A movimentação de líderes nas agências não para. A cada semana, uma mudança, que surpreende e desperta a curiosidade nos observadores de plantão. Afinal, o que está acontecendo? Será que chegou a hora de renovação? Alguns dizem que há uma clara mudança de geração. Já para outros é uma transição natural, sem drama. No entanto, depois da saída de Fabio Fernandes, da F/Nazca S&S, um dos ícones da propaganda brasileira, escancarou algo que parece não ter fim. O PROPMARK saiu perguntando aos principais “comandantes” do mercado o que pensam a respeito.

A questão central foi: será que os dirigentes ou criativos não se adaptaram ou não se adaptam aos novos tempos e não conseguem entregar o que os anunciantes querem? E o faturamento? E os salários? A maioria acredita nisso tudo junto e misturado.

Um dos profissionais, que prefere não se identificar, afirma que há uma visão, às vezes, míope dos grupos de comunicação, aos quais as agências estão ligadas, que não enxergam a singularidade do mercado brasileiro. “Os grupos estão sendo muito pressionados por resultados. Mas resultado vem antes de trabalho no dicionário. Para ter resultado é preciso um grande trabalho, feito por grandes profissionais”.

Créditos: Markus Spiske/Unsplash

A mesma fonte diz ainda que os anunciantes buscam e precisam de grandes ideias. Ideias que engajem. “Todos tentaram encontrar outra solução que fosse mais in house. Eles quiseram ter o controle. Não rolou. Não deu certo. O grande trabalho vem com grandes profissionais. É assim em qualquer indústria criativa. Profissionais mais ou menos fazem um trabalho mais ou menos”, critica.

É claro que ele acha que as mudanças são sempre bem-vindas, e não poderia ser diferente, ainda mais em se tratando de um mercado criativo, que precisa de frescor. Ele lembra, por exemplo, da DM9, que, segundo ele, acabou por não ter um “cozinheiro”, um chef, um mestre. “Não porque o mercado está mudando. Nunca a criatividade foi tão necessária. Ela engaja, conecta, converte. Muda os ponteiros e os porquês. Já vi muita marca fechar por criatividade ruim. Nunca o contrário. Criativo é chef de cozinha. Quer médico bom, vá ao Kalil. Quer médico mais ou menos, sem ofensas, vá à esquina. Publicidade é igual. Não existe espaço para mais ou menos”, dispara.

O executivo de uma grande agência paulista continua firme nas críticas que fazem todo sentido. Ele afirma que ideia não é mato, que nasce em qualquer lugar. “Ideia precisa ser plantada, regada, cuidada, por gente que sabe o que está fazendo. Simples assim. Não respeito a maioria das agências que estão aí. Pois são agenciadoras. Só sobreviveram as criativas, pois nosso negócio foi construído em cima de ideias para os negócios dos nossos clientes. Tem agência enganando e não engajando”. Para ele, há uma fórmula ideal que passa pela sucessão orgânica, pelo compromisso com a criatividade e cultura ambiciosa. E fala que renovar não significa inovar. “Mas inovar é preciso”.

Gestão
Outro famoso publicitário, que também prefere o anonimato, acredita que as mudanças nos comandos das agências é uma simples troca de geração. E compara a situação da venda de uma agência à venda de um imóvel: “Você procura vender uma casa enquanto ela está inteiraça, quando ainda tem valor. A maioria dos publicitários que deixaram a agência, com exceção do Fabio Fernandes, quis sair do negócio. É uma questão de gestão, muitas das quais foram vendidas pelos principais líderes e estão indo muito bem, como a AlmapBBDO e a Africa. Não dá para colocar todo mundo no mesmo saco. Porém, tem a ver também com a mudança quase ‘dramática’ do mercado. Mas, quando a transição é feita de forma harmoniosa e consciente, o negócio se encaminha para o sucesso”.

Já Marcelo Reis, CCO e co-CEO da Leo Burnett Tailor Made, diz acreditar que não existe alteração no perfil dos profissionais na liderança das agências. Para ele, a única mudança é geracional. “O resto continua exatamente como sempre foi: excelentes líderes criativos como donos, sócios ou presidentes das empresas mais inovadoras do Brasil”. Segundo ele, as agências continuam entregando o que os anunciantes precisam, independentemente dos novos formatos de mídia. “Mas cabe a cada agência precificar a qualidade do que entrega. Cada uma com a sua autovalorização. Eu acredito que nunca estivemos tão criativos e inovadores. Somos, sim, parceiros vitais e estratégicos das nossas marcas”, pontua Reis.

Mas Rodolfo Sampaio, sócio e CCO da Moma, atribui, sim, às novas mídias e formatos as mudanças no mercado. Ele fala que esse foi um dos ‘grandes fatores de mudança’. “E todas as suas consequências”. Para Sampaio, de uma forma mais ampla, o mundo mudou, exigindo adaptação de muitos setores. “Dos táxis aos bancos”. “Com nosso mercado não foi diferente. E acho que os líderes criativos se adaptaram, sim, e rápido. Uns mais, uns menos”. Em relação aos anseios dos clientes, Sampaio afirma que sempre foi assim: “querem, como sempre quiseram, resultado”. “E entregar resultado requer disciplinas que não existiam nas agências. Mas as ferramentas estão aí, à disposição. Hoje, toda ideia tem de terminar em uma visão de performance”.

