Na próxima quinta-feira (5), comemora-se o Dia da Amazônia, data que chama a atenção das pessoas para a importância da maior floresta tropical do mundo e da sua biodiversidade para o planeta. O dia escolhido faz referência a 5 de setembro de 1850, quando o príncipe D. Pedro II decretou a criação da Província do Amazonas (atual estado do Amazonas). Ameaçada por desmatamentos ilegais, a Amazônia encontra-se no epicentro de uma polêmica global, depois que o registro de uma série de incêndios ganhou o mundo, junto com informações alarmantes sobre a política ambiental do governo brasileiro – que culpou, publicamente, ONGs de preservação ambiental pelo fogo. Segundo ele, haveria a intenção de incriminar o governo.
Estas não são as maiores queimadas já registradas na história da Amazônia, mas são as mais intensas desde 2010. O Programa Queimadas do Inpe afirma que os registros de focos de incêndio de janeiro a agosto de 2019 já são os maiores em sete anos. Isso representa um aumento de 82% comparado ao mesmo período do ano passado. Contribuíram para que o assunto ganhasse o mundo a personalidade impulsiva e o estilo verborrágico do presidente Jair Bolsonaro, que levaram inclusive a incidentes diplomáticos – como as farpas públicas trocadas com o presidente francês, Emmanuel Macron. O resultado foi a piora da imagem do governo brasileiro no âmbito internacional, quando o país já ocupava as manchetes dos principais veículos do mundo como Wall Street Journal, CNN, New York Times e The Guardian, com chamadas e artigos sobre os incêndios.
Bolsonaro deu declarações malcriadas, rejeitou ajuda de US$ 20 milhões dos países que compõem o G7, mandou a Alemanha reflorestar o próprio país, mas aceitou ajuda de Israel para conter as chamas. Recebeu, ainda, publicamente, no Twitter, uma defesa do presidente americano, Donald Trump, que afirmou que Bolsonaro estaria fazendo de tudo para combater os incêndios.
Na altíssima velocidade com que se espalham as notícias, o mundo acompanha os desdobramentos da crise. Tim Cook, presidente da Apple, e várias celebridades internacionais como Leonardo di Caprio, Viola Davis e Oprah Winfrey, se posicionaram publicamente. Em um Tweet, Cook afirmou: “É devastador ver incêndios e destruição assolando a floresta amazônica, um dos ecossistemas mais importantes do mundo. A Apple doará para ajudar a preservar sua biodiversidade e restaurar esta floresta indispensável”.
“Conversei com alguns diplomatas com mais de 40 anos de Itamaraty. Nunca viram tantos erros de relacionamento, imagem e negócios”, observou Washington Olivetto, que hoje mora em Londres e atua como consultor para o Grupo McCann. “A ignorância está deixando o país cada vez mais distante do mundo”.
Repercussão
Marcello Serpa, que mora no Havaí, disse que por lá só se fala nos incêndios e trapalhadas do presidente brasileiro. “A posição do presidente é questionada. A atitude de colocar a culpa nos outros, negar fatos e inventar uma realidade paralela é bem conhecida aqui nos Estados Unidos, porque o Trump faz isso o tempo todo. Bolsonaro segue a mesma cartilha. A diferença é que Trump lidera a maior economia do mundo, com outra importância geopolítica”, disse Serpa. Segundo ele, a imagem do Brasil no exterior hoje está vinculada à de Bolsonaro, e isso, no longo prazo, pode afetar a imagem do país como um todo. E lembra que Bolsonaro não está sozinho prejudicando a imagem do Brasil: Trump tem a mesma imagem intempestiva e fenômenos semelhantes ocorrem hoje na Polônia, na Hungria, nas Filipinas, na Turquia e até mesmo na Inglaterra. “Ele é parte de um fenômeno, estamos todos no mesmo barco”.
PJ Pereira, da Pereira O’Dell, que vive em Nova York, concorda que o problema, no longo prazo, é de uma crise de credibilidade, a partir da mudança de premissas diplomáticas fundamentais, algo que pode demorar décadas para se reconstruir.
“A única ‘sorte’ do Brasil é que o mesmo está ocorrendo nos EUA, na Inglaterra. Compromissos de muitas décadas estão sendo questionados pelo mundo todo. Perdem todos, especialmente os mais fracos”.
José Papa Neto, chairman global da Bett em Londres, também acredita que o populismo desenfreado no mundo tem levado muitas das principais “marcas” globais a perderem o brilho. “A da Amazônia tomar essa proporção é uma pena, pois um bom trabalho de comunicação embasado em dados técnicos conteria a onda negativa”, afirma. Pensando o Brasil como marca, Joanna Monteiro, diretora de projetos globais da FCB, fala que estamos com problemas.
“Quem quer consumir marcas sem responsabilidade social e pouco comprometidas com temas como diversidade, preservação ambiental e sustentabilidade? Poucos. Porque algumas coisas são claras para todos, são fáceis de saber se são boas ou ruins. Queimar e desmatar a Amazônia, tirar terras dos índios e usar agrotóxicos proibidos no mundo são claramente ruins, por isso são temas que mobilizam e deixam tanta gente exaltada no Brasil e no exterior”, comenta.
Por sinal, algumas represálias internacionais foram ensaiadas por parte de marcas que compram couro do Brasil. Depois de ameaçarem suspender as importações, decidiram prosseguir desde que mais informações sobre a procedência dos produtos sejam fornecidas daqui para a frente. Entre as marcas envolvidas no movimento estão Timberland, Kipling, Vans, Eastpack, Dickies e Terra.
No Brasil, a Natura, que tem uma de suas linhas, a Ekos, voltada exclusivamente para a defesa da Amazônia, foi a única marca a se posicionar na mídia, através de um comunicado. No trecho final, fala que “precisamos, juntos, superar este momento. Para alcançarmos o desenvolvimento sustentável e uma sociedade mais equilibrada, cidadãos e empresas devem ser ouvidos em um diálogo construtivo com o poder público. A participação de diversas vozes, inclusive e sobretudo as dissonantes, é fundamental para decisões mais acertadas em temas tão sensíveis para todos. Afinal, não existe floresta em pé se a gente ficar sentado”.
A campanha de Ekos que está no ar tem como mote É tudo uma natureza só e objetiva mostrar como a Amazônia está mais próxima das pessoas do que elas pensam. O filme mostra a realidade de quem vive na Amazônia, e enfatiza a interconexão de tudo, impactos e ecos no restante do mundo de tudo o que acontece lá. Nenhuma outra marca brasileira se posicionou claramente, o que não chega a ser uma surpresa. Em meio a tantas discussões e polêmica, defender a Amazônia se transformou em posicionamento político, uma vez que o próprio presidente Bolsonaro se nega a reconhecer a gravidade da questão ambiental no país e sua repercussão global. Como se defender a natureza, como já sugeriu o próprio presidente e sugerem inúmeros de seus apoiadores, fosse coisa de “esquerdistas”.
“Incrível pensar que, na primeira vez que eu fui ao Festival de Cannes, em 1990, ganhamos um Leão de ouro com um filme pela preservação da Amazônia (da DPZ, para a ONG SOS Amazônia), e, agora, em 2019, este assunto ainda tenha relevância e urgência”, comenta Gustavo Bastos, sócio e criativo da OnzeVinteUm, que na semana passada veiculou anúncio de uma página no jornal O Dia, seu cliente, que dizia: “Resolvemos fazer este anúncio dias antes, pois não sabemos se teremos Amazônia no dia 5 de setembro para contar a história”.