Você pode não acreditar nesta história. Eu não acreditaria. Acho que nem acredito, mesmo tendo a vivido há exatamente dois dias, com várias testemunhas, algumas até de respeito. Ninguém estava bêbado ou alterado e os desdobramentos foram acompanhados por pessoas cujas credibilidades muita gente põe a mão no fogo sem pestanejar. Vou ao assunto, antes que você desista, tal como jamais consegui acompanhar o programa do João Kleber, cujo teaser fica tão longo que eu me satisfaço com ele. Vocês poucos que me honram com a leitura se lembram que há semanas falava da iminente morte de meu cão, um labrador preto chamado Café.

Não quero sacrificá-lo, pois o veterinário garante que ele, apesar de estar com problemas da idade, não está sofrendo. O veterinário acha, e eu concordo, que enquanto o cão come e reage com imensa alegria (a de sempre) ao ver os integrantes da família, devemos deixar a ele a decisão de viver ou ir embora. Na sexta-feira de Carnaval eu estava num pequeno bistrô na Cobal do Humaitá, aqui no Rio de Janeiro, comendo uns peixinhos que o dono tinha pescado aquela manhã (uns vermelhos lindos), sentado numas cadeiras que o dono espalha na porta do estabelecimento, muito pequeno para abrigar os frequentadores. De repente, o Café pula no meu colo.

O Café pequeno, um filhote exatamente igual ao meu cachorro, a mesma cor, a mesma mancha branca no peito pretíssimo e a mesma alegria de quando o Café era jovem. Atrás dele veio um homem que me disse: “Finalmente eu o encontrei! Estou há dias com ele em casa procurando pelo dono… O que houve?” Expliquei que não era o dono do bicho, a essa altura já lambendo meu rosto e tentando colocar sua cabeça sob minhas mãos. Foi daí que ele me disse que alguns dias atrás estava passeando com seu outro cachorro pelas ladeiras do Cosme Velho, onde moramos, e viu um filhote desesperado, procurando alguma casa ou alguém. Seus filhos não permitiram que o bicho continuasse na rua, até porque estava para começar aquelas tempestades de março, que fecham o verão e abrem crateras por todo o Rio abandonado. Preocupado com a família e o outro cão, passou pelo veterinário e, além de um exame completo, que assegurou perfeita saúde, aplicou as vacinas apropriadas.

E o cidadão e sua mulher, uma doutora em biologia, aproveitavam o Carnaval para passear nos pontos de encontro das redondezas, na esperança de que houvesse algum dono atrás de um filhote de labrador desgarrado. Já estavam quase desistindo, quando resolveram ir à Cobal, que fica distante do Cosme Velho, para almoçar. E aí o filhote, por intuição, por me entender como bom cachorreiro, ou sei lá porque, me adotou. E não queria sair de perto de mim. Dia seguinte, sábado de Carnaval, veio a família inteira me entregar o filhote que foi nomeado, provisoriamente, Francis. Ficamos trocando ideias, com as crianças fazendo hora, adiando a separação. Finalmente, sob a promessa, que pretendo cumprir, de franquear a casa para a visita dos pequenos ao Francis, foram embora, num misto de tristeza e de alívio, já que, vendo a casa, os outros animais tiveram a certeza de que Francis vai ter uma existência feliz.

Minha mulher, que estava viajando, quando chegou em casa e soube da história, adotou com sua habitual alegria o novo habitante. Para minha surpresa o resto da bicharada também, inclusive o Tigrão, que, por ser mais desconfiado, demora a estabelecer relações de amizade. Quando minha neta de um ano e três meses veio me visitar, já no domingo, ficamos com medo do Francis assustá-la com seus ímpetos. Pois ela estava no colo da avó e ele resolveu pular para lhe fazer um agrado. Cora não levou nenhum susto. Simplesmente esticou as mãozinhas e fez um carinho. Ele deu-se por satisfeito e foi roer o ossinho que lhe dei. Não sei não, mas estou tendo quase certeza que vamos nos dar muito bem. Por muitos e muitos anos. Espero.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)