O Governador do Estado de São Paulo, João Doria, inicia a vacinação contra a Covid-19 com a imunização da enfermeira Monica Calazans do Instituto Emílio Ribas (Divulgação)

A maior campanha de vacinação da história está em andamento. Até o fechamento desta edição, mais de 30 milhões de pessoas, em 46 países, haviam recebido a vacina contra a Covid-19. Nunca a humanidade produziu um imunizante com tanta rapidez. Além de ser um dos maiores desafios logísticos da história, a distribuição possui uma forte aliada: a comunicação.

Os Estados Unidos, país que contabiliza mais de 380 mil mortes por coronavírus, já vacinou 11 milhões de pessoas. “Vamos garantir que a vacina seja distribuída de forma rápida, equitativa e gratuita para todos os americanos”, disse o presidente eleito Joe Biden em seu perfil no Twitter. A rede social, aliás, é uma das ferramentas utilizadas pelos governos para disseminar informações sobre a vacina.

Os norte-americanos, que começaram a imunização em 14 de dezembro, também lançaram alguns PSA (Public Service Announcement ou Anúncios de Serviço Público) com forte apelo criativo. Criados pela Mischief @ No Fixed Address, os vídeos rebatem a seguinte questão: “Por que você vai se vacinar?”. A resposta vem em forma de filmagens reais com abraços, reunião entre familiares e momentos “proibidos” pela pandemia. A comunicação divulga a vacina da aliança Pfizer/Biontech, uma das distribuídas nos EUA.

Já no Reino Unido a abordagem é diferente. “O lançamento da vacina nos deu esperança renovada, mas é fundamental, por enquanto, ficarmos em casa, proteger o Serviço Nacional de Saúde e salvar vidas”, escreveu o primeiro-ministro, Boris Johnson, também no Twitter. Os britânicos optaram por uma comunicação que menciona a importância de preservar a vida daqueles que trabalham no NHS (National Health Service, o SUS deles). Por lá, a vacinação começou em 8 de dezembro, com a vacina da Pfizer.

Tanto Reino Unido como Estados Unidos podem servir de benchmark para o governo brasileiro. O país tupiniquim de dimensões continentais e com mais de 200 milhões de habitantes iniciou esta semana sua imunização.

Ofuscando a busca pela vacina, está o embate político entre o governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O primeiro anunciou no começo de dezembro que a vacinação iria começar em 25 de janeiro para os paulistas, com a CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan. A imunização começou antes, no último domingo (17). O segundo tratou de maldizer o imunizante comprado pelo tucano, mas, posteriormente, anunciou a aquisição de 100 milhões de doses. Além disso, na última semana, o ministério da Saúde tentou, sem sucesso, buscar na Índia dois milhões de unidades da AstraZeneca/Oxford, obtidas pela pasta junto ao laboratório indiano Serum Institute para garantir o início da vacinação dos brasileiros “de forma simultânea e gratuita”.

Pazuello, Bolsonaro e Zé Gotinha: Brasil luta para iniciar imunização nacional (Isac Nóbrega/PR)

Seja em âmbito nacional ou estadual, há uma evidente necessidade de informar a população da maneira correta. Para Isabela Pimentel, pesquisadora e professora de conteúdo digital da ESPM Rio, a principal fonte de informação sobre o tema vacinação deixou de ser a imprensa e passou a ser a internet, “povoada por fake news e preconceitos”. “O vocabulário científico de infectologistas e epidemiologistas dificulta o entendimento e afasta a população da sua realidade. Além disso, é preciso analisar quais as melhores mídias para públicos diversos e pensar em ações nas redes sociais”, opina.

Enquanto os governos precisam divulgar a vacinação para a população, as fabricantes estão diante de um cenário inédito para a percepção de suas marcas. A AstraZeneca, que tem nos medicamentos de prescrição e tratamentos para doenças complexas – como o câncer – sua maior representação, já percebeu a mudança. “Sem dúvida, o desenvolvimento da vacina – principalmente no momento que estamos vivendo – ajudou a fortalecer e concretizar a reputação da marca e seu propósito. Além disso, a visibilidade também tem sido uma oportunidade única para mostrar o que já fazemos diariamente nas áreas em que atuamos. E, certamente, ela mudará a forma como seremos percebidos daqui para frente, o que nos possibilita a fazer ainda mais pelos pacientes e toda comunidade médico-científica”, comemora Carlos Sánchez-Luis, presidente da AstraZeneca Brasil.

Luciana Sobral, head de comunicação e public affairs da Janssen Brasil, farmacêutica da Johnson & Johnson, explica que prover dados para as comunidades médica e científica, além de toda a sociedade, é um desafio que “engrandece e gera muita visibilidade para a marca”. “Temos a oportunidade de consolidar neste tema alguns dos principais elementos de uma comunicação efetiva e de profundo valor social: necessidade, relevância, interesse do público, transparência, informação de qualidade e prestação de serviço. Mais do que contribuir com visibilidade, imagem e reputação, o desenvolvimento de nossa vacina candidata para a prevenção da Covid-19 é um legado que a companhia terá muito orgulho em deixar para a sociedade, após a conclusão dos estudos que demonstrem sua segurança e eficácia”, prevê a executiva.

