Natali_Mis/IStock

A reeducação da publicidade e do marketing caminham ‘pari passu’. Nessa complexa engrenagem que estabelece os caminhos para a conexão das marcas com pessoas, há verbos que precisam ser conjugados para que essas atividades continuem garantindo relevância e propósito: inovar, diversificar, transformar e, principalmente, customizar. 

Diversidade também está na pauta. A 9ª edição do Fórum de Marketing Empresarial, neste fim de semana (24 e 25), no Guarujá, em São Paulo, trata desses temas que sempre estiveram presentes na ciência mercadológica, mas que passaram a ter novos significados diante das mudanças estruturais que agências, anunciantes e fornecedores de serviços da indústria da comunicação passaram a ter. Muitas vezes, a ressignação é realizada em meio a um processo. A curadoria do evento, que é organizado pela Editora Referência, que edita o PROPMARK, e o Lide (Grupo de Líderes Empresariais), foi de Marcos Quintela (presidente do Grupo Newcomm), Armando Ferrentini (Referência) e Adonis Alonso (Creatix).

“No âmbito das agências, mais importante do que diversificar é customizar, adaptar o modelo de negócio às necessidades de cada cliente. Para fazer isso, precisamos ter times especialistas em diferentes disciplinas que, ao mesmo tempo, tenham um olhar holístico sobre o cliente. Antigamente um cliente tinha de recorrer a muitas empresas para consolidar disciplinas como publicidade, ativação, shopper, PR, desenvolvimento de tecnologia, trading desk, operação de mídia programática e produção em larga escala. Hoje, com o processo The Power of One, da Publicis, oferecemos tudo isso aos clientes com um único ponto de contato responsável e custo acessível”, destaca Eduardo Lorenzi, copresidente da Publicis Brasil, que faz um alerta sobre a diversidade.

“A diversidade é essencial para que nossa entrega de soluções de comunicação seja de fato efetiva. Para que a marca faça parte da vida das pessoas, ela precisa representá-las, entender suas necessidades e anseios, dar respostas às suas perguntas. Na Publicis criamos, por exemplo, o projeto ‘Entre’, que fez um trabalho de base capacitando 30 estudantes universitárias para aumentar a presença feminina nos departamentos de criação das agências do mercado”, diz Lorenzi.

INOVAÇÃO

Alê Oliveira

Entre os desafios atuais está a pressão pelo retorno sobre investimento. “O que mudou é que hoje a indústria da comunicação vem sendo pressionada por uma série de desafios, como a do ROI – que passou a ser um dos principais KPIs dos investimentos de mídia –, e a pulverização de pontos de contato como dois dos maiores deles. Portanto, nunca foi tão importante estar no lugar certo e na hora certa – e com conteúdo relevante. Outro fato que também influencia nesta dinâmica é que o mercado publicitário passou a contar com ferramentas de monitoramento da jornada do consumidor e mensuração dos resultados das ações, em tempo real. Com esta avaliação, praticamente científica, do comportamento de compra, em qualquer categoria de produto ou serviço temos como efetuar constantes ajustes de rotas”, observa Sumara Osório, CSO (Chief Strategic Officer) da VML.

Tecnologia, diversidade e inovação é uma trilogia que Marcia Esteves, CEO da Grey Brasil, recomenda como essencial para a indústria. “A tecnologia mudou a forma como as pessoas vivem. Tornou objetos obsoletos. Modificou a jornada. Não há mais linearidade. Nós, comunicadores e marcas, disputamos pelo tempo das pessoas. Por isso, em vez de interromper, a propaganda precisa fazer parte da rotina das pessoas, através de histórias, entretenimento. E quanto mais opções de meios e formatos tivermos, maior a chance de inserirmos as marcas, de forma relevante, na vida das pessoas”. Marcia prossegue: “Temos de tirar a pressão por inovação e trabalhar em cultura. A inovação não ocorre se não tivermos nas empresas e agências uma cultura aberta para isso, com valores, propósito, processos e profissionais abertos a abraçarem a mudança e o novo. Todos os dias. Forçar inovação sem um objetivo claro, normalmente gera frustração e pouco resultado”.