Conexão
Aurélio Lopes, chairman Brasil e Latin America da FCB, fala com toda propriedade de quem promoveu uma grande e recente mudança em sua agência. Ele fala que consegue fazer uma avaliação mais específica da FCB que pode, ou não, refletir o que acontece no mercado como um todo. “Por aqui estávamos em busca de uma liderança que fosse inspiradora, motivadora e moderna para me substituir na presidência da agência”, relata, acrescentando: “Poderia trazer um executivo e um criativo, mas como a criação é a matéria-prima do nosso negócio, optei por um criativo que também é um líder inspirador. Além disso, Ricardo John é divertido, carismático, atualizado e integrador”, descreve.

Segundo ele, no passado, todas as atividades de comunicação aconteciam internamente, dentro das agências. Hoje é diferente. “No mundo de hoje plugamos dezenas de parceiros para as mais diversas áreas: mídia, planejamento, tecnologia, produção, BI, social… Mas o principal core do negócio, o DNA da agência, é a criatividade. E essa não pode ser terceirizada”, conclui. Para ele, cada vez mais as agências vão precisar de diferencial criativo e líder inspirador. “Achamos uma figura que deixa claro o papel da criação no nosso negócio”.

Para um diretor-geral de uma das grandes agências do mercado carioca, as novas mídias e formatos são os principais fatores que levam às mudanças no mercado. Ele prefere falar em off e dispara que não tem a menor dúvida disso. Diz ser redator de formação e relembra o lado romântico e artístico de fazer “um filme memorável, um anúncio inesquecível”. “E isso mudou para entregas cada vez mais digitais, mais segmentadas com menos espaço para a criação e muito mais para a performance e conversão”. E alerta que não quer dizer que atualmente não possa ser criativos com as novas mídias. Mas acredita que o mercado “perdeu muito o glamour e a paixão”. “Tínhamos muito mais prazer em criar”.

Ele fala que conheceu alguns publicitários que não conseguiram se adaptar aos novos tempos. “Tive muitos colegas que ficaram pelo caminho. Foi uma guinada de 180 graus em muito pouco tempo. Praticamente uma nova profissão. Muita gente não conseguiu se adaptar ou simplesmente não concordou com essa nova forma de criar e deixou o mercado”, analisa.

Além disso, conforme opinião do executivo, os anunciantes hoje querem velocidade, expertises muito diferentes, trabalhos cada vez mais segmentados e direcionados. “Resumindo: o mundo digital, para muita gente, significa menos criatividade, muito mais trabalho braçal e estratégico e mais gente para fazer o trabalho com menos rentabilidade”. Os custos também colaboram com as mudanças. Ele afirma que costuma falar que o melhor da profissão é trabalhar por prazer e dinheiro. “Com os dois sempre é perfeito. E essa era a nossa realidade antes das novas mídias. Hoje, tentamos trabalhar por um dos dois: prazer ou dinheiro. Mas cada vez mais é menos os dois”, lamenta.

Adequação
Já Roberto Amarante, presidente do Conselho Global de Diretores da 3AW, acredita que as novas mídias e formatos têm parte da “culpa” pelas profundas alterações. Porém, segundo ele, não se pode atribuir as mudanças no mercado somente aos novos formatos, mas eles têm contribuído para a transformação. “Não acredito no fim das mídias tradicionais apenas pelo avanço das mídias digitais, mas, sim, uma adequação combinada. A minha leitura é de que as agências mudaram, assim como os profissionais”. Para ele, as agências estão se adaptando. “Acho que elas precisam entender essa dinâmica”.

Amarante busca respostas e arrisca dizer que talvez exista o receio por parte de alguns profissionais em tomar uma posição, fazer escolhas e alguns criativos podem ficar sem sua área de domínio. “É preciso entender que o tripé atendimento, criação e mídia mudaram, inclusive em suas nomenclaturas e funcionalidades, exigindo outros perfis de profissionais. “É preciso entender que faz parte da profissão estar preparado para se adaptar a esse mercado tão dinâmico”.

Os custos, para Amarante, são outro ponto nervoso. Ele lembra que a mídia digital, por exemplo, é relativamente mais barata e mensurável, com taxa de conversão, indicadores, cliques, leads, visitas no site etc. “A mídia tradicional tem outra métrica, mais voltada para o público em geral, guardando toda a técnica e estratégia para operar essas demandas, é outra adequação e, portanto, mais cara aos olhos dos clientes. A questão do custo é sempre um fator fundamental na escolha da estratégia de comunicação e seleção de mídias e veículos”, esclarece.

Roberto Duailibi, o “D” da lendária DPZ, hoje DPZ&T, também fala sobre as mudanças recentes no mercado, como a saída de Fabio Fernandes da F/Nazca S&S. Ele fala que a influência dos grandes grupos é inevitável. “O caso do Fabio é a soberania do Ebitda, coisa que nós não tínhamos. Nós trabalhávamos para ter lucro, mas não tínhamos noção de percentagem ou de quanto ia render aquele investimento que nós fizemos, dar satisfação para um conselho… O que aconteceu com o Fabio já tinha acontecido antes com o Martin Sorrell, com o Steve Jobs”, explica. “Alguém me falou: com essas empresas você tem de render exatamente aquilo que está planejado, porque se render menos, acende uma luz vermelha piscando, e se render mais, acende uma outra luz vermelha piscando. É uma situação diferente da nossa. A gente se divertia mais. Agora você tem essa meta e o Ebitda é cruel”, lamenta, mencionando o termo que na sigla em inglês significa Earnings before interest, taxes, depreciation and amortization. Em bom português, seria “Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização”.