Da união de 40 empresas virá a construção da nova fábrica do Instituto Butantan, que será capaz de garantir ao Brasil a independência na produção da Coronavac, além de outras vacinas. Organizado pela Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade (InvestSP), o consórcio evidencia a mobilização das marcas na busca mais premente da sociedade em todo o mundo: a solidariedade. O advogado Wilson Mello, presidente da InvestSP, conta a seguir como conseguiu engajar as empresas ao projeto que já angariou cerca de R$ 186,6 milhões.
Como surgiu a necessidade de se ampliar a fábrica do Butantan?
Quando fechamos a parceria com a Sinovac Biotech para a produção conjunta da vacina contra o coronavírus, em 2019, sabíamos que o Instituto Butantan não teria condições de fazer a produção da vacina integralmente em São Paulo desde o seu início, com as plantas de que dispunha naquele momento. Sabíamos que o Butantan teria a capacidade para finalizar as vacinas, importar matéria-prima, que é o famoso IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) e, a partir daí, finalizar as vacinas e embasar as doses, colocando-as em ampolas. Mas, como o nosso contrato com a Sinovac previa a transferência de tecnologia, ou seja, que nós poderíamos produzir integralmente a vacina em São Paulo, percebemos que seria necessário construir uma nova fábrica para o Instituto Butantan.
Quando foi isso?
A necessidade de se construir uma nova fábrica surgiu no mesmo momento em que o Butantan negociava com a Sinovac o contrato para transferência de tecnologia para a finalização de fase três. Essa negociação com a Sinovac começou em maio de 2020, mas ela se concretizou algum tempo depois. Por volta de outubro do ano passado, quando estava tudo certo com a Sinovac e começaram a vir os primeiros insumos para a produção aqui, é que tomamos a decisão de construir uma nova operação industrial.
Em que momento decidiram recorrer à iniciativa privada?
Se nós fôssemos construir uma fábrica nova para o Butantan com os recursos públicos, seguindo as regras do direito público, seríamos obrigados a respeitar todo o trâmite da legislação que rege o tipo de contrato com a administração pública. Teríamos de fazer licitação, com respaldo na Lei 8.666, edital e tudo isso, por mais adequado que seja quando se trata do dinheiro público, leva muito tempo. Então, o objetivo de construir uma fábrica o mais rapidamente possível, para que a gente pudesse ter a nossa independência produtiva, não conversava com a ideia de recorrer ao dinheiro público.
Faltaram recursos?
Não era falta de recursos. Qualquer que fosse o valor de uma fábrica de vacinas, seria tranquilamente absorvido pelo orçamento público. Mas o desafio era de tempo, pois queríamos construir essa fábrica em prazo chinês no Brasil. Em outubro, o governador, João Doria; o vice-governador, Rodrigo Garcia; o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas; e eu chegamos à conclusão de que a única maneira de construirmos essa fábrica e deixá-la pronta ainda no ano de 2021 seria se nós usássemos os recursos privados. Tomamos a decisão de fazer um chamamento ao setor privado, explicando o porquê da necessidade de termos uma fábrica, que vai nos dar independência produtiva para a produção de vacinas.
Como foi esse processo?
Mais do que um chamamento, precisávamos ter uma governança capaz de garantir a tranquilidade para doadores e empresas do setor privado, de entrarem em um projeto como esse. Criamos, então, um conceito, que, inclusive, poderá ser replicado para muitas obras do setor público no futuro. Ele parte da constituição de um fundo privado, administrado por uma empresa privada, uma entidade do terceiro setor chamado Comunitas, que seria, então, responsável pela gestão do projeto e do dinheiro. Teríamos um comitê gestor com a participação de integrantes da iniciativa privada e do poder público, fazendo a governança desse projeto em conjunto para que as empresas pudessem ter a tranquilidade e a confiança de colocarem as suas doações nesse fundo.
Quais são os valores envolvidos?
A pretensão inicial era arrecadar R$ 130 milhões, valor que já nos permitiria colocar de pé uma boa fábrica de vacinas. Só que não queríamos só uma boa fábrica de vacinas, mas sim a melhor fábrica de vacinas possível de ser construída em um prazo relativamente curto, estipulado em 42 semanas. Colocamos como uma segunda meta o valor de R$ 160 milhões. Depois, um terceiro objetivo, de R$ 185 milhões. Com R$ 160 milhões, conseguiríamos fazer uma fábrica excelente e, se conseguíssemos arrecadar R$ 185 milhões, faríamos a melhor fábrica de vacinas do mundo. Isso não tem a ver com a parte da construção civil e sim com equipamentos e tecnologias disponíveis.
Como foi a receptividade das marcas?
