Evandro Fióti (Divulgação)

A Laboratório Fantasma nasceu como gravadora para gerir a carreira de seu sócio mais famoso, o rapper Emicida. A empresa cresceu, virou marca de roupa, selo fonográfico e produtora. Hoje faz parcerias com gigantes como Nike, Amazon, Bradesco e Heineken, entre outros. O objetivo da empresa é mudar o mundo por meio da música e do entretenimento, conforme explica Evandro Roque de Oliveira, ou simplesmente Fióti, CEO da Lab e irmão de Emicida. Nesta entrevista, o executivo, que também é músico, conta os segredos para o êxito.

Como a Laboratório Fantasma começou?

A empresa foi fundada por mim e meu irmão, o Emicida, em 2009. Eu tinha trabalhado durante três anos. Cheguei a ser gerente do McDonald’s e saí de lá para fundar a empresa para gerir a carreira dele. Toda a gestão de propriedade intelectual, booking, produção, shows, assessoria de imprensa… Em conjunto com ele. Foi assim que surgiu a Laboratório Fantasma, que depois começou a ser uma plataforma de conteúdo, entretenimento e voz para novos artistas.

Como a empresa se define hoje?

Uma plataforma de entretenimento e de comportamento voltada para pessoas que tenham uma sensibilidade e, principalmente, interesse de usar a arte e a música como uma ferramenta de transformação social no Brasil. Temos dentro do nosso ambiente de negócio e também dentro do nosso propósito a questão da transformação. Não é mais só uma empresa de distribuição de música e não se trata mais de uma empresa que gerencia carreiras de artistas, até porque a gente não trabalha com todo e qualquer artista, na verdade. Trabalhamos com aqueles que tenham propósito alinhado com o que a gente acredita. O essencial é atuarmos bem dentro do universo do entretenimento, de uma maneira a gerar valores que a gente acredita ser necessários. Se você acompanhar todo o trabalho feito pela Laboratório Fantasma, ele sempre tem essa mensagem de transformação dentro de qualquer atuação. Pode ser simplesmente um clipe, uma música ou um álbum. Construímos uma trajetória ao ponto de ter remoldado o mercado da música e da moda e ter virado referência dentro disso, principalmente para jovens dentro da periferia. Esse é o nosso objetivo: fazer com que as pessoas consigam se enxergar nos ambientes de negócio.

Você sente essa responsabilidade de ser um representante para a geração de jovens negros que estão saindo da universidade e estão querendo empreender também?

A gente acaba virando a exceção que confirma a regra, infelizmente. Temos acompanhado o universo business de maneira geral e tem se tornado essencial você trabalhar com a diversidade de verdade. No backstage também para você conseguir, inclusive, clientes. Mesmo que seja dessa forma dentro da indústria capitalista, obrigatória, eu ainda acredito que seja um avanço positivo, porque pelo menos as pessoas vão passar a se reconhecer em todas as frentes. E o mais essencial para mim é que esse capital financeiro passa a circular dentro da mão de pessoas negras e isso faz com que a nossa comunidade consiga avançar. O desafio de trabalhar com isso é que realmente é um lugar um pouco solitário. As pessoas não conseguem compreender como a estrutura do Brasil é racista. A abolição da escravatura foi como foi. Hoje a gente vê uma consequência muito grande disso. A gente não é um exemplo de vitória. Como muitas vezes o lado branco da história tenta colocar: ‘ah, mas vocês se dedicaram demais, por isso vocês deram certo’. Não. Foi uma junção de fatores que fez com que a gente conseguisse furar a bolha e, ao mesmo tempo que isso é positivo, é triste também porque é um lugar bastante solitário.

Já fez muita reunião de negócios em que você era o único negro?

Sempre. A gente começa a lidar com esse universo. Para a gente era distante… Você pensar, por exemplo, em sentar numa mesa com presidente de gravadora, com CEO de agência… E aí você começa a se deparar com esse universo completamente branco e heterossexual. Aí eu comecei a entender a importância do papel político que a minha atuação também tinha enquanto empresário, e aí vem aquela responsa de você ter de ser de novo 10 vezes mais.

O que é esse conceito 10/10?

Refletimos muito de que maneira poderíamos nos posicionar nesse momento, traduzindo um pouco do que foram esses 10 anos de atuação. E nos inspiramos muito no universo esportivo pra poder contar essa história. A gente se vê como atletas do entretenimento. Se você analisar dentro da história, estamos traduzindo um pouco do que ocorreu, colocando que a cada ano a gente superou um grande obstáculo. Primeiro de acreditar no sonho, de começar a fazer acontecer, e depois isso vem caminhando ano após ano com a gente primeiro mostrando dentro do universo do rap e do hip-hop a importância do que a gente tava construindo, depois fazendo isso dentro do universo da moda e agora dentro do entretenimento de uma maneira geral, produzindo filmes e campanhas. Sempre com esse olhar de que a gente consiga fazer algo que seja realmente disruptivo dentro da história, principalmente vivendo a do Brasil. Já tivemos outras lideranças negras que avançaram, mas dentro do rap, do universo da música, tenho certeza de que os passos que demos foram únicos em termos de história do entretenimento no país.