Por que é preciso diversificar no marketing e na publicidade para ir além dos processos e desafios que se apresentam no dia a dia das atividades? Quem responde é Hugo Rodrigues, chairman e CEO da WMcCann, um dos palestrantes do fórum. “Porque não há outro modo de inovar se não for olhando para o diverso. Para serem estabelecidas novas estratégias, conceitos, ideias, criações é preciso passear pelo campo do diferente, ir atrás de outras referências, sair do óbvio. O marketing e a publicidade trafegam o tempo todo por incontáveis universos de produtos e serviços, com o objetivo de atender e atrair os mais variados públicos, com as mais diferentes preferências. Olhar para essa diversidade e entender suas demandas tem de fazer parte do nosso dia a dia. A inovação precisa gerar resultado e mostrar efetividade. Para isso, precisamos ter o equilíbrio constante entre buscar novas ideias, trazer esse novo olhar, mas ao mesmo tempo ter muito claro o que pode ou não ser realizável, o que gera ou não de fato impacto para o nosso cliente. É um exercício diário”.

Na avaliação de Christina Carvalho Pinto, CEO do Grupo Full Jazz, que foi uma das homenageadas do evento, ao lado de Guga Valente, CEO do Grupo ABC, o novo conceito da sociedade de consumo tem sinergia com a multiplicidade de escolhas.

“Ora, se a diversificação e a multiplicidade são inerentes ao universo do consumo, característico do modelo capitalista, essa diversificação acaba se aplicando também ao consumo de tudo o que é inerente às expressões do marketing e da comunicação: mídias, linguagens, formatos, pontos de contato, tecnologias, aparelhos etc. Acolher, compreender, aprender com o diferente é mais do que uma necessidade: é um clamor que hoje perpassa todos os recantos deste pequeno e lindo planeta. O marketing e a comunicação têm faca e queijo na mão para contribuir com a derrubada desses tantos muros que nos separam uns dos outros. Nós, especialistas da área, somos ferramentas preciosas para a construção de uma nova sociedade, em que se dissolva a rigidez desses gessos. Essa nova construção é essencial, acima de tudo porque nela reside a chave da cultura de paz, da dissolução da violência”.

Quanto à inovação, Christina faz uma reflexão sobre a durabilidade de propostas. Muitas delas desaparecem no primeiro ano e 30% no terceiro. “Falhas no investimento? Na gestão? No estudo de cenário? Ou simplesmente grande parte do que se convencionou chamar de inovação simplesmente não é inovação?”, questiona Christina, que ela mesma responde:

“A sobrevivência de uma inovação depende de sua relevância. E sua relevância depende da leitura, aguda e profunda, das reais demandas do ser humano. Numa sociedade que cultua a superficialidade, essa leitura fica cada vez mais difícil. Uma coisa é certa: grande parte das pessoas, em especial os jovens, está perdendo o encanto de viver. A perda de significado vem levando um número crescente de jovens ao suicídio. Ideias verdadeiramente criativas podem despertar esse encanto pela vida, desde que sirvam para abrir novas e ensolaradas janelas na mente individual e na coletiva. Eu acredito que, na nossa área, outra grande inovação para trazer de volta a magia da vida, cuja importância e poder muitos profissionais ainda não compreenderam, é a do marketing relacionado a causas. A geração pós-consumo está exigindo marcas que abracem, legitimamente, causas relevantes; marcas que sejam canais de adesão para causas relevantes. Isso traz novo significado ao viver. Quem quiser fazer sucesso nesses novos tempos terá de fazer parte ativa da construção dessa nova sociedade. Aí mora a chave da inovação”.

