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“Quem lacra, não lucra!”. A máxima é famosa na internet. Se uma campanha abraça determinadas causas ou exalta certos comportamentos, é praxe que um dos comentários postados será a famigerada frase. Num mundo cada vez mais dividido, será que as grandes empresas estão produzindo campanhas milionárias apenas para serem elogiadas a esmo e “lacrarem” nas redes sociais?

Lucra ou não lucra?

PROPMARK ouviu duas marcas que sempre são “atingidas” pelos comentários que afirmam: “Quem lacra, não lucra!”. A primeira delas é o Burger King. E não é de hoje. Em 2014, a empresa lançou o seu Pride Whopper. O que ele trazia de diferente? Aparentemente, nada. Apenas a embalagem: o sanduíche era envolvido num papel com as cores da bandeira LGBTQ+. Dentro da própria embalagem, os clientes descobriam a mensagem “somos todos iguais por dentro”. Não havia nada de diferente no tal lanche.

Recentemente, a marca resolveu abordar o poliamor, tema da nova campanha da marca para divulgar a promoção King em Dobro.

As reações, não demoraram.

A marca respondeu e deixou os haters ainda mais furiosos.

Se eles estão preocupados? Segundo Ariel Grunkraut, diretor de marketing e vendas do Burger King no Brasil, a resposta é não. O executivo afirma: “quem lacra lucra sim!”. Ele explica: “temos em nosso DNA a ousadia e a vontade de fazer parte das conversas dos nossos consumidores, e, nos últimos dois anos, estamos trazendo cada vez mais esses traços da nossa personalidade para as campanhas de comunicação. Fomos a primeira marca a trazer uma Drag Queen para a televisão nacional, lá no começo de 2017; participamos como patrocinadores da Parada LGBTQ+ de SP em 2018; debatemos sobre a importância da conscientização do voto nas Eleições; admitimos os nossos haters para debater um assunto muito sério: o preconceito; e, agora, trouxemos um trisal para falar sobre nossa promoção King em Dobro, algo nunca feito por outra marca também”, explica.

As iniciativas não danificaram a marca, pelo contrário. “Todas essas campanhas trouxeram temas polêmicos que, além de não terem prejudicado os resultados da companhia, ajudaram a alavancar o Burger King ainda mais no mercado: nos últimos dois anos, nossas vendas cresceram uma média de 30% e nosso EBTIDA de 47% ao ano. Já nosso lucro, saiu de -R$93MM em 2016 para R$128MM em 2018”, comemora.

Para Rafael Donato, VP de criação da David, responsável pelas campanhas do BK, o mundo nunca esteve tão polarizado e engajado. E os consumidores estão buscando por marcas que representam o que eles acreditam. “Portanto as marcas que conseguem se alinhar com questões importantes para eles acabam pegando carona nas discussões e viram assunto. Se falam bem ou falam mal de uma marca, pouco importa, porque o saldo normalmente é positivo. O importante é falarem. Vemos isso com Nike e Burger King, por exemplo. No mundo de hoje, não tem mais pra onde se esconder. Marcas que ficam no muro e não se posicionam acabam passando desapercebidas. E isso não é bom para o negócio”, analisa.

Outra que é sempre recebida com o “quem lacra, não lucra” é a Natura.

Recentemente, a empresa resolveu perguntar: O que uma marca de beleza pode fazer pelo mundo?

Para Maria Paula Fonseca, diretora global da marca, Natura é a prova de que é possível, tendo propósito desde a sua origem, fazer negócios e estimular a transformação da sociedade. “Somos uma empresa que busca promover impacto positivo nos âmbitos econômico, ambiental, social e cultural. Desse modo, devemos sim buscar o lucro, base de nossa operação, mas ele não deve ser a finalidade única de nossa existência. Para a Natura, a ambição de crescer e ampliar lucros, como qualquer empresa privada, deve ser exercida de maneira virtuosa, criando riqueza também para a sociedade como um todo. Esse é um princípio que norteia nosso comportamento empresarial, e se reflete em nossas ações e campanhas. Tem sido assim em nossos 50 anos de vida”, explica a executiva.

Para a Natura, lucro e propósito são indissociáveis, e eles compõem a essência do negócio. “O Bem Estar Bem é o propósito que move a Natura, e a maneira com que o expressamos tem evoluído ao longo da nossa história. Embora tenha sido formulado com essas palavras no início dos anos 1990, o Bem Estar Bem já estava presente na Natura desde a década de 1970, quando a venda direta se consolidou em nosso modelo de negócios como um veículo de conexão entre as pessoas e de geração de valor para uma rede crescente de mulheres em busca de autonomia financeira”, analisa.