No caso de uma vacina destas proporções, as principais atividades de marketing, segundo Luciana, incluem manter diálogo contínuo e transparente com diversos stakeholders, como governos e autoridades sanitárias nacionais e internacionais, incluindo o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil.
“O maior compromisso da Janssen, neste momento, é buscar disponibilizar à população brasileira uma vacina acessível em um modelo sem fins lucrativos, segura e eficaz, que possa ser oferecida por meio do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, dentro do Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde, tão logo seja comprovada sua segurança e eficácia”, explica.

Pesquisa recente da consultoria Caliber mostra que o setor farmacêutico aumentou seu indicador de reputação nos últimos três anos. Em uma escala de 100 pontos, passou de 64 para 68,2, registrando um crescimento de 6,5% no período.

Dario Menezes, diretor-executivo da Caliber (Divulgação)

“É um bom indicador demonstrando o vigor do segmento. Porém, coloca o setor na 11ª posição global, bem atrás de setores como Varejo, Alimentos & Bebidas, Moda, TI, Construção e Companhias Aéreas, entre outros. Então, entendemos que fabricantes das vacinas com destaque para AstraZeneca, Pfizer e Moderna, estão tendo neste momento um aumento expressivo do seu grau de familiaridade da marca. O tempo dirá se isso se transformará em confiança e admiração”, afirma Dario Menezes, diretor-executivo da consultoria.

Ao mesmo tempo, o momento também pede cautela. “Eu diria que as empresas de vacina, assim como as de videoconferência, como o Zoom, foram as que mais se beneficiaram diante do caos. O que vale agora é como manter a qualidade e responsabilidade com a população”, opina Hebert Mota, consultor de marketing.

“Além do evidente potencial comercial imediato, as marcas que se associarem à solução efetiva deste problema, ainda mais em um espaço de tempo tão curto — se considerarmos que normalmente levam-se décadas para produzir uma vacina —, vão incorporar um fantástico legado de credibilidade, autoridade científica e eficiência”, opina Sérgio Santos, coordenador da pós-graduação em Negócios com Ênfase no Mercado Farmacêutico da ESPM. “Estes atributos valiosos — credibilidade, autoridade e eficiência — poderão ser utilizados pelos fabricantes tanto no próprio segmento de vacinas como em outros segmentos de produtos farmacêuticos. O brand equity destas empresas crescerá muito em curto espaço de tempo. Acredito que já esteja crescendo”, completa o especialista.

Para Santos, é preciso ser absolutamente claro e transparente sobre o produto que está oferecendo, seus benefícios, seus efeitos positivos e eventuais riscos. “Apesar deste mercado ser regulado por uma agência governamental que testa e autoriza o uso das vacinas, qualquer ocorrência negativa não informada, por menor que seja, provavelmente teria grande repercussão e recairia sobre a marca do fabricante. Daí a necessidade da assertividade e clareza extrema na comunicação. O segundo cuidado, talvez tão importante como o primeiro, é evitar estar associado a questões políticas e ideológicas”, diz.

German Carmona, consultor de marketing e estratégia de marca, também menciona que o setor possui uma comunicação fortemente regulamentada e, por isso, a constante menção das marcas e a exposição de imagens de laboratórios serão benéficos para a construção e solidificação das fabricantes. “Nunca suas marcas estiveram tão em evidência e diariamente nas conversas e pensamentos de todos: trade, veículos de comunicação e consumidores”, ilustra.

Fernando Moulin, conselheiro deliberativo do Instituto Brasileiro de Inteligência de Mercado, elenca três pontos a serem explorados pelas fabricantes: reforçar o vínculo de suas marcas a temas associados à proteção, cuidado com o indivíduo, saúde, bem-estar, qualidade de fabricação e produto; endosso institucional do posicionamento de marca e liderança na vanguarda da potencial resolução de uma grave questão global; possibilidade de esclarecer em linguagem acessível questões técnicas associadas a produção e composição de suas vacinas, reforçando tecnologias, capacidades e métodos produtivos.

“Os fabricantes realizaram um esforço em escala e velocidades inéditos, no intuito de ajudar a resolver a grave questão da Covid-19. Eles possuem a oportunidade de destacar estes esforços (sempre com uma abordagem científica), humanizando os sacrifícios de seus colaboradores e empresas parceiras na divulgação junto à sociedade. Trata-se uma fantástica história a ser contada e cocriada com a sociedade, se narrada com empatia, delicadeza, respeito e esperança de dias melhores, que tenho certeza que em breve chegarão”, finaliza.