DESAFIOS

Alê Oliveira

O executivo Andre Passamani, CEO da Mutato, tem em mente que diversificar “é buscar espaços, pessoas, competências e pontos de vista diferentes para construir produtos e ofertas de serviços que endereçam os novos desafios de nossos clientes”. Ele diz: “Inovação foi a buzzword de anos atrás. E, assim como foi esgotada pelo mercado sem muito ter sido feito, ocorre o mesmo com diversidade hoje. Mas está claro que a necessidade de inovar no segmento de comunicação só cresceu e se tornou mais urgente. Tudo está mudando e não vejo mais momentos de calmaria absoluta no horizonte. Neste contexto, efetividade é conseguir estar ao lado do cliente sendo útil de maneiras táticas e estratégicas ao mesmo tempo porque ele também está passando por dificuldades para navegar esses mares inconstantes, criando relevância e participando de suas múltiplas transformações”, afirma Passamani.

Outra homenageada do Fórum é Joanna Monteiro, CCO da FCB Brasil. Em sua opinião, diversificar é experimentar. “Os canais aumentaram, os comportamentos mudaram, as conversas estão nas mídias sociais. E esses são só alguns exemplos que explicam a necessidade de experimentar novos processos na comunicação, de testar novos jeitos e fazer diferente sempre. Afinal, não é isso que a gente faz melhor? Bem, nem sempre. Às vezes, a casa é de ferreiro, mas o espeto é de pau. As agências estão usando velhos modelos por não fazerem o que mais sabem fazer pelas marcas: ser criativas. Se queremos que os clientes experimentem, temos de experimentar mais. Se queremos que eles se arrisquem, precisamos nos arriscar mais. Não estou falando do trabalho criativo e estratégico, mas do modelo que vai garantir esse trabalho”.

Voz ativa na questão da diversidade, Joanna fala que ter essa consciência diminui a ignorância, além de oferecer mais pontos de vista. “A criatividade pede diversidade. E ela é o que usamos estrategicamente para vender. Depois, se queremos ser ouvidos pelo consumidor, precisamos ter uma conversa interessante com ele. E como dizer algo interessante para alguém que você não conhece? Como falar com diferentes consumidores se você não convive com diferentes pessoas? No mundo de hoje quem não viver, respeitar e apoiar a diversidade de pessoas, de pensamentos e de atitudes será menor, será menos e será velho muito rapidamente”.

Marcio Oliveira, copresidente da DM9DDB, lembra que a conversa das agências é com o consumidor. “Este consumidor é diverso, tem opinião, é livre, consome informação, entretenimento, se educa e compra (vende também) em diversos lugares, mídias e plataformas ao mesmo tempo. Minhas gêmeas, Malu e Bela, de 11 anos, me ensinam todo santo dia sobre isso.

Elas me ensinam também que querem ver nas diferentes telas que estão o tempo todo na frente delas o reflexo da sociedade que vivem. Sociedade que é diversa. O que é natural na vivência do dia a dia da rua tem de vir para as novelas, webséries e a propaganda. As coisas defendidas nas redes, ruas e sociedade também participam disso. Aliás, espera-se das marcas que deem o exemplo. Primeiro com atitude e ação, depois com comunicação. Inovação para mim é fundamental e se resume em ser preditivo, ou seja, usar dados para oferecer aquilo que o consumidor ainda não sabe ou conhece, mas vai amar”, relata Oliveira.

O ponto de vista da executiva Vanessa Brandão, diretora da marca Heineken, que está entre as palestrantes do painel Diversidade de Gerações, ao lado de Luiz Fernando Musa, CEO do Grupo Ogilvy, e Priscila Stoliar, é que o estereótipo do target está superado.