Ao longo de sua história, a marca provocou debates na sociedade. “E é o que queremos agora com nosso novo posicionamento de marca: ‘O Mundo É Mais Bonito Com Você’, que é um convite para que as pessoas sejam agentes de transformação da sociedade. Se chegamos até aqui, aos 50 anos, é porque nossas consumidoras e consultoras compartilham de nossas crenças e valores”, afirma.

Termo

Obviamente, o termo “lacrar” resume algo muito maior e já ganhou interpretações depreciativas na internet. “Dizer que alguém ‘lacrou’ demonstra admiração por uma ação ou fala considerada um ponto final de uma discussão. É como se, depois que alguém ‘lacrou’, nada mais pudesse ser dito. No entanto, debates não pressupõem um encerramento inquestionável. Desse modo, ‘lacrar’, mesmo que não tenha sido essa a intenção, pode ser algo que acaba por estimular o clima de intolerância mútua que temos visto em redes socias hoje, em que opiniões prevalecem sobre debates. Não queremos lacrar, queremos abrir diálogos e estimular a reflexão”, explica Maria Paula.

“Hoje sabemos que diversas pessoas usam a gíria dentro de um contexto negativo mas, para nós, ‘lacrar’ sempre vai ter um significado positivo. A gíria ‘lacrou’ surgiu como um bordão do youtuber Romagaga em 2013, e foi sendo popularizada entre a comunidade LGBT como um meme da internet, até chegar ao vocabulário popular. Como no Burger King todo mundo é sempre bem-vindo e nós apoiamos a diversidade, encaramos esse termo como um elogio”, explica Ariel Grunkraut.

Criação

Outra marca que apanhou na web, mas também foi elogiada foi a Trident. No início do ano, um vídeo protagonizado por Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, viralizou. A marca resolveu pegar carona na repercussão e se manifestou. Na filmagem divulgada, Damares aparecia dizendo que era uma “nova era no Brasil” e que “menino veste azul e menina veste rosa”. Assista:

A Trident, num post criado pela F/Nazca Saatchi & Saatchi, afirmou: #CorNãoTemGênero:

Pedro Prado, diretor de criação da F/Nazca, explica que nas redes sociais, tomar um partido ou ter uma opinião sempre exige ter que se preparar para as pedras. Isso vale para pessoas, vale para as marcas. “No caso de marcas, sempre que se decide entrar em algum assunto sensível, é necessário preparar-se com inteligência de moderação. Estar preparado pra responder, argumentar, dialogar. No caso deste post de Trident, os números são coloridos. Só no Facebook a marca conquistou 17k novos seguidores, 9,7MM de pessoas alcançadas (73% orgânicos), 163k de reações (57% Amei)”, relata o criativo.

Mas será que o medo engessa a criatividade? “Repondo por mim. Óbvio que precisamos criar com responsabilidade e respeitar o DNA e as verdades de uma marca. Isso feito, não podemos deixar de criar e arriscar. Dá medo? Às vezes, dá. Mas não arriscar dá um medo muito maior: de virar paisagem e entrar no cada vez maior Clube das Marcas Invisíveis Que Falam Coisas Mornas Sem Correr Riscos”, alerta Prado. O post azul/rosa foi a peça de maior engajamento na história de Trident. “Com algumas manifestações negativas, claro, mas com um número gigantesco de manifestações de apoio à postura da marca. Ou seja: acho que lacramos, né?”, brinca o diretor.

Futuro

Com um país cada vez mais dividido, será melhor para as marcas se manterem neutras em relação a temas espinhosos? “Vamos continuar criando ações que vão de encontro à identidade da marca, que apoiam a diversidade, e com o nosso propósito de fazer com que todos se sintam bem-vindos em nossos restaurantes. O que podemos dizer é que vamos continuar discutindo temas importantes para a sociedade e esperamos continuar lacrando cada vez mais”, destaca o diretor de marketing e vendas do Burger King no Brasil.

A Natura acaba de lançar um posicionamento institucional que visa a mudança por meio das atitudes de cada um. “Convidamos as pessoas a serem agentes de transformação da sociedade, ao mesmo tempo em que reforçamos os princípios e os compromissos da marca como o compartilhamento de riqueza, a não realização de testes em animais, a valorização da diversidade, a redução de resíduos, a escolha de ingredientes vegetais e de fontes renováveis, o cuidado com a origem dos produtos e o combate às mudanças climáticas”, explica a diretora global da marca.

Continuar criando campanhas que, eventualmente, recebam o comentário “quem lacra, não lucra” é necessário, mas, como bem ressalta Pedro Prado, “sempre com responsabilidade”.