Um dos efeitos colaterais mais perversos de uma crise financeira é o enxugamento de pessoal. Não bastasse o downsizing natural que os tempos modernos impõem aos negócios de qualquer setor, a crise é uma catalisadora impiedosa, colocando o passaralho apostos o tempo todo. E aí, todos perdem.

Os que são cortados têm dificuldade em se recolocar num mercado cada vez mais enxuto e competitivo. E os que ficam são obrigados a absorver o trabalho de quem saiu para garantir seu frágil posto de trabalho. Alguns dirão que a tecnologia permite esse enxugamento.

Em parte, é verdade, mas há o outro lado da moeda da onipresente tecnologia que te faz trabalhar a qualquer hora, de qualquer lugar. E aí eu me pego respondendo emails à meia-noite, desenvolvendo trabalho nos fins de semana. Então a jornada de trabalho se estende não só no escritório, mas também fora dele.

Sei que não deveria ser assim. Mas há uma sensação de urgência permanente no ar. Parece que ficaremos para trás se não agirmos imediatamente.

Eu sou daqueles que respondem a todos os emails, no máximo, no dia seguinte. Seja para dar uma resposta definitiva, seja para pedir mais tempo. Mas tenho me deparado com uma nova dinâmica, onde prevalece a ausência de resposta, mesmo quando o assunto interessa ao interlocutor. E vamos tentando de outras formas – via WhatsApp ou mesmo redes sociais… Ao visitar as grandes corporações acabamos entendendo o porquê.

Está todo mundo muito sobrecarregado. Estão todos chutando escanteio e correndo pra cabecear. Vale uma reflexão: não era para ser o contrário? Com a evolução da humanidade, o ser humano não deveria criar condições de viver com menos estresse?

Amigos que trabalham em países em estágio mais avançado de desenvolvimento relatam a dificuldade inicial de se acostumar a ritmos das 9h às 17h. Um deles, que está numa agência do Canadá, me disse que foi até advertido por ficar no escritório depois do expediente normal.

Não deveria ser assim, sempre, em qualquer lugar? Não deveríamos, todos, respeitar prazos minimamente factíveis e salubres para o desenvolvimento de nossas ações?

Será que devemos continuar carregando a pecha do país do jeitinho, do quebra-galho? Da virada de noite para entregar o job que pintou em cima da hora? Será que os profissionais têm de sair às 18h dando desculpa, alegando que têm compromisso?

Levanto esse tema porque estou à frente de um circuito de eventos pelo Brasil, propondo levar às agências de propaganda apresentações importantes para o desenvolvimento do seu negócio. E a adesão de donos e gestores de agências não tem sido a esperada. Ao questionar a ausência, ouvi da maioria que achava a oportunidade muito bacana e importante, mas que não tinha como se ausentar meio período da agência. Como assim?

Não tem tempo para conhecer ferramentas essenciais para melhorar a entrega da agência? Não tempo para conhecer novas técnicas para otimizar resultados? Isso é preocupante! E tem acontecido em boa parte dos eventos que tenho presenciado.

Com exceção daqueles eventos “obrigatórios”, vejo poucos publicitários procurando conhecimento e capacitação em outros menos óbvios, como aqueles focados em inovação e tecnologia, por exemplo. “Confirmei, mas não pude ir”, é o que mais ouço.

O tempo aparece quando conseguimos dizer não a prazos absurdos, quando decidimos ditar nosso ritmo. Não se trata de ser menos ágil ou menos rápido, trata-se de priorizar o que é mais importante e respeitar o tempo natural das coisas.

Temos de encontrar tempo para entender e digerir o novo, sob pena de ficar sempre preso ao mesmo modelo e às mesmas ferramentas. Não é assim que se compete num mundo de inovações constantes.

E você? Como está seu tempo?

Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional de Agências de Propaganda) (alexis@fenapro.org.br)

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