Vocês têm proximidade com agências como Mutato e AKQA, mas também são líderes criativos. Como elas ajudam vocês?

Eu procuro sempre me associar a agências que tenham no DNA o pensamento parecido com o nosso. Por isso essas agências que você citou têm trabalhado mais fortemente para traduzir um pouco do que a gente faz. Se você vai numa agência como a Mutato, você vê pessoas negras liderando áreas e principalmente entre todos os departamentos com autonomia pra gerar negócios. Entendo que é um passo de cada vez, eles são uma agência pequena, mas o simples fato dessa virada de chave tem dado a eles a possibilidade de trabalhar com contas e com clientes que valorizam isso e que eu acredito que é o futuro essencial dentro da indústria capitalista. Como o perfil do consumidor mudou, não basta mais você só colocar uma peça, por exemplo, no intervalo comercial da Globo. Não se trata mais só disso.

Você mencionou o intervalo da Globo. Como a Lab se promove como marca? Como é o marketing de vocês?

Internamente, temos uma equipe que é gerida pelo Felippe Guerra, que é nosso head de mar- keting que começou a atuar conosco em 2019. Temos trabalhado com algumas agências digitais e bastante com influenciadores para campanhas não só da marca, mas também para as de lançamento dos artistas.

A Lab tem muito essa preocupação de não se descolar das suas origens. Como vocês fazem pra isso não acontecer? Pra não virar uma “marca de playboy”?

Cara, parece difícil e complexo, mas não é. As nossas mensagens têm impacto direto com nosso público consumidor final. Tudo que você vê do nosso trabalho a gente tem essa preocupação de dialogar com a diversidade e principalmente dentro da periferia. Trabalhamos com um propósito de transformação muito forte, usando a música como essa ferramenta.

A Lab é uma marca exclusiva para o público negro?

Não colocaria dessa maneira. Nossa mensagem é direcionada para pessoas que entendem que é importante a gente mudar o mundo e a música pode ser uma ferramenta de transformação para isso. Nós mesmos encontramos muitas pessoas brancas dentro da nossa trajetória que tiveram a hombridade e a generosidade de reconhecer seu lugar de falar, seu privilégio. Conseguiram estender a mão para que a gente pudesse dar passos importantes no mercado. Isso ocorre todos os dias.

Vocês foram ao São Paulo Fashion Week em 2019?

Não. Participamos de três edições, uma em 2016 e duas em 2017. Depois fizemos a colaboração com a C&A em 2018. Levamos nossa mensagem, que é representar as pessoas que vêm do universo que a gente vem. Essa é a nossa essência.

Você mencionou a parceria com a C&A. Ela gerou o retorno esperado? E quais outras marcas já fizeram parceria com vocês?

A gente precisava provar ao mercado que a história que a gente tava construindo era sólida e já tinha um público interessado que estava carente de representação. Em relação a outras parcerias, fizemos campanhas com iFood, Nike, Natura, Prime Video da Amazon com a WMcCann, Heineken, Bradesco… Enfim, acredito que quando você tem claro o seu propósito isso facilita muito o ambiente de negócios. As marcas e os clientes entenderam que existe essa mudança de comportamento no perfil da população.

O que você espera para os próximos 10 anos?

Espero que a Lab esteja posicionada como uma empresa forte dentro do entretenimento global, que tenha contribuído para a equidade de pessoas negras dentro do universo de negócios e também fora dele. Que a gente possa estar vivendo outro Brasil. Que a Lab tenha colaborado com isso, que a gente tenha mais pessoas negras dentro das universidades, que a gente tenha mais pessoas negras como protagonistas nos filmes, no universo de negócio e que a Lab tenha sido uma peça importante para dar voz e espaço para essas pessoas. Passados 10 anos, conseguimos materializar o que falávamos. Hoje você vê várias gravadoras e selos que se inspiraram no nosso modelo de negócio. O universo do rap passou a ser referência dentro da indústria da música. Quero fazer isso dentro do entretenimento agora. Nossa intenção não é ter o crédito disso, mas poder colaborar para que realmente, cada vez mais, consigamos abrir mentes e, principalmente, empoderar a população brasileira da importância do sonho e de mostrar os lugares que o negro pode ocupar de verdade.