Roberto Betancourt (Divulgação)

Roberto Betancourt, diretor do departamento de agronegócio da Fiesp (Federação da Indústria do Estado de São Paulo), apresenta números que comprovam o bom desempenho do setor durante a pandemia. Ele justifica a performance acima dos demais segmentos da economia, afirmando que o agronegócio fez o que sabe fazer de melhor: trabalho e coordenação. Mas, aponta que, no curto prazo, o setor terá grandes desafios. “Após superarmos a crise sanitária da Covid-19, teremos de lidar com os problemas no campo econômico, tanto no Brasil como em termos globais”. Ele fala ainda o quanto as queimadas e os desmatamentos prejudicam a imagem do Brasil. Veja a seguir a entrevista concedida pelo executivo para o Especial Agronegócio.

O agronegócio foi um dos poucos, se não o único, setor que se saiu bem durante a pandemia. A que o senhor atribui tal desempenho?

À essencialidade e ao papel estratégico do setor. Esses são os fatores que fizeram com que o agronegócio, de forma geral, registrasse um desempenho acima dos demais setores da economia durante a pandemia. Mas temos de ponderar o seguinte: agronegócio contempla uma ampla cadeia produtiva, e não está isolado do restante da economia.

E como a crise provocada pela Covid-19 impactou os diversos setores do agronegócio?

A crise sanitária da Covid-19 impactou os segmentos do agronegócio de maneira distinta. O bom desempenho do setor deve-se também a alguns fatores conjunturais, entre eles, o auxílio emergencial, que ajudou a sustentar o consumo de alimentos durante a crise, aos preços em níveis mais elevados de algumas commodities no mercado internacional (como soja e milho, que influenciam os preços internos) e o aumento das exportações, favorecido também pela taxa de câmbio.

Quais as estratégias adotadas que deram mais certo?

A estratégia adotada foi a que o setor sabe fazer de melhor: trabalho e coordenação. Trabalhou-se muito, de forma organizada, sistêmica, com todos os controles sanitários e cumprindo os protocolos de saúde para atender à demanda crescente por alimentos, fibras e energia do Brasil e no mundo. Tivemos grande suporte do Ministério da Agricultura, já que a ministra Tereza Cristina teve papel fundamental na conscientização dos municípios para que o abastecimento fosse garantido.

Qual o volume de negócios realizados neste período? Qual foi o crescimento em relação ao mesmo período do ano passado e qual a previsão para o ano?

A produção de grãos no Brasil registrou novo recorde na safra 2019/20, segundo a Conab, com uma colheita de 257,8 milhões de toneladas, aumento de 4,5% sobre a safra anterior. As exportações do agronegócio atingiram US$ 77,89 bilhões no acumulado de janeiro a setembro de 2020, crescimento de 7,5% em relação ao mesmo período em 2019. O saldo da balança comercial do agronegócio foi superavitário em US$ 68,71 bilhões. O setor foi responsável por quase metade das exportações totais brasileiras, alcançando o percentual recorde para o período: 49,8%. O crescimento das vendas externas do agronegócio amenizou a queda nos demais setores econômicos, que recuaram 19% na comparação entre janeiro e setembro de 2019 e 2020.

Pode nos dizer qual é a expectativa de faturamento do setor para este ano?
Segundo os dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o valor bruto da Produção Agropecuária deve ser da ordem de R$ 806,6 bilhões em 2020, resultado 11,5% maior que o de 2019. Para a agroindústria, os dados do Índice de Produção Agroindustrial (PIMAgro-FGV), com base na Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), indicam uma contração de 3,9% no acumulado de janeiro a agosto de 2020 em comparação com o mesmo período do ano anterior. Contudo, se não fosse o desempenho do segmento de Produtos Não-Alimentícios (que acumula uma queda de 11,3%), o setor agroindustrial já estaria operando em campo positivo, uma vez que o segmento de Produtos Alimentícios e Bebidas registrou um crescimento de 2,9% no acumulado de 2020. Com isso, de maneira geral, o agronegócio deve encerrar o ano com alta na renda.

A Fiesp tem estudo com perspectivas para os próximos anos. Ainda continua promissor?