“Os conceitos de marketing mais modernos dizem que seu consumidor é toda e qualquer pessoa disposta a comprar o seu produto. Seja homem, mulher, classes A, B, C ou D, casados, solteiros, divorciados, de qualquer religião ou raça. A motivação para uma pessoa comprar determinada marca é porque ela se identifica e aspira aquele universo que gira em torno dela. Quando uma marca estereotipa seu consumidor e tem uma visão míope, ela afasta potenciais consumidores que não se enxergam naquele mundo, naquela campanha. Ter diversidade nas empresas ajuda a trazer experiências e olhares diferentes para o mesmo assunto, sendo possível o enriquecimento do planejamento. Muitas campanhas já sofreram por não terem tido o cuidado de avaliar o impacto que determinada mensagem teria nas pessoas. Com um time diversificado, você potencializa as chances de compreensão e sucesso da ação, além de mitigar qualquer risco de interpretação. O que muitos consideram ‘mimimi’, eu considero apenas uma perspectiva diferente, que eu jamais poderia ter – e muito menos julgar -, por não estar no lugar da outra pessoa. Por isso, sempre avalio interna e externamente todas as campanhas que coloco no ar com um público bastante heterogêneo. É claro que é difícil acertar e agradar sempre, mas ter diversidade como princípio fundamental ajuda muito a não cometer alguns erros.

CONSUMIDOR

Alê Oliveira

Sobre diversidade, Vanessa contempla fatores como respeito. “Diversidade no universo da marca Heineken já é algo que existe há muito tempo. Não me lembro de uma comunicação da marca que caísse nos antigos clichês da categoria de cerveja. Heineken sempre foi uma marca com inovação no seu DNA, desde quando foi criada, lá em 1873, e muito cedo conquistou o prêmio de maior inovação do ano em Paris, ganhando de grandes projetos como a Torre Eiffel. E essa característica inovadora vai além do produto, se estende também para suas campanhas. Já tivemos em campanha mulher salvando o James Bond, mulheres indo com os namorados/maridos para a Uefa Champions League (The Clichè), diferentes raças e gêneros sendo selecionados para a nossa orquestra que iria tocar na primeira final orquestrada da UEFA Champions League (The Grand Finale) e pessoas com orientações sexuais distintas colocando suas diferenças e encontrando algo em comum na mesa do bar (Worlds Apart). Para nós, é importante que nosso consumidor se sinta representado, valorizado e acolhido pela marca, e não fazemos distinção de qualquer tipo”.

A diretora da Heineken conclui que está cada vez mais difícil para as marcas estabelecer conexão com os shoppers. “Hoje está cada vez mais difícil se conectar com nosso consumidor. Há uma infinidade de canais e meios pulverizando a audiência. As formas de se barrar publicidade estão cada vez mais efetivas, seja no universo digital, seja nas plataformas de streaming ou de conteúdo on demand. No final ganhará atenção a marca que trouxer o conteúdo mais relevante para o seu consumidor. Eu acredito que para um conteúdo ser relevante, ele precisa ser inovador e customizado. É preciso surpreender a audiência, ter o stopping power e ganhar o clique daquele dedinho nervoso que passa pelo scroll do celular milhares de vezes ao dia. Para isso, oferecer algo diferente do que ele já viu, ou oferecer algo feito exclusivamente para aquele determinado grupo de pessoas, garante destaque no meio da enxurrada de conteúdo que o consumidor recebe todos os dia”.

A questão da diversidade também está na pauta de Passamani, que tem uma provocação. “Vejo muita gente discutindo, mas voltando para o conforto de suas posições sem aplicar mudança real no dia a dia de suas equipes. Sempre digo que a postura mais comum é declarar o problema resolvido sem nem entendê-lo. Aqui na Mutato não conseguimos dissociar a evolução do nosso negócio de um ambiente mais plural e diverso. O que isso significa: precisamos fugir do viés.

Mesmo que inconscientemente isso nos leva a sempre contratar as mesmas pessoas, vindas das mesmas universidades com experiências pessoais e profissionais muito semelhantes. Portanto, pouco diversas. Se eu não consigo trazer para o meu time a multiplicidade de pontos de vista e realidades do país, o trabalho que nos propomos a fazer de construção de marcas relevantes para o contexto nos quais elas estão inseridas me parece muito mais difícil. A minha crença é que quem demora a sair da zona de conforto vai ter menos competitividade no mercado. Não por ‘lacração’ e sim por falta de resultados”.