuas, dois pontos essenciais para se saber o que um lado pode esperar do outro e o que é possível e se deve entregar e cobrar.
A realidade prática é que existe muito blá-blá-blá, mas não se conversa o suficiente, muitos atalhos equivocados são trilhados, tem gente incompetente e inexperiente dos dois lados, que geralmente acredita que já tem uma nova solução mágica na manga e tenta impor essa visão para a outra parte. Há muita miopia na crença de que a saída está em novos processos e novas tecnologias, esquecendo-se que estes são instrumentos auxiliares, mas que raramente substituem a contento a conversa franca, a neutralidade da análise critica e a boa-fé do entendimento humano.
A grande verdade é que as duas partes precisam sentar e conversar – muito –, pois a lista de queixas de ambos os lados é bem extensa e uma parcela significativa delas depende mais de um alinhamento de expectativas e acerto de uma posição comum do que de grandes alterações na relação cliente-agência, cuja prática positiva já ultrapassa um século.
Há mudanças importantes a serem feitas, evidentemente, em função das transformações nos mercados, nos consumidores, na tecnologia e nos recursos disponíveis. Mas é essencial que exista um alinhamento sobre o que é mais relevante e prioritário mudar antes de se iniciar um processo de alteração sem objetivos e sem estratégia de percurso comum. É igualmente importante lembrar que, na fase de planejamento e desenvolvimento de ideias, os custos práticos são pequenos e toda a proposição pode dar marcha à ré com poucos traumas. Além disso, os problemas costumam nascer pequenos e ganhar corpo no decorrer do tempo.
Ao começar um processo de DR, além de espíritos desarmados e uma alta dose de boa-fé, os dois lados precisam ter em mente a realidade de que trocas de agências costumam ser bastante ruins para os dois lados e a solução mais produtiva tende a ser a recomposição da relação e sua elevação para um patamar mais produtivo.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)
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