Começamos a falar com algumas empresas nos meses de setembro e outubro. No dia 2 de novembro, iniciamos a obra porque já tínhamos arrecadado R$ 130 milhões. Conseguimos atingir R$ 160 milhões no fim do ano de 2020, e continuamos as nossas buscas. Hoje, temos cerca de R$ 186,6 milhões. Somamos 40 empresas doadoras, cada uma com o seu valor.
Quando a fábrica deve começar a produzir as primeiras doses?
A previsão é finalizarmos a obra e entregar a fábrica ao Instituto Butantan no dia 30 de setembro de 2021. Entre outubro e novembro, o Butantan fará o setup da planta. Como entregaremos uma fábrica que nunca produziu, o Butantan não pode começar a produzir do nada vacinas ali. Existe todo um processo de organização, testes de produção e aprovação de boas práticas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para, aí sim, poder começar a produção em escala industrial. Em dezembro, começa uma produção que ainda não poderá ser feita na capacidade total porque são necessários ajustes e testes, mas já começa efetivamente a produzir. A partir de janeiro de 2022, a produção chega à capacidade máxima, de cem milhões de doses ao ano. Lembrando que essa é uma fábrica chamada de Centro Multipropósito para Produção de Vacinas (CMPV) porque pode produzir tanto a Coronavac como outras vacinas, inclusive ao mesmo tempo. Esse dinheiro adicional que fomos conseguindo ajudou exatamente a dar essa flexibilidade e simultaneidade à operação.
Existe alguma expectativa de antecipar o prazo de funcionamento?
Infelizmente não, até porque já estamos fazendo essa fábrica em 42 semanas. Nunca isso foi feito no Brasil. É um prazo recorde. A pressão, inclusive na construção, é muito grande. Não é uma situação normal, onde se instala um equipamento, depois outro. Para cumprir o prazo de 42 semanas, teremos de instalar tudo ao mesmo tempo. Essa é a preocupação, é um desafio de engenharia, para organizar o fluxo dentro da fábrica, e saber o que faz mais sentido começar agora. Essa fábrica vai ter mais engenheiros liderando o processo do que qualquer outra fábrica. Ar-condicionado, vapor, água e energia, entre outros sistemas, terão de estar alinhados porque tudo será instalado ao mesmo tempo, e tudo terá de funcionar. Fazer isso em menos de 42 semanas é impossível.
Continuam buscando a adesão de novas marcas?
Sim, estamos tentando fazer novas arrecadações para melhorar ainda mais a fábrica. Buscamos agora o valor de R$ 195 milhões, o que equivale a doações de mais duas ou três marcas. Já temos, por exemplo, empresas como a Amazon, que doou R$ 5,3 milhões; e o Boticário, com R$ 2,5 milhões. E, ao mesmo tempo, temos também o Itaú, com R$ 50 milhões; a Ambev, com R$ 20 milhões; e o Bradesco, com R$ 10 milhões. A nossa média de arrecadações girou em torno de R$ 5 milhões.
Pretendem fazer campanha para falar sobre o projeto?
Nunca se falou tanto em fábrica de vacinas. Hoje, o IFA passou a fazer parte da conversa e da vida das pessoas. Essa comunicação já está ocorrendo. O projeto já foi muito falado, e as próprias doadoras fizeram o seu trabalho, não só de endomar- keting, pois toda empresa tem muito orgulho de fazer a doação. Não é permitido que haja qualquer vinculação do projeto a marcas específicas, mas do ponto de vista institucional, a gente estimula que seja feita essa comunicação.
Como analisa o empenho das marcas em ajudar nesta empreitada?
Um dos grandes legados desta pandemia é a solidariedade. Não só com a vacina, mas de uma forma geral. Nunca se viu tanto engajamento das marcas e das empresas na solidariedade e na busca por ajudar aqueles que mais foram afetados pela pandemia. Além de termos avançado em apenas um ano o que seria realizado, provavelmente, em uma década do ponto de vista de digitalização, outro grande legado é essa solidariedade, especialmente no caso da fábrica da vacina.
O que determinou a decisão das empresas em aderirem ao projeto?
As pessoas fazem elogios ao governo por implementar essa arrecadação. Acho válido e justo, mas costumo dizer que esse é um produto muito bom para se vender. Não é tão difícil conseguir engajamento e pedir doações para uma fábrica de vacinas que será capaz de determinar a nossa independência produtiva na vacina contra a Covid-19, para garantir a única condição que vai nos tirar dessa situação horrível em que vivemos atualmente. Os bancos, as companhias multinacionais e as empresas nacionais que aceitaram participar das doações não teriam contribuído se não tivéssemos um grande projeto de governança e de compliance. Foi isso que ajudou a termos a solidariedade e a confiança das empresas.