Nelcina Tropardi (Alê Oliveira)

Nelcina Tropardi, vice-presidente de sustentabilidade e assuntos corporativos da Heineken e presidente da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), se considera uma pessoa simples. Ela nasceu em Penápolis, no interior de São Paulo, de onde saiu para fazer cursinho na capital com o objetivo de se preparar para cursar direito na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP, onde também fez mestrado e doutorado. Lembra-se com orgulho da orientadora Teresa Ancona Lopez. E, desde sua formação, sempre trabalhou nas áreas jurídicas de empresas.

“Até hoje. Agora estou ainda mais próxima dos ‘marketeiros’. Mas sempre estive muito próxima desses profissionais para avaliar rótulos de produtos e campanhas publicitárias, principalmente nos meus 14 anos na Unilever”, ela explicou.

Por isso mesmo, Nelcina sempre fez parte da ABA representando as empresas pelas quais trabalhou. A relação com a entidade já superou a barreira dos 20 anos. “Na Heineken recebi o convite para me concentrar apenas nisso. Quando olhamos para a operação brasileira, ela é a primeira em volume quando somamos cervejas e bebidas não alcoólicas; e segunda, quando é só cerveja. Gostei do desafio de montar uma equipe com olhar para questões corporativas e de sustentabilidade. O meu primeiro dia foi no exato momento da operação conjunta da Heineken com a Brasil Kirin”, acrescentou Nelcina, que já está há 30 meses na cervejaria, onde comanda um grupo de 36 profissionais.

No escopo do dia a dia de Nelcina estão as áreas de comunicação interna e externa; PR de marcas; gestão de crise e governança da marca institucional; relações governamentais; políticas públicas (saúde etc.) e sustentabilidade.

“A visão um pouco mais jurídica chegou para ficar no marketing devido ao seu aprimoramento e sofisticação. Se começarmos a falar de meios, que são tão diferentes, e das mídias sociais, vemos que o momento é outro. No Conar temos de observar posts pagos. Todo esse movimento fez com que o jurídico passasse a fazer parte dessa construção. Por quê? Porque a reputação nunca foi tão importante. Seja para uma marca ou uma empresa. Sabemos que leva anos para uma reputação ser consolidada, mas uma deslizada por quebrá-la.”

A editora-assistente Danúbia Paraizo quis saber sobre as métricas de consumo responsável e alinhamento da Heineken com políticas governamentais.

“Essa questão é forte na companhia. Acreditamos que a sustentabilidade do negócio no futuro vai depender da forma como o consumidor se relaciona com bebida alcoólica. E essa relação precisa ser saudável. Se beber, jamais dirija. Isso significa estabelecer conversas com jovens a partir de 18 anos sobre aspectos prejudiciais. Temos o projeto WeLab by Heineken sobre o tema e usamos dados da pesquisa da Vigitel, da área de saúde do governo, que mostra que o jovem bebe de forma esporádica, mas quando faz, bebe demais. Descobrimos que ele quer falar sobre a vida; a bebida entra como um dos temas”, disse Nelcina.

O olhar global da Heineken para consumo responsável é mais do que uma atitude; é uma plataforma. A cada ano, 10% do budget de marketing da marca é usado para ações didáticas com o propósito de orientar o uso adequando do produto.

“Outra coisa que fazemos na empresa é preferir vender cerveja para nove pessoas diferentes a vender nove cervejas para uma pessoa só. Essa é uma filosofia da Heineken. E repudiamos qualquer campanha que induza consumo excessivo ou que queira se comunicar com um público que não é alvo.”

Tem cumprido essa meta? Perguntou a editora Neusa Spaulucci. “Sim. E com base em pesquisas que monitoramos. Há um ano a Heineken fez um experimento à época da Fórmula 1 para observar mudança de comportamento. Foi constatado que muitos bebem em happy hour por indução social. A proposta foi que quem estiver dirigindo não pode beber. Como recompensa ganha drinques sem álcool.”

A editora-chefe Kelly Dores quis saber sobre o patrocínio à F-1 para uma marca que estimula consumo zero de bebidas para quem está no volante. “Foi bem-sucedida a proposta de unir Heineken com direção. O Jack Stewart cumpriu bem o papel de não beber quando estiver dirigindo”, destacou a executiva.

Por outro lado, a repórter Marina Oliveira chamou a atenção para o target da campanha I’m still driving ser focado no nicho mais adulto e com espectro global. E para o ambiente regional? Ela perguntou. “Estamos de olho”, resumiu Nelcina fazendo referência à ação Day After Project que traz música, reflexão e informação. O cantor Fióti criou em parceria com Rael a música Quero te ver bem amanhã, que faz conexão com todos nichos sociais.

“É uma plataforma para falar de consumo de álcool. Estamos falando com nutricionistas, não para recomendar o produto, mas para passar informação de composição nutricional. A plataforma é pioneira e é direcionada a todos os públicos”, frisou a presidente da ABA, lembrando que essa iniciativa foi desenvolvida pelo time brasileiro de Heineken.

A Heineken caiu no gosto dos brasileiros, disse Nelcina em resposta à questão de Kelly Dores sobre o seu sabor mais amargo, “porque aprimorou o gosto dos consumidores de cerveja do país”.

Nelcina quis dizer que o paladar brasileiro para beber cerveja era associado apenas à temperatura extremamente gelada. “Heineken propõe que cerveja é mais do que um líquido que se bebe apenas com o conceito de estupidamente gelado. Há cervejas de vários tipos, como comprova o mercado de produção artesanal. Nos Estados Unidos esse nicho já representa 25% do mercado. No Brasil, varia entre 2% e 3%, mas com tendência de crescer. Com Heineken, o consumidor aprendeu que cerveja pode ser puro malte. Não precisa ter milho. Agora ele quer experimentar e harmonizar cerveja com comida.”

A questão da energia renovável foi proposta pelo editor-assistente Leonardo Araujo. “É um plano que está em andamento. Para adotar essa métrica é preciso trocar todos os boilers tradicionais pelos de biomassa. Mas está no nosso pipeline anual de troca. Vamos chegar lá antes do prazo global que é ter 70% da energia utilizada de fontes renováveis até 2030. Queremos chegar a 100% até 2025, no máximo 2026. Temos no Ceará um parque eólico em funcionamento desde 2018, mas inaugurado com uma campanha este ano, que tem capacidade de produzir 30% da energia consumida nas 15 cervejarias da empresa”, garantiu Nelcina.

Sobre a gestão e os desafios à frente da ABA, Nelcina explicou a Kelly Dores que a entidade está encerrando um ciclo de cinco anos marcado por crescimento e relevância na agenda dos anunciantes. Ela destaca também os 16 guias lançados, entre os quais o de Boas Práticas de Relacionamento entre Agências de Publicidade e Clientes. Neste mês de dezembro, foram lançados os posicionamentos sobre bebidas alcoólicas e publicidade infantil e seus limites legais.

“O desafio agora são os próximos cinco anos. Estamos fazendo o planejamento para esse período. Não sabemos ainda como vai ser, mas temos a certeza de que a ABA será o palco de discussões que vão moldar o mercado. Queremos observar tendências e trazê-las para a ABA discutir. Tem uma coisa que todo mundo está vendo que é o papel da reputação na vida de uma marca. Temos um guia específico para esse tema, que não é mais restrito ao marketing, mas a vários stakeholders. Será que o papel dos marketeiros vai mudar? Não sabemos. Mas a ABA traz esses pontos porque temos de discutir tudo. A ABA não é uma empresa; ela precisa agregar valor”, finalizou Nelcina.