No curto prazo, teremos grandes desafios. O ano de 2021 será desafiador, pois, após superarmos a crise sanitária da Covid-19, teremos de lidar com os problemas no campo econômico, tanto no Brasil como em termos globais. No mundo, a crise aponta para a intensificação do protecionismo. No Brasil, estados como São Paulo aumentaram a carga tributária sobre os setores produtivos, que já sofrem com a crise. Essas iniciativas tornam difícil a previsão futura para o setor, que tem margens extremamente apertadas. Isso poderá agravar a crise em alguns segmentos. Temos a Argentina como exemplo – o país penalizou o setor agropecuário com aumento da carga tributária e reduziu drasticamente a competitividade de vários segmentos naquele país. No entanto, no longo prazo, as premissas do Outlook Fiesp 2029, com projeções para vários produtos do agronegócio para os próximos dez anos, ainda continuam válidas.

Quando o estudo foi lançado?

O estudo foi lançado durante a pandemia da Covid-19, por isso, já levamos em conta os seus efeitos na projeção futura para o agronegócio. Consideramos que os fundamentos macroeconômicos do Brasil estão mais sólidos em comparação a décadas anteriores: inflação baixa; juros (Selic) no menor patamar da história; Reservas Internacionais mais confortáveis e câmbio desvalorizado, o que beneficia as exportações (embora implique maior custo de produção).

Qual a previsão de crescimento para o futuro?

Mesmo com ritmo de crescimento menor do que nos anos anteriores, o agronegócio brasileiro continuará com desempenho acima da média mundial em produção e exportação e ganhará participação de mercado. O país deve ganhar market share nas exportações de milho, açúcar e nas carnes bovina, frango e suína, por exemplo. Sem sombra de dúvida, os desafios foram e serão enormes, mas o setor deverá seguir crescendo nos próximos anos. O Brasil mostrou capacidade de manter o abastecimento interno e de cumprir os contratos internacionais.

Quais as áreas de maior destaque? E quais as que não tiveram um desempenho tão bom, se é que teve alguma?

Do lado da alta, o setor de grãos. Nele, sobretudo, soja e milho foram os que marcaram o melhor desempenho. Outros produtos agrícolas sofreram mais, como é o caso do setor de flores e cana-de-açúcar. Os dados do Índice de Produção Agroindustrial (PIMAgro-FGV), com base na Pesquisa Industrial Mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) demonstram que os únicos setores com a produção acumulada no ano (jan-ago) maior do que a de 2019 são: Produtos Alimentícios (5,0% – puxado exclusivamente pela produção de Alimentos de Origem Vegetal) e Insumos Agropecuários (2,1%). Todos os demais setores e subsetores estão com a produção menor do que a do mesmo período do ano anterior, sendo que os destaques negativos são: Produtos Têxteis (-28,9%), Borracha (-21,1%) e Biocombustível (-7,7%). Está claro que o agronegócio faz parte da economia, ou seja, não está alheio às crises. A Covid-19 impacta de forma heterogênea as cadeias produtivas do agronegócio.

As queimadas e o desmatamento atrapalham os negócios do setor?

As queimadas e o desmatamento ilegais atrapalham o agronegócio brasileiro e prejudicam a imagem do Brasil. Desmatamento ilegal não é agronegócio, é crime. Nosso país tem a mais ampla e protetiva legislação ambiental, que vai desde a legislação de biodiversidade, com destaque para a Lei de Acesso a Recursos Genéticos, ao Código Florestal, passando pelas áreas protegidas e tantas outras normativas.

Qual a orientação da Fiesp para minimizar o problema?

Acreditamos que para conseguir superar o desmatamento ilegal na região da Amazônia Legal, a solução deve passar, necessariamente, pelo desenvolvimento de alternativas produtivas com alto grau de compliance ambiental que melhorem a questão socioeconômica da região, o que inclui a regularização fundiária. Sem isso, qualquer alternativa não terá sucesso. O outro ponto é a efetiva aplicação do Código Florestal, a partir do Programa de Regularização Ambiental dos estados e a validação do CAR. O produtor fez a sua parte, agora é preciso que os estados acelerem a deles.

A Fiesp tem pesquisa que revele a imagem do agronegócio brasileiro dentro e fora do país?

Um estudo do Departamento do Agronegócio da Fiesp, divulgado em meados de maio de 2018, chamado A Mesa dos Brasileiros – Transformações, Confirmações e Contradições, fez uma pesquisa com 3 mil pessoas, em 12 regiões metropolitanas, que cobriu todas grandes regiões do país. Essa pesquisa apontou que para 62% dos entrevistados a imagem do agronegócio é positiva. Esse indicador sobe para 72% quanto à percepção positiva do produtor rural. Isso reflete que a população urbana brasileira reconhece o trabalho do campo e do setor do agronegócio.