Havia no Rio de Janeiro uma grande loja de departamentos que a administração era tão familiar, tão familiar, que o nome do estabelecimento era exatamente o nome dos dois sócios que tocavam o negócio juntamente com uma penca de filhos, cunhados, primos, genros e noras.
E foram dois jovens diretores-parentes que nos chamaram para prepararmos uma campanha de propaganda buscando uma renovação da imagem das lojas, considerada meio ultrapassada. Gastou-se um mês de trabalho e sugerimos até uma mudança na logomarca da companhia, visando uma reformulada geral em sua aparência.
Ainda que uma agência de propaganda seja antes de tudo business, nesta hora o espírito profissional fala mais alto e o entusiasmo faz com que o bom senso monetário vá para o inferno.
Contra a opinião irada do nosso pessoal de administração, torramos uma nota preta na campanha, imaginando a suprema glória de influir decisivamente no sucesso empresarial do cliente. No dia marcado para apresentação tínhamos uma fantástica quantidade de peças para mostrar, incluindo um estudo de logotipia e programação visual. Coisa finíssima.
Éramos uns dez na sala de reunião, nervosos como noivas, loucos para mostrar à diretoria como nós, os gênios da comunicação, iríamos garantir o sucesso duradouro e permanente para a empresa.
Os dois diretores (filho e genro de um dos fundadores) estavam tão ansiosos quanto nós. Daí entrou a plateia, o resto da família, capitaneados pelo presidente, o dono, o chefão e depois de troca de cartões e outras amabilidades, deu-se início à função.
A apresentação foi feita com transparências, uma longuíssima introdução, com dados de pesquisa, exemplos de casos semelhantes no mundo inteiro e um puta de um planejamento. E o dono, em silêncio, fumava um enorme charuto com cara de poucos amigos. Falamos horas, tocamos jingles, contamos piadas.
Ao fim de tudo, fez-se o silêncio tradicional, cheio de expectativas. Todo mundo esperou o patrão falar. E ele deu uma tragada, suspirou profundamente e perguntou: “Quem foi que pediu esta merda?” O filho gaguejou: “Nós, papai”.
O diretor-presidente olhou para mim e concluiu, com voz cansada: “Bem, os senhores mandem a fatura para este cidadão aqui. Desculpem o tempo que ele fez os senhores perderem, mas eu não tenho culpa de ter um débil mental deste como filho. Não pretendo gastar com propaganda, mudar a marca da minha empresa nem modernizar porra nenhuma. Enquanto eu estiver vivo – e apontou o charuto para o filho – esta besta aqui não vai mudar nada. Depois ele vai falir à vontade. Por enquanto não!”
Daí o outro diretor resolveu ajudar: “Doutor fulano, eu acho que…” e foi interrompido pelo patrão-sogro: “Olhe aqui, fulaninho, cale a sua boca e só abra quando conseguir sustentar minha filha, me der um neto ou fizer alguma coisa que preste além de gastar meu dinheiro. Até lá, silêncio, está bem?”
Levantou-se, colocou a mão no meu ombro e continuou: “Tenho pena dos senhores. Levaram a sério estas duas pústulas irresponsáveis. O máximo que eu posso fazer é descontar das retiradas deles algum dinheiro que diminua o prejuízo. Minhas desculpas. Se algum dia eu enlouquecer e resolver mudar tudo aqui na casa eu os chamarei. Muito obrigado. E, mais uma vez, desculpem”.
E foi embora numa nuvem de fumo. Depois de alguns anos ele morreu. E o filho faliu. Como ele previra.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)
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