Passei o Carnaval em casa, com família e neta. Apaixonado por Carnaval, desta vez nem vi televisão. Não tenho ideia de quem ganhou nos desfiles do Brasil inteiro. E olhe que gosto muito de fantasia, alegria, bunda, peito, embora saiba que não é não. Permito-me apenas um olhar cúpido (que língua a nossa!). Bom e respeitoso cidadão, não olho fixo para as deusas que passam no turbilhão da galeria, mas faço-o de rabo (epa!) de olho. Só saí para ir ao Teatro Oi Casa Grande. E me lembrei de uma cagada monumental que fizemos quando patrocinamos um musical naquele teatro. Nós não, um cliente nosso, com nossa interveniência. E burrice. Para a noite de estreia, distribuimos convites para altíssimas autoridades, empresários importantes, jornalistas de primeiro time e algumas celebridades mais longevas do que os 15 minutos que o Andy Warhol permite. A história é velha. Naquele tempo o prefeito do Rio ia a espetáculos teatrais. Uma noite fenomenal, para o qual o cliente reuniu toda a família e os maiores amigos, a diretoria inteira e o conselho de administração. A glória.

Conseguimos que o teatro nos permitisse fazer uma projeção falando do orgulho do patrocinador em participar de tão importante espetáculo. Algo naquela base meio babaca de que a empresa, além de sua profunda preocupação com o progresso e o bem-estar da população, também cuida da cultura. A demagogia básica da qual a gente, por mais crítico que seja, não consegue escapar.

Andei pensando em quebrar os paradigmas (meu Deus! “Quebrar paradigmas” – cheguei no fundo do poço) e propor um texto menos lugar-comum, mas a diretoria de comunicação foi contra e o responsável – veterano jornalista – acabou perpetrando ele mesmo o texto. Pegamos as imagens de um enorme, insuportável, documentário de apresentação, que era utilizado para os novatos na empresa conhecerem a casa e aproveitamos algumas imagens. Para fazer justiça ao texto, escolhemos as tomadas grandiosas das fábricas e instalações, intercaladas com as tradicionais cenas de operários e técnicos trabalhando, arrumadinhos e felizes. Aqueles materiais que todos nós já vimos milhares de vezes. Pelo menos todo mundo aceitou que a chorumela toda não levasse mais do que 30 segundos. Mandamos fazer o material, revisamos tudo cuidadosamente e, para garantir que não haveria nenhuma falha, testamos o equipamento do teatro. Corta. Estamos na noite de estreia. Tinha gente da maior importância. Três ministros, um governador, o prefeito, sete secretários de Estado, um delegado de polícia, celebridade, artistas, mulheres gostosas, celebridades célebres por serem celebridades, quatro craques de futebol, tudo que faz uma festa importante. Eu não pude ir (não sei se por sorte), mas me contaram em detalhes o que ocorreu. Na última hora, por aquela sucessão de burrices que derruba avião, começa guerras e destrói reputações, alguém trocou os DVDs da projeção. E, em vez da edição de 30 segundos, iniciou-se a projeção do documentário de quase meia hora.

Na tela, a história da fundação da empresa, seus ideais, cada uma das instalações, sua preocupação social, o clube de esportes, o departamento médico, blá-blá-blá. A distinta platéia começa a se mexer, incomodada. O cliente fica rubro de vergonha e raiva. Inicia-se uma correria e uma discussão do que fazer? Onde anda o filho da puta do Lula? Finalmente alguém consegue entrar na cabine de projeção e tirar do ar a porcaria do documentário, mais ou menos na hora que um operário olhando fixo para a câmara, com cara de bobo, recitava uma declaração de amor à instituição. Decidiu-se que alguém falaria pelo sistema de som algo como “pedimos desculpas pelo engano desta projeção. Convidamos a todos assistir ao espetáculo”. Mas, como sempre teve palpiteiro contra, iniciou-se uma confusão, acenderam-se as luzes da plateia, a briga foi ficando feia e… coroou-se a noite. No momento mais quente da discussão, o operador abriu o microfone da cabine e ouviu-se em quantidades industriais de decibéis um sonoro “putaqueopariu!”. E começou o espetáculo.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)