Duas coisas. A primeira delas. Aos pés da Estátua da Liberdade há uma placa de bronze com um poema escrito por Emma Lazarus, uma poeta americana, do qual um trecho usamos na Young Rubicam quando fomos a agência escolhida para divulgar a campanha de arrecadação de fundos para a recuperação do monumento.

A campanha foi um sucesso, pois naquela época os americanos e os próprios povos livres acreditavam na ideia de liberdade e acolhimento. Aquela estátua, cujos turistas fazem selfie, foi, sim, um símbolo de uma nação e a representação de um ideal das pessoas de boa vontade. Eis o trecho:

“Aqui nos nossos portões banhados pelo mar e dourados pelo sol, se erguerá/Uma mulher poderosa, com uma tocha cuja chama/É o relâmpago aprisionado e seu nome Mãe dos Exílios./Do farol de sua mão/Brilha um acolhedor abraço universal;/Os seus suaves olhos/Comandam o porto unido por pontes que enquadram cidades gêmeas./‘Mantenham antigas terras sua pompa histórica!’, grita ela/Com lábios silenciosos/‘Dai-me os seus fatigados, os seus pobres,/As suas massas encurraladas/ansiosas por respirar liberdade/O miserável refugo das suas costas apinhadas./Mandai-me os sem abrigo, os arremessados pelas tempestades/Eu ergo o meu farol junto ao portal dourado.’”

Trump e boa parte de seus eleitores nunca devem ter ido à Estátua da Liberdade, hoje um caça-níqueis turístico. A ideia de que centenas de milhares de turistas tenham por algum momento pensado em seu símbolo é bisonha. Ela e sua tocha hoje têm o mesmo significado que a réplica que marca a entrada de um dos grandes shoppings do Rio de Janeiro. Excelente para se autofotografar com cara de babaca. No caso da original, com gorro na cabeça para dizer que está frio.

Segunda coisa: Sei que estou mal-humorado. Escrevo estas toscas linhas pouco depois de o presidente liberar a posse de armas, primeiro passo para a liberação do porte e o livre comércio. O que acho disso? Eu digo.

Acho que como o governo eleito corre o risco de se restringir a uma pauta espetaculosa e verborrágica, até chegar a hora de fazer política de verdade. Daí, babau. Como diria o guru deles todos, Olavo de Carvalho, que virou meta de peregrinação devidamente protegido numa cidade americana – daí fudeu (sic). Não me falta em nenhum momento a vontade de estar errado. Adoraria morder a língua.

Exponho-me ao ridículo de amigos e conhecidos por descrer. Rezo, se fé me restou, para que tudo dê certo. Mas (horror! horror!) estou velho. E já passei pelo Jânio, pelo Collor, por generais amalucados – na própria opinião da caserna, como o Nini que espancava automóveis – e por muitos outros parecidos. Nunca deu certo, nem mesmo o operário pelo qual verti lágrimas emocionado no dia de sua vitória. Mas, antes que me morra a puta da esperança, vamos ver.

Meu lado feminino sempre acha que o espancador bêbado vai se regenerar, ilusão cruel das vítimas de violência. Claro que hoje gostaria de poder estar contando as besteiras pelas quais sou pago para escrever, claro que teria o maior prazer em comentar as opiniões do Posto Ipiranga a respeito de economia, claro que pretendo dar um tempo. Eu dei um tempo até para o nosso querido Adhemar de Barros, o protomaluf, cujo slogan de campanha foi Desta vez vamos! Fumo. Desculpem a falta de jeito. Os dias são assim. Semana que vem conto a do cliente, do papagaio fanho e do banheiro que colocaram o vidro do lado errado e revelava tudo o que se passava lá dentro. Juro. Não deixe de me ler só pelo desabafo. Só me faltava essa